Elenco tem excelente retórica |
Experimentação dramatúrgica
Em “O controlador do tráfego aéreo”, Moacir Chaves repete o que já experimentou no bem sucedido “A Negra Felicidade”, isto é, dá forma dramatúrgica a textos de origens diferentes. A primeira parte do espetáculo é composta por prontuários, texto científico e por correspondência médica em que Silvano Monteiro é diagnosticado como um paciente que necessita de cuidados. Além disso, há a relação do personagem com os departamentos da aeronáutica, onde trabalhava até meio dos anos 90. A cena inicial mostra Monteiro no trabalho, controlando o tráfego aéreo a partir da base aérea do Galeão. A segunda parte é formada por canções, textos opinativos sobre a realidade dos moradores de rua de Porto Alegre e textos literários (sem citação de fontes – nenhum programa é também entregue). “Controlador do tráfego aéreo” perde o foco, dispersando o trato do tema inicial sem aprofundar qualquer outro, ao invés de enfrentá-lo. Em cartaz no Teatro Serrador, com produção do grupo Alfândega88, é um espetáculo de dramaturgia experimental (e já experimentada pelo próprio grupo).
O gênero pós-dramático, porque delega ao espectador a tarefa de dar sentido para o que vê em cena, é o prisma que melhor leitura poderia oferecer para o espetáculo em questão. Sem dúvidas, “Controlador do tráfego aéreo” tem valores estéticos nobres: o excelente desenho de luz de Aurélio de Simoni constrói imagens que contribuem na materialização da solidão humana, com destaque para a cena em que os bancos vazios da plateia são iluminados, deixando pensar na possibilidade da ausência. O cenário, apenas uma mesa, pode fazer permitir pensar na pista de pouco e decolagem de aviões, mas também uma proposta de debate, pois o público está sentado em seu entorno. Danielle Martins de Farias, Fernando Lopes Lima, Kassandra Speltri, Leonardo Hinckel, Luísa Pitta e Rafael Monnheimer dão a ver o texto com excelente retórica, ratificando o tantas vezes elogiado talento de Chaves para dirigir atores e oferecer grandes trabalhos de interpretação. O problema é realmente a dramaturgia.
“Controlador do tráfego aéreo” é hermético, pois a simples justaposição de vários textos não aprofunda o tema pela galeria de vários lados de um mesmo assunto, como pode ter sido a intenção. O personagem Monteiro, em torno do qual a história gira na sua abertura, se esvai quando o texto abandona o particular para ir em direção ao universal. O personagem morava no Rio e foi transferido para Brasília, o que acentuou problemas familiares que já o punham sob tensão psicológica anteriormente. A crônica e a opinião sobre ela a respeito dos moradores de rua trata de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. É certo que, na história, Monteiro se tornou morador de rua depois de ter pedido desligamento da aeronáutica, mas supor que a realidade dos moradores de rua de Porto Alegre seja a mesma do Rio ou de Brasília é uma visão tão superficial do tema quanto a demonstrada na crônica contestada no texto opinativo. Os textos outros (o crítico Lionel Fischer cita "O mal estar da civilização" (Freud), "Utopia" (Thomas Morus), "Ralé" (Gorki), "Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis) e "Rei Lear" (Shakespeare)) colorem o tema e o seu trato, mas igualmente apenas entretém sem contribuir na reflexão de forma sólida.
Silvano Monteiro é também o nome de um dos atores da produção. É ele quem interpreta o controlador do tráfego aéreo na abertura da peça e somos levados a crer que se trata de uma história real. O fato dá força para o projeto, mas não lhe confere peso enquanto obra artística. Como experimento, tem-se aí um bom resultado.
Ficha técnica:
Concepção, dramaturgia e concepção cenográfica: Moacir Chaves
Elenco: Danielle Martins de Farias, Fernando Lopes Lima, Kassandra Speltri, Leonardo Hinckel, Luísa Pitta, Rafael Monnheimer e Silvano Monteiro
Figurinos: Inês Salgado
Iluminação: Aurélio de Simoni
Programação visual: Maurício Grecco
Músicas: Silvano Monteiro
Produção executiva: Denise Pimenta
Divulgação: Passarim Comunicação
Fotos: Guga Melgar
Assistência de direção: Danielle Martins de Farias
Estagiária de direção: Maria Grey
Produção: Cia. Alfândega88
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Bem-vindo!