segunda-feira, 29 de abril de 2013

O nó do coração (RJ)

Peça vê o problema das drogas de forma maniqueísta
Foto: divulgação

Superficial

Cafona. Duas filhas. Quando a mais nova tinha seis meses, o pai faleceu, deixando para a mãe a responsabilidade de criar sozinha as duas filhas. Ambas são muito diferentes. A mais velha se tornou advogada e é loira. A outra é apresentadora de programa infantil e é morena. Na primeira cena da peça, a mais nova, que se chama Nina (de Me-Nina, talvez), está cheirando cocaína no jardim da casa da mãe. O conflito é o seguinte: Nina foi demitida da emissora de televisão porque foi pega usando drogas no camarim. Começa aí uma história de drogados: Nina vende objetos da família para sustentar seu vício, se prostitui, some de casa por vários dias, a família se envolve no “salvamento” da parente, e, depois de um tratamento intensivo em uma clínica, sai e se recupera, tornando-se uma pessoa melhor. A filha mais nova usa preto. A filha mais velha, que se chama Ângela, porque, quando nasceu, parecia um anjo, usa branco. A mãe, sempre com uma taça de vinho na mão, não imaginou que coisas como essas poderiam acontecer em famílias nobres como a dela. Essa história, escrita pelo inglês David Eldridge, ao contrário do que parece, não foi criada nos anos 50, mas em 2011. E este melodrama, com direção de Guilherme Leme, que também assina os excelentes “O Matador de Santas” e “Billdog”, é estranhamente levado a sério como desde os tempos de Douglas Sirk ou das novelas mexicanas não se via. Em cartaz no novíssimo e bem vindo Teatro Eva Hertz, na Cinelândia, Rio de Janeiro, “O nó do coração” emociona quem se emociona com sensacionalismo barato ou tem visões bastante superficiais da vida. Eu, que nunca concordei com críticas que analisam a produção em si e não os seus resultados estéticos, cá estou me vendo nessa situação. 

O melodrama, tanto o francês como o americano, se tornou piada na Broadway e em Londres quando o gênero "teatro burlesco" foi criado no fim do século XIX, satirizando as grandes óperas e as operetas burguesas. No Brasil, a versão nacional desse tipo de deboche teve seu auge no fim dos anos 70 e durante os anos 80 com o "teatro do besteirol", passando antes pelo cinema de "chanchada" e pelo "teatro de revista". Uma de suas pérolas atuais é o clássico do teatro brasileiro contemporâneo “A maldição do Vale Negro”, de Caio Fernando Abre e de Luiz Arthur Nunes. A questão é que, há muito tempo, histórias lamuriosas e cheias de maniqueísmos não atendem mais à realidade. Não há mais mocinhos e bandidos na vida real, deus ex machina são soluções risíveis e caminhos óbvios marcam os filmes enlatados norte-americanos e os teledramas da Televisa apenas. Quando a filha drogada aparece sempre de preto e a filha sadia de branco, percebe-se uma visão muito limitada da direção que concorda com o texto. A própria ideia de que “usar drogas é ruim” já foi abandonada pelo ministério da saúde que, atualmente, alerta que o maior problema das drogas é o fato perigoso de que ela é justamente boa. Fosse ruim, seria fácil ficar sem ela. Apresentar uma personagem que foi levada às drogas porque não queria decepcionar a mãe ou que usuários de drogas são demitidos de emissoras de televisão é um argumento tão infantil quanto inóspito de ser defendido seriamente. Não está na orfandade a causa das drogas e muito menos no alcoolismo materno e muitos viciados em drogas usam roupas coloridas e trabalham normalmente inclusive em emissoras de televisão. Ou seja, “O nó do coração” trata o tema de forma simplista, moralista, rasa. 

Entre os valores estéticos, se eles existem, está a boa interpretação de Guida Vianna (Mãe). Falando de um jeito lento, pesado, ela não se emociona (com exceção de uma cena em que o texto assim o pede), mas encara seriamente as dificuldades pelas quais passa a sua personagem. Monique Franco (Nina) e Camila Nhary (Ângela) não conseguem fugir do gênero, construindo suas personagens na base superficial e emocionada como convém. Fernanda Thuram e Daniel Granieri estreiam fracos, sem verossimilhança, apagados, podendo conseguir melhores resultados ao longo da temporada. No conjunto, o grupo atende ao esperado pelo texto e sua encenação, esses últimos os equívocos maiores. 

A cenografia do diretor é adequada quando a cena é realista, isto é, quando o jardim é mesmo o jardim. Quando a cena se passa em outro lugar, o jardim atrapalha e causa mais problemas ainda quando precisa ser alterado pelos próprios atores. Dentro do esquema melodramático, a trilha sonora (mal operada na sessão de estreia) reforça os momentos de maior emoção e conduz o clima obviamente como se espera. 

Numa época em que os problemas sociais e suas tentativas de resolução são vistos do ponto de vista de suas contradições, encontrar uma obra teatral que vê o assunto de forma tão superficial e tola é um desânimo. E uma pena. 


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Ficha Técnica

Autor: David Eldridge
Tradutor: Washington Gonzales
Direção: Guilherme Leme
Co-Direção: Gustavo Rodrigues
Assistente de Direção: Pedro Osório

Elenco:
Guida Vianna (Barbara)
Monique Franco (Nina)
Camila Nhary (Ângela)
Fernanda Thuran (Marina)
Daniel Granieri (traficante, enfermeiro e jornalista)

Figurino: Ana Roque
Iluminação: Thomás Ribas
Trilha Sonora: Marcelo H.
Cenografia: Guilherme Leme
Coordenação de Produção: Daniela Paita
Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa

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