Foto: divulgação
O lugar do espectador na boa narrativa
“Savana
Glacial” foi eleito um dos melhores espetáculos teatrais de 2010 e é, sem dúvida,
um dos melhores a partir de texto de Jô Bilac, que ganhou com ele o seu Prêmio
Shell de Melhor Dramaturgo. Com direção de Renato Carrera, a situação é
simples. No passado, houve um acidente de trânsito e Meg, que dirigia o carro,
passou a sofrer com perda de memória recente. Para tentar aliviar o problema,
seu marido, Michel, muda-se com ela para um novo apartamento. Lá eles conhecem
Ághata, uma maquiadora que mora no mesmo prédio. O jogo parte da relação conflituosa
entre os três personagens: Meg faz bolos de aniversário por encomenda, Michel está
escrevendo sua primeira peça de teatro, Ághata maquia defuntos. Produzido pela
Cia. Físico de Teatro, a encenação tem um ritmo interessante, excelentes
interpretações e é de altíssima qualidade estética.
O
que mais chama a atenção nos diálogos desse texto de Jô Bilac são as contradições.
Savana é um lugar quente, glacial é um adjetivo frio. Entra e Sai são opostos. Há
quem escreva para lembrar, há quem escreve para criar. Há quem faz amizades
para se aproximar, há quem se aproxima para afastar. Apesar dos momentos cômicos,
o riso vem mais como forma de arejar as tensões do que propriamente de gags
quase inexistentes. Michel cuida com amor da sua esposa doente. Estará ele
ficado doente também?
Renato
Carrera soube aproveitar as dicotomias muito bem: Michel e Meg, interpretados
por Renato Livera e Andreza Bittencourt, têm interpretações mais próximas do
real como oposição estética à Agatha, interpretada por Camila Gama, com bem
mais marcas teatrais. O jogo de claros e escuros, as cores que banham o palco
por luzes fluorescentes, uma mesa torta e poucos abajures são espaço para esse
choque de tensões e diferentes equilíbrios que preenche o palco nos excelentes
setenta minutos de encenação. Bem escrito o texto é dito bem: há contornos, há
nuances, há pausas bem dadas e corridas bem postas. Como um todo, a encenação
oferece motivos que confirmam a boa fama acumulada nesses dois anos.
Renato Machado,
Flávio Souza, Mariana Ribas e Jamba assinam a iluminação, o figurino, a
cenografia e a trilha sonora: elementos estéticos que agem, em sua totalidade,
de acordo com a proposta, elevando os valores do texto nos detalhes e
propiciando à audiência uma fruição adequada e inteligente. O ponto alto da
peça está no final: o que Michel escreve em sua peça depois de tudo? Eis a
gentileza do teatro em deixar valorizado o lugar do espectador na boa
narrativa.
*
Ficha técnica:
Idealização: Camila Gama e Renato
Livera
Direção: Renato Carrera
Texto: Jô Bilac
Atuação: Andreza Bittencourt,
Camila Gama, Diogo Cardoso e Renato Livera
Preparação Corporal: Lavinia
Bizzotto
Trilha Sonora: Jamba
Iluminação: Renato Machado
Cenografia: Mariana Ribas
Figurino: Flávio Souza
Realização: Físico de Teatro
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