Foto: divulgação
Para pensar e sentir
Quando a Diana
de Vanessa Gerbelli diz a sua primeira fala cantando, o público já sabe que “Quase
Normal” é um musical moderno (e moderno aqui não quer dizer contemporâneo), ou
seja, por um lado, o texto não vai ser sobre uma professora inglesa que vai à Índia
dar aulas de inglês ao sultão ou uma noviça que sai do convento para ser babá
de sete crianças, tampouco de uma menina que se perde em uma cidade maravilhosa
cheia de estradas de tijolos amarelos. O tema será algo da nossa realidade, um
assunto palpável, discutível, polêmico. Por outro lado, em se tratando de
músicas, não haverá canções, mas a peça inteira será cantada, do início ao fim,
sem pausas. Stephen Soudheim foi quem popularizou o gênero nos Estados Unidos,
trazendo assuntos fortes aos palcos da Broadway e afastando o melodrama com o
seu próprio veneno: a volta da operetta. "Company", "Jesus Christ Superstar", "Hair" e "Little Night Music" são alguns clássicos desse gênero ao qual podemos
facilmente ler “Quase Normal”, cuja direção geral (e versão brasileira) é de
Tadeu Aguiar e produção de Eduardo Bakr e Norma Thiré.
Prêmio
Pulitzer em 2010, o resultado final da dramaturgia é sinal de que Tom Kitt
venceu grandes desafios. “Quase Normal” fala de doença, trata de uma mulher,
uma mãe de família, que não conseguiu superar dores do passado e arrastou-se,
durante quase vinte anos, de psiquiatra em psiquiatra, de remédios tarjas
pretas e terapias, sem sucesso, trazendo sua família nessa problemática. Lá
pelas tantas, (como também acontece na série americana “United States of Tara”),
há a avaliação do tratamento. Se o resultado fosse positivo, a produção poderia
ser lida como uma propaganda desse recurso. Se o sinal fosse negativo, a peça
poderia ser interpretada como uma contra-propaganda. Para qual final correrá
essa história? Uma vez que doenças são coisas mais sérias que sapatos vermelhos
e fonética, é preciso ter responsabilidade para escrever uma peça como essa. Kitt
teve e o resultado, no palco do Teatro Clara Nunes no Shopping da Gávea,
convida o público a perceber essa delicadeza do texto, esse cuidado ao falar da
cena com uma plateia incontável de pessoas usuárias de remédios tarjas pretas,
amigos ou parentes, ou mesmo pessoas que, como os personagens, precisam saber
lidar com as próprias dores e seguir adiante.
Com vários
pontos a elogiar, os problemas de “Quase Normal” são da ordem da encenação. Como
se disse, o texto faz força para fugir do idealismo, da alienação, do lugar
perfeito e bonito. Tadeu Aguiar, no entanto, erra quando vai na contracorrente.
Os figurinos de Ney Madeira, Dani Vidal e Paty Faedo são elegantes e alinhados,
combinando e negativamente prenunciando cenas (Quando vemos o Doutor com
gravata vermelha, sabemos que o vestido de Diana será vermelho. Quando vemos
Diana de lilás, sabemos que Dan, o marido, aparecerá com uma camisa da mesma
cor.). O cenário é uma sofisticada casa de um arquiteto, onde os móveis brilham
e há requinte e bom gosto. As interpretações vão no mesmo sentido: Vanessa
Gerbelli (Diana) cruza as pernas e deita as mãos com muita elegância do início
ao fim da peça sem nenhuma curva dramática, como se esperaria após todas
desventuras de sua personagem. Olavo Cavalheiro, loiro e de olhos azuis, exibe
um corpo perfeito em roupas sempre muito limpas. Em resumo, em “Quase Normais”
carece de feiúras, de sujeiras, de imperfeições, de símbolos estéticos que
presentifiquem as dores pelas quais passam essa família, que ofereçam ao
público marcas de verdade para que ele possa realmente acreditar na história
que está assistindo ser contada.
Com direção
musical e regência de Liliana Secco, todos os atores cantam bem as belas músicas.
Cristiano Gualda (Dan, o pai) e Carol Futuro (a filha) são os pontos altos do
elenco, de um modo geral, valoroso. Futuro interpreta a difícil Natalie, sem
cor, sem vida, sem graça com muita generosidade, o que é bastante positivo. Gualda
dá vida ao marido apaixonado pela esposa e pela família e que, também, como ela,
precisa aprender a ter coragem para solucionar os problemas ao invés de
simplesmente esquece-los. Victor Maia dá vida a Henry, o namorado de Natalie,
que representa de forma alegre e jovial o suspiro que oxigena essa história
positivamente. O ponto mais negativo do elenco é André Dias, cuja performance é
dura e fria.
“Quase Normal”
é uma produção que merece ser vista pelo tema sensível que a peça propõe,
permitindo à assistência sair do espetáculo discutindo o que viu, pensando
sobre a história, refletindo sobre os personagens. Com um elenco coberto de
bons valores, apesar de alguns desacertos, e uma interpretação de trilha sonora
magistral, eis aí um espetáculo digno de aplausos que há orgulhar os cariocas,
sobretudo os mais sensíveis.
*
Ficha técnica:
Elenco:
Vanessa Gerbelli, Cristano Gualda, Olavo Cavalheiro, Carol Futuro, Victor Maia e André Dias.
Vanessa Gerbelli, Cristano Gualda, Olavo Cavalheiro, Carol Futuro, Victor Maia e André Dias.
Texto: Tom Kitt
Música e Letra: Brian Yorkey
Direção Musical e regência: Liliane
Secco
Versão brasileira e Direção geral: Tadeu
Aguiar
Diretora assistente e Coreógrafa:
Flavia Rinaldi
Figurinistas: Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo
Cenógrafo: Edward Monteiro
Designer de luz: Rogério Wiltgen
Designer de som: Fernando Fortes
Preparação vocal: Mirna Rubin
Coordenação de produção: Norma Thiré
Figurinistas: Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo
Cenógrafo: Edward Monteiro
Designer de luz: Rogério Wiltgen
Designer de som: Fernando Fortes
Preparação vocal: Mirna Rubin
Coordenação de produção: Norma Thiré
Idealização, coordenação do projeto
e produção geral: Eduardo Bakr & Tadeu Aguiar - Estamos Aqui Produções
Artísticas.
Ótima crítica!!! "Quase Normal" é um grande espetáculo que ainda dará muito o que falar.
ResponderExcluirMas, só uma correção: o ator Olavo Cavalheiro não é loiro.
Como o ator Olavo Cavalheiro não é loiro?
ExcluirÓtima crítica, mas o personagem do Olavo Cavalheiro é uma idealização da mãe, logo a crítica à sua "perfeição" me parece equivocada.
ResponderExcluirFraco. Peça muito fraca.Salvam-se os atores/cantores. A versão não transferiu a emoção do original.
ResponderExcluir