sábado, 3 de agosto de 2013

Randevu do avesso (RJ)

A peça segue em cartaz no Teatro Café Pequeno
Foto: divulgação

Mais comportado do que poderia: ótimo espetáculo

“Randevu do avesso” é bom, mas podia ser melhor se não fosse tão comportado. Com supervisão de José Possi Neto, a peça está em cartaz no Teatro Municipal Café Pequeno no Leblon e tem bom texto de Claudia Mauro em processo colaborativo com o elenco. A direção é dos atores Alice Borges, Édio Nunes e de Marcos Ácher, que também são destaques nas interpretações ao lado de Beth Lamas. Melhor lido dentro do gênero do Teatro do Ridículo, a produção, infelizmente, parece negar a si própria, agradando principalmente quando escapa de si mesma. São destaques positivos também o cenário de Nello Marrese e os figurinos de Claudio Tovar, além da trilha sonora dirigida por Claudio Lins e por Tony Lucchesi e bastante bem interpretada ao vivo pelo conjunto de atores e músicos.

O gênero Teatro do Ridículo é consequência de dois anteriores: o Teatro Surrealista de Artaud e o Teatro do Absurdo de Ionesco. Enquanto no primeiro, o sonho toma o lugar da realidade e estabelece uma nova lógica, o segundo retira a lógica da realidade e constrói uma versão paralela. Com menos emoção e menos política, o Teatro do Ridículo deu sua contribuição à liberação sexual (O musical Hair foi produzido na Off-Broadway em 1967.), aproveitando-se das cores surrealistas e da comicidade absurda. O resultado é, nada menos, que uma “avacalhação” levada a sério, com antecedentes no teatro burlesco americano que satirizava óperas clássicas, produzindo comédias pastelão. Nesse contexto, justifica-se o chamamento das cenas de “números” no texto de Mauro aqui analisado. 

O musical "Randevu do avesso"conta a história da diva Melinda Melaço, famosa cantora interpretada por Lamas. Como todas as grandes divas, ela tem um histórico pontuado por tragédias e por uma carga genética complicada. A história se passa no camarim de um teatro, numa tarde de ensaio que antecede a noite de estreia de mais um de seus grandes shows. Nervosa, ela bebe muito, chegando a decidir que não irá estrear. Revoltada com a hipocrisia que rege o mundo das artes, usa de várias drogas e tem uma overdose. Dessa forma, seu corpo entra em colapso. “Randevu do avesso” tem esse nome, porque estamos "no avesso" de Melinda, isto é, dentro de seu corpo que, ao longo da narrativa, entra em convulsão. Cada personagem é uma parte desse corpo: o cérebro, os rins, a vagina, os seios, as cordas vocais, etc. Todos se unem para “salvarem-se”, “salvando” Melinda. Como é de costume em espetáculos desse gênero, o texto é apenas motivo para situações cômicas em que o deboche deve correr solto. Infelizmente, esse último elemento aparece formalmente nos diálogos, mas muito pouco nas contracenas entre os personagens, o que é uma falha da direção.

Comportado, esse “Randevu do avesso” é um tanto quanto hermético demais, podendo melhorar na medida em que os atores, nas sucessivas temporadas, forem se sentindo mais à vontade com o texto e com as marcações. Na sessão aqui analisada, houve dois momentos bastante interessantes: em um deles, dois intérpretes começaram a rir (Borges e Ácher), introduzindo questões relativas à produção da peça em si e não em relação à narrativa: quem produz a peça, quem é o dono da cena, quem está roubando o foco, etc. Em outra situação, uma cortina do cenário caiu e virou motivo de piada em outros momentos do espetáculo. Aparentemente renegado pelos atores, esses períodos foram os melhores, porque os mais condizentes com o que o público espera ver. Palavrões, referencias sexuais e ao uso de entorpecentes, questionamento da sociedade, etc, são elementos estéticos que vibram no improviso dionisíaco que o texto, enquanto diálogos, prevê. Na "bagunça", Dionísio do texto expulsa o Apolo que parece imperar nas coreografias sólidas, nas marcações enrijecidas e nas interpretações um tanto quanto duras.

Destacam-se, no elenco, as interpretações de Alice Borges (Maria Têta e Cuzidô), Édio Nunes (Espermaurício), Marcos Ácher (Cirrus Hepáticus e Dona Menô) e de Beth Lamas (Melinda). Responsável pela linha narrativa, Lamas tem uma responsabilidade diferente dos demais na estrutura cênico-dramatúrgica da peça, essa cumprida com força, verdade e com potencia. Os demais citados são os que, na sessão analisada, melhores aproveitaram os momentos para o improviso, a descontração e para o ridículo estético esperado, ressaltados, claro, os seus valores enquanto bons comediantes e cantores e dançarinos.

“Randevu do avesso” é uma continuidade da pesquisa iniciada em “Cabaret Melinda”, musical criado em 2008 e apresentado em casas noturnas como os extintos Canequinho e Canecão, Lapa 40º, de Carlinhos de Jesus, e espaços alternativos como o Rio Scenarium. “Cabaret Melinda” surgiu do desejo de continuidade da parceria de onze atores que trabalharam juntos durante um ano no espetáculo “O Baile”, dirigido por José Possi Neto, que cumpriu temporadas de sucesso no Rio (Teatro Ginástico e Teatro João Caetano) e em São Paulo (Teatro Cultura Artística). Vale a pena ser visto! 

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Ficha Técnica
Texto Anormal: Claudia Mauro
Direção Paranóica: Alice Borges, Édio Nunes e Marcos Ácher
Assistência Pirada de Direção: Marília Araujo
Supervisão Geral da Loucura: José Possi Neto

Elenco / Personagens:
Alice Borges: Sopranina / Cuzidô / Maria Teta / Lili Coca
Anna Claudiah Vidal: Gina Falópio / Tarja Najla, a tarja preta
Beth Lamas: Melinda
Charles Fernandes: Aza, o pensamento / Espermarcos / Laringo-goboy
Claudia Mauro: Afrodite Pinefrina / Ovo Pô-Chê.
Édio Nunes: Pentelho Profeta / Mano Calo / Besteirão / Espermauricio / Telmo Lactina, o hormônio alterado / Maestro Multipotente, a célula tronco
Gisela Saldanha: Lady Adrianina / Espermatilde
Marcos Acher: Cirrus Hepaticus / Espermaurício / Dona Menô
Najla Raja: Mezzo Cotoca, Abigail / Espermarcia
Ruben Gabira: Sanus Insanus / Diretor

Figurinos Bipolares: Claudio Tovar
Cenário Esquizofrênico: Nello Marrese
Iluminação Alucinógena: José Possi Neto e Rogério Medeiros
Trilha Original Tresloucada: Claudio Lins
Direção Musical e Arranjos Dissonantes: Claudio Lins e Tony Lucchesi
Coreografias Desvairadas: Adriana Nogueira, Charles Fernandes, Édio Nunes, Eliane Carvalho (Flamenco), Silvia Matos (ballet moderno), Mabel Tude (Sapateado) e Marília Araujo
Projeto Gráfico Paranóide: Marcos Ácher
Fotos Delirantes: Dalton Valério
Produção Executiva em Delirium: Regina Monteiro
Direção de Produção da Insanidade: Alice Borges, Claudia Mauro, Denise Escudero e Gisela Saldanha
Realização da Catarse: Alice Borges, Claudia Mauro e Catsapá Produções Artísticas
Síndrome Compulsiva de Divulgação: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany

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