terça-feira, 9 de abril de 2013

Morada dos ossos (RJ)

Paulo de Oliveira Vieira protagoniza peça baseada
em fatos reais sobre caso de abandono
Foto: divulgação

A não opção pode ser uma má opção

O texto de “Morada dos Ossos” expressa um grupo bem intencionado, mas perdido no ato de narrar cenicamente. Como um todo, o espetáculo, a nova produção da Companhia EnsinoemCena, é uma estrutura frágil e cambaleante, porque sem bases sólidas, com fachada estranha e com teto frágil. A partir da obra original do dramaturgo carioca Francis Ivanovich (também autor de “A história do homem que ouve Mozart e da moça do lado que escuta o homem”), o grupo conta a história da portuguesa Augusta Duarte Marinho (1915-2002?), cujo esqueleto foi encontrado no chão da cozinha de seu apartamento, quando o local foi vendido em leilão nove anos depois das contas deixarem de ser pagas. O fato, acontecido em fevereiro em 2011 e que repercutiu na mídia internacional, ecoou pelo mundo como um símbolo do abandono. Durante quase uma década, o corpo da senhora de 88 anos, de seu cão e de dois pássaros jazeram sem visitas (e sem cheiro) no quarto andar de um prédio de cinco pavimentos em uma cidade de 30 mil habitantes no norte de Portugal. No palco do Solar de Botafogo, no entanto, o espectador não sabe de que forma essa história será/é contada: sobre o prisma documental e pedagógico ou a partir de sua força poética? Na dúvida, a direção coletiva comete o engano de não optar e manter as duas formas. Quem perde é o conteúdo. 

A narração em off inicial expõe o fato de maneira clara: o espectador fica sabendo ao que vai assistir, tanto o contexto como o fim. Nesse sentido, a produção informa que o que vale não é o que vai ser narrado, mas como a história vai ser contada. Então, vê-se um ator (Paulo de Oliveira Vieira), interpretando a senhora Augusta Duarte Marinho, conversando com seu cão a respeito de jogos que eles fazem entre si, sobre seu casamento e seu marido e sobre um filho que mora no Brasil e que, talvez, venha para o próximo natal. (Não há registros de que esse filho realmente tenha existido. Segundo consta, a Sra. Marinho tinha apenas sobrinhos com quem não tinha relações.) Como o espectador já sabe como a história vai terminar, contempla a cena como descrição (e descrição não é narração). Ao lado de Marinho, há um grupo de quatro atrizes (Dai Fiorati, Raphaela Tafuri, Luca Martins e Luli Burdman) que interpretam figuras. A função não é clara: parece que é ressoar, de forma alegórica (como no teatro medieval/carnavalesco/religioso), algumas situações de impacto, amplificando a carga poética do acontecimento: abandono. Apesar do preto que vestem e das feições endurecidas, o movimento contradiz a solidão em que vivia a mulher junto de seus animais de estimação. Agrega-se a isso, a passagem de uma personagem interpretada por Ingrid Soares, em um vestido preto e carregando uma cadeira de rodas fechada. Talvez seja uma representação da morte que ronda a velha senhora e seu cão, mas, pelas expressões da atriz, sabe-se que há um ponto de vista negativo sobre esse fato. Em termos dramatúrgicos, o personagem interpretado por Marcelo Mattos perde a oportunidade de ser um contraponto crítico (a la “Che” no musical “Evita”) ou um apoio narrativo ( se estivesse interpretando o cachorro). Também sem função definida, o personagem parece existir para “explicar” os acontecimentos, ou seja, superficializar a poesia. Por fim, a criação de um conflito, a espera da mãe pelo filho, denuncia um cansaço em simplesmente descrever e uma vontade de narrar. Dessa forma, de uma ponta a outra, “Morada dos Ossos” não se estrutura como um todo pela sua articulação, mas pela simples justaposição de elementos obscuros em uma apresentação que começa e termina. 

É positivo o trabalho de interpretação de Paulo de Oliveira Vieira (Sra. Marinho), mantendo de forma linear e quase atonal as suas falas. A opção expressa plasticamente o desvio do tempo, a tragédia da espera por um dia que talvez nunca chegue. São fortes as figuras de Marcelo Mattos e de Luli Burdman, com frases bem postas e visível energia em cena. É interessante também a força do desenho de iluminação de Cesar Germano. 

O melhor de “Morada dos Ossos” é a direção musical de George da Paixão. Tanto pela escolha da trilha sonora, como pela execução ao vivo das canções como na afinação do grupo de atores-cantores, o resultado é extremamente positivo. Além disso, fica o mérito de ter trazido de volta à pauta o caso acontecido em Sintra há poucos mais de dois anos. De fato, ele não deve ser esquecido. 

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Ficha Técnica
Texto e Direção: Cia Teatral EnsinoemCena

Elenco: Paulo de Oliveira Vieira, Marcelo Mattos, Dai Fiorati, Raphaela Tafuri, Ingrid Soares, Luli Burdman, e Luca Martins.

Direção Musical: George da Paixão.
Cenário: Cia EnsinoemCena
Confecção do cão cênico: Pedro Grapiúna.
Figurinos: Aline Abiad
Iluminação: Cesar Germano.
Programação visual: Thiago Neri.
Produção Executiva: Filippe Neri
Classificação Etária: 16 anos.
Duração: 60 minutos

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