quarta-feira, 24 de abril de 2013

A carpa (RJ)

Ivone Hoffman e Ana Cotrim em "A carpa"
Foto: divulgação

Sobre os laços familiares
“A carpa” é um espetáculo bastante simples e que tem como maior mérito o fato de usar dessa simplicidade para tocar o coração. No palco, mãe e filha judias se confrontam, carregando em si a base familiar em choque com os desejos para o futuro. Independente de cultura, religião ou de época, a ascendência de alguém mais velho e sua influência na construção de nossa personalidade unem diferentes seres humanos ao redor do tempo. Nesse sentido, a peça em cartaz no especial Teatro Dulcina, na Cinelândia, Rio de Janeiro, aproxima a plateia que se reconhece facilmente na narrativa cênica. Dirigida por Ary Coslov, a peça estreou em 2010, depois que o texto de Denise Crispun e de Melanie Dimantas foi premiado pela Funarte. Agora, o projeto abre a ocupação “Dulcina Abre o Pano” da Belazarte Realizações Artísticas em parceria com a Realejo Produções. 

Ivone Hoffman e Anna Cotrim dividem os personagens de Mãe e de Filha na ação que se passa na Europa antes da segunda grande guerra e no Brasil décadas depois. Nos dois momentos, o encontro se dá às vésperas da celebração de Pessach, a páscoa judaica, que marca a passagem da escravidão do povo hebreu no Egito à sua libertação além do Mar Vermelho. Uma receita especial de bolinho de peixe, o Guefiltefish, é feita com carne de carpa moída. O gesto se torna, nesse contexto, metáfora para a tradição, essa capaz de driblar o tempo e as gerações, de Moisés até agora. As idiossincrasias dos personagens são capazes de remeter às características daqueles que nos são caros e, com ternura, “A carpa” atinge o seu objetivo graciosamente. 

Ivone Hoffman, que interpreta as mães, executa bem a tarefa de estereotipar suas personagens de forma, não tanto superficial, mas mais capaz de fazê-las indentificáveis com o imaginário da recepção. Anna Cotrim, por sua vez, movimenta bem, nos dois momentos, a geração do conflito que moverá a narrativa. Em nenhum ponto, os trabalhos de interpretação permitem que o ritmo caia ou que o quadro se torne melodramático, o que é um risco a enfrentar em cada apresentação. Felizmente, com mão firme, Coslov vence o desafio. 

Os outros elementos da encenação, como o cenário de Marcos Flaksman, os figurinos de Kalma Murtinho, a iluminação de Aurélio de Simoni e a trilha sonora de Coslov, agem segundo lhes cabe numa peça realista: com vistas a desaparecer. Bem articulados, todos os elementos apontam para a história que está sendo narrada, sem chamar a atenção, desconcentrar ou criar dúvidas. São, por isso, tanto o uso especial de cada elemento como a forma como estão engendrados com o todo, bastante positivos. 

Numa época em que se discute novos conceitos de família, “A carpa” trata sobre a união de laços familiares em contextos de separação. O que parece contraditório marca justamente o seu principal valor: os laços familiares vão além do tempo, da distância, do sangue ou da condição. Dizem respeito aos detalhes que dão a ver nossa identidade, o que nós mostramos para o mundo acerca de nós mesmos.  É, portanto, um espetáculo com valores artísticos e sociais que deve ser visto por causa de ambos.

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Ficha técnica:
Texto: Denise Crispun e Melanie Dimantas
Direção: Ary Coslov
Atrizes: Ivone Hoffman e Anna Cotrim
Cenário:Marcos Flaksman
Figurino: Kalma Murtinho
Iluminação: Aurélio de Simoni
Trilha sonora: Ary Coslov
Direção de movimento: Esther Weitzman
Direção de produção: Celso Lemos

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