Rita Fischer apresenta trabalho brilhante! |
Peça sobre prostitutas apresenta conjunto de ótimos trabalhos de interpretação
“Sarau das Putas” é um belo espetáculo em cartaz no Teatro Poeira. Com uma maquinaria dramática simples, a produção apresenta uma galeria despretensiosa, mas potente, de algumas das diversas faces do que chamamos por “prostitutas”. Partindo de um tema e o explorando com riqueza e profundidade, a peça acaba por homenagear o ser humano em sua capacidade de ser tão diferente, tão rico, tão original, apesar de sua incapacidade de viver sozinho, afastado de outros seres, a princípio, “iguais” a ele. “Sarau das Putas”, além do mérito enquanto conteúdo, oferece positivamente ao teatro carioca a possibilidade de conhecer um conjunto de novas atrizes que surgem ou estão surgindo em uma nova geração cheia de muito talento, boa formação e já com alguma experiência. Dividido em monólogos, a opção permite ao público crítico observar um a um o resultado do trabalho de cada intérprete enquanto se deleita com a história contada por cada personagem. Eis aí mais um acerto com a assinatura do diretor Ivan Sugahara.
Mme Marcelle La Pompe recebe clientes em seu estabelecimento no início do século XX em Paris. O lugar é uma espécie de templo dedicado aos prazeres sensoriais, todos eles vistos como parte humana que deve ser valorizada apesar dos esforços racionais da sociedade moralista. Dados os boas-vindas, a noite, que é atemporal, começa. O jogo permite pensar que as “meninas” se mostram para o público no intervalo de seus atendimentos ou que sua apresentação é, afinal de contas, justamente parte desse atendimento. O interlocutor, nesse sentido, vai mudando. Podemos ser o cliente, a família do cliente, a esposa dele, pessoas interessadas em conhecer os serviços da casa, ou simplesmente ausentes. Em cada quadro, o universo particular de cada personagem se desvela (são-lhes tirados os véus).
Ivan Sugahara, além da direção de atores, tem dois grandes méritos. O primeiro, ao lado de Renata Mizhari e de Victor Barbarisi, é o de conduzir uma ótima dramaturgia cênica, apesar do problema que ela lhe interpôs. São treze atrizes. A partir da apresentação da segunda, a linguagem da peça (e linguagem teatral só existe enquanto consequência teórica do seu uso específico) já está dada: serão treze quadros dramáticos e todos eles terminarão com uma canção interpretada pela personagem. Ou seja, pode-se ir contando, ao longo da fruição, o número de cenas que faltam para a peça terminar, o que seria fatalmente cansativo e, por isso, nesse caso, acaba por ser exortar o valor da direção enquanto responsável pelo drible desse desafio.
O público sente que o espetáculo vai crescendo, conforme a disposição que cada atriz oferece a sua personagem. Começando por Tatyane Meyer, que parece estar menos à vontade em seu trabalho em relação às demais, e terminando com Carolina Ferman, exuberante em sua interpretação, o desenvolvimento da história no palco contempla positivamente todos os trabalhos, de Meyer a Ferman, sem exceção. O caminho é ascendente, mas com intervalos. Ou seja, não é possível concluir dessa avaliação que as atrizes do segundo ato são melhores que a do primeiro, embora, sim, a segunda parte manifeste um ritmo mais solto e, por isso, mais leve. A afirmação é de que, no centro da dramaturgia, há excelentes trabalhos e, para citar dois, vale destacar os momentos de Nara Parolini e, sobretudo, de Rita Fischer, essa última protagonista de um dos trechos mais marcantes do espetáculo. Em outras palavras, embora identifique-se o avanço retilíneo, é possível identificar mudanças de ritmo nessa “corrida para o fim”, que, sem dúvida, é um grande valor.
O outro mérito de “Sarau das Putas” é a forma como estão articuladas as sequências. Ao terminar uma cena, pequenos acontecimentos indicam a entrada de personagens que não irão, afinal, ter a sua vez naquele momento. Nas palavras de Aristóteles, tem-se aí as célebres peripécias, recurso milenar usado para enganar o público e tirar surpresas de onde tudo, até então, parecia ser plenamente previsível.
O único senão de “Sarau das Putas” é o final do primeiro ato. Nessa cena, há um equívoco conceitual no silogismo da peça. Sim, todas as prostitutas são mulheres. Não, nem todas as mulheres são prostitutas. Por isso, na boca de uma das personagens, o discurso que cita casos de abuso sexual ou de espancamento de mulheres (não prostitutas) não encontra lugar e, por isso, se perde, sendo uma barriga não bem-vinda à história. (Felizmente, está no fim do primeiro ato e não no fim da peça, o que seria aterrador.)
Fazer apologia ao sexo é uma atitude que encontra eco nos palcos do mundo desde “Hair”. Ao debruçar-se sobre as profissionais do sexo, o grupo não as destaca, mas as coloca em igualdade com os outros profissionais. O gesto, além de esteticamente bem feito, é politicamente meritoso. Parabéns!
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Ficha Técnica
Direção: Ivan Sugahara
Dramaturgia: Ivan Sugahara, Renata Mizrahi e Vitor Barbarisi
Assistência de Direção: Diego de Angeli e Vitor Barbarisi
Direção de Movimento: Paula Maracajá
Preparação Vocal: Ricardo Góes
Cenografia: Diego Molina
Figurino: Tarsila Takahashi
Iluminação: Ana Luzia M. de Simoni
Trilha Sonora: Ivan Sugahara e Vitor Barbarisi
Programação Visual e Fotografia: Thiago Ristow
Produção: Alan Isidio, Amanda Lima e Maria Alice Silvério Lima
Elenco:
Carol Garcia | Carolina Ferman | Gisela de Castro | Juliana Terra | Laila Garin | Laura Limp | Lívia Paiva | Nara Parolini | Nathália Mello | Renata Guida | Rita Fischer | Rose Lima | Tatyane Meyer
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