domingo, 25 de agosto de 2013

Maria Miss (SP)

Daniel Alvim e Tânia Castello em cena de "Maria Miss"
Foto: divulgação

Aplausos e vida longa

“Maria Miss” é um excelente espetáculo construído a partir da adaptação do conto “Esses Lopes”, de Guimarães Rosa (1908-1967). O mérito, que se encontra em vários lugares, está principalmente na atualização de Evill Rebouças, de Yara Novaes e do elenco para o palco, em que se preservam os neologismos de Rosa, mas também todas as estruturas semânticas que estão por trás dessas palavras. Dirigida por Novaes, Tânia Castello é Flausina, a garota pobre que tem seu destino entregue às mãos dos filhos da Família Lopes quando casa-se com um deles ainda menina. Em cena, o mal que é feito a ela é por ela incorporado e revertido em vingança. Nesse sentido, Flausina é estufa onde germina o destino dos outros e “Maria Miss” é, assim, por sua vez, estufa ainda maior onde crescem várias reflexões estéticas sobre relação humana, dominação e poder. Em cartaz no Centro Cultural do Banco do Brasil do Rio de Janeiro, o espetáculo estreou em São Paulo em 2012. 

Com belíssima desenvoltura corporal e vocal, Castello constrói uma Flausina potente: é doce e simples, mas também vingativa e complexa. O modo como fala (as entonações, os tempos, os silêncios, o vocabulário) está completamente relacionado com o todo de sua expressão, contando a própria história enquanto a revive. Plínio Soares e Daniel Alvim dão vida aos outros personagens, mantendo-se positivamente distantes do público, mas próximos entre si – são, pois, parte da narrativa de Flausina para o seu interlocutor. Ouve-se como quem partilha, dá-se atenção como quem sabe que atenção é um tempo que se recebe de volta. Castello, Soares e Alvim, na riqueza de seus usos expressivos, estabelecem e ratificam um laço precioso com o público, que entende o jogo de troca de cenas e de personagens, reconhece os vilões e os nem tanto assim, e embarca positivamente seguro nessa história. Vêm o riso, o enternecimento, a reflexão: a direção de Novaes é marcadamente segura em delicadeza e em força, em tensão e em distensão. 

O cenário e os figurinos de Márcio Medina contróem os elementos essenciais para o estabelecimento da narrativa sem lhe causar entraves, mas, ao contrário, lhe trazendo confirmações que asseguram a concepção. Estão bem articuladas também com a iluminação de Wagner Freire, cujo desenho destaca a sensação da vivência das situações, aprofundando as possibilidades de fruição. A trilha sonora de Rodrigo Mercadante e de Maurício Damasceno colabora com o reconhecimento das partes que compõem a narrativa, sobretudo apresentando bem a protagonista. Com isso, outro mérito de “Maria Miss” é a visível interrelação entre todos os elementos, o que resulta num todo coeso e coerente digno dos elogios que vem recebendo. 

Guimarães Rosa é um dos maiores escritores mundiais pelo seu narrar de dentro pra fora, em que o fluxo de consciência dos personagens corre não por um desejo dele de falar de si, tampouco por uma vontade nossa de ouví-lo, mas pela necessidade que, nesse caso, Flausina, tem que de explicar-se para si própria. Enquanto fala, ela se descobre, se perdoa, se justifica, se condena e também purga a sua dívida. O espectador é testemunha antes de apenas ouvinte e, por estar diante desse renascer, o espetáculo é anterior à cena, pois todo nascer é bonito. “Maria Miss” merece aplausos e vida longa! 

*

FICHA TÉCNICA
Direção: Yara de Novaes
Autoria: João Guimarães Rosa
Conto: “Esses Lopes”
Adaptação: Evill Rebouças, Yara de Novaes e Elenco.
Elenco: Tania Casttello, Plínio Soares e Daniel Alvim
Assistente de Direção e Desenho de Movimento: Leonardo Bertholini
Cenografia e Figurinos: Márcio Medina
Assistente de Cenografia: Cezar Rezende, Marcos Tadeu e Maristela Tetzlaf
Costureira: Judite Lima
Visagismo: Leopoldo Pacheco
Iluminação: Wagner Freire
Assistente de Iluminação: Alessandra Marques
Trilha Sonora: Rodrigo Mercadante e Mauricio Damasceno
Gravação Trilha: Estúdio do Barracão
Preparação Corporal: Miriam Rinaldi
Operador de Luz: Isaías Néri
Operador de Som: Kleber Marques
Contra regra: Alex Sander Brandão
Camareira: Mariana Brandão
Fotografia: João Caldas
Programação Visual: Rodolfo Rezende/ Estúdio Tostex
Assistente de Arte: Acauã Novais
Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa
Produção de Base: Vânia Alves e Leandro Pexe
Assistente de Produção: Will Sampaio
Produção Executiva: Silvia Rezende
Direção de Produção: Fernando Cardoso e Roberto Monteiro
Idealização: Tania Casttello
Realização: Mesa 2 Produções

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