quinta-feira, 26 de julho de 2012

Savana Glacial (RJ)


Foto: divulgação

O lugar do espectador na boa narrativa

            “Savana Glacial” foi eleito um dos melhores espetáculos teatrais de 2010 e é, sem dúvida, um dos melhores a partir de texto de Jô Bilac, que ganhou com ele o seu Prêmio Shell de Melhor Dramaturgo. Com direção de Renato Carrera, a situação é simples. No passado, houve um acidente de trânsito e Meg, que dirigia o carro, passou a sofrer com perda de memória recente. Para tentar aliviar o problema, seu marido, Michel, muda-se com ela para um novo apartamento. Lá eles conhecem Ághata, uma maquiadora que mora no mesmo prédio. O jogo parte da relação conflituosa entre os três personagens: Meg faz bolos de aniversário por encomenda, Michel está escrevendo sua primeira peça de teatro, Ághata maquia defuntos. Produzido pela Cia. Físico de Teatro, a encenação tem um ritmo interessante, excelentes interpretações e é de altíssima qualidade estética.
            O que mais chama a atenção nos diálogos desse texto de Jô Bilac são as contradições. Savana é um lugar quente, glacial é um adjetivo frio. Entra e Sai são opostos. Há quem escreva para lembrar, há quem escreve para criar. Há quem faz amizades para se aproximar, há quem se aproxima para afastar. Apesar dos momentos cômicos, o riso vem mais como forma de arejar as tensões do que propriamente de gags quase inexistentes. Michel cuida com amor da sua esposa doente. Estará ele ficado doente também?
            Renato Carrera soube aproveitar as dicotomias muito bem: Michel e Meg, interpretados por Renato Livera e Andreza Bittencourt, têm interpretações mais próximas do real como oposição estética à Agatha, interpretada por Camila Gama, com bem mais marcas teatrais. O jogo de claros e escuros, as cores que banham o palco por luzes fluorescentes, uma mesa torta e poucos abajures são espaço para esse choque de tensões e diferentes equilíbrios que preenche o palco nos excelentes setenta minutos de encenação. Bem escrito o texto é dito bem: há contornos, há nuances, há pausas bem dadas e corridas bem postas. Como um todo, a encenação oferece motivos que confirmam a boa fama acumulada nesses dois anos.
Renato Machado, Flávio Souza, Mariana Ribas e Jamba assinam a iluminação, o figurino, a cenografia e a trilha sonora: elementos estéticos que agem, em sua totalidade, de acordo com a proposta, elevando os valores do texto nos detalhes e propiciando à audiência uma fruição adequada e inteligente. O ponto alto da peça está no final: o que Michel escreve em sua peça depois de tudo? Eis a gentileza do teatro em deixar valorizado o lugar do espectador na boa narrativa.

*

Ficha técnica:
Idealização: Camila Gama e Renato Livera
Direção: Renato Carrera
Texto: Jô Bilac
Atuação: Andreza Bittencourt, Camila Gama, Diogo Cardoso e Renato Livera
Preparação Corporal: Lavinia Bizzotto
Trilha Sonora: Jamba
Iluminação: Renato Machado
Cenografia: Mariana Ribas
Figurino: Flávio Souza
Realização: Físico de Teatro

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bem-vindo!