quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O Livro dos Itens do Paciente Estevão (RJ)


Foto: divulgação

Literatura no palco da Sutil Companhia

            O novo espetáculo da Sutil Companhia é bom e vale a pena ser visto porque tem bons atores em belíssimas interpretações. A dramaturgia, escrita sobre a obra “The Subject Steve”, de Sam Lipsyte, embora evidencie partir de uma ótima literatura, não sustenta a contento um espetáculo de 4h30min. Falta teatro em “O Livro dos Itens do Paciente Estevão”. Dirigida por Felipe Hirsch, a peça oferece uma retórica bastante interessante, com muito para ser contemplado e bastante para ser ouvido, mas há pouco para se ver. Pouco, claro, para o tempo total da duração, que, aliás, não é um tempo assustador, considerando o cenário atual em que, com certa frequência, se assiste a excelentes espetáculos de 8h ou 6h e, em mesma medida, se cochila em produções de 80min.
            Estão apenas nos diálogos de “O Livro dos Itens do Paciente Estevão” todas as metáforas, todos os sentidos outros, quase toda a riqueza estética da produção. Com movimentos ricos, quebras de eixo, vários níveis de velocidade e abrangência semântica, a retórica da dramaturgia garante boa parte dos muitos méritos. O tema, uma doença que surge como resposta ao vazio existencial, ao tédio e ao desenraizamento do homem contemporâneo, é extremamente pertinente a uma plateia que convive com o medo, o desapego e se sente obrigada a ser feliz. Estevão, que não se chama Estevão, vai na contracorrente da autoajuda, passa pelo cume de uma montanha e é plantado no chão, mas sobrevive determinado a não sair do círculo. De forma despreconceituosa e forte, a história contada em cena proporciona uma excelente reflexão, apesar dos signos teatrais não terem sido bem utilizados no ato cênico-narrativo, como o foram os signos literários. A peça não emociona, não “pega”, não tem carisma, permanecendo distante e fria em função do alargamento do ritmo em boa parte do tempo. Há um acúmulo de cenas “paradas”, com atores sentados, conversando, apenas ilustrando com o corpo e a voz o que prevê os diálogos e o bom texto de Lipsyte. Momentos em que a história “embarriga”, como o caso do Ministro da Agricultura e o seu amor por filhotes ou a história do Guarda e da tigresa, se sucedem constantemente. O que faria o leitor se afeiçoar ao personagem literário, no teatro, cansa o público ávido por ver e não só ouvir.
            Não fossem as excelentes interpretações, “O Livro dos Itens do Paciente Estevão” seria um espetáculo tedioso. Com vibrante destaque para Georgette Fadel, a produção oferece ainda grandes trabalhos de Danilo Grangheia e de Guilherme Weber, com ainda boas participações de Isabel Teixeira, Márcio Vito e Maureen Miranda. O jogo é cheio de contornos, de nuances e de pequenos detalhes no olhar, nas pausas e no movimento com as mãos que driblam o tempo habilmente, prendendo a atenção positivamente. Leonardo Medeiros, que interpreta o protagonista Estevão, com excelência, constrói e dá a ver o seu personagem cheio de emoção e visível determinação, constituindo o herói que se espera pela fácil identificação.
O cenário de Daniela Thomas e Felipe Hirsch providencia um lugar apertado para os atores se movimentarem, mas um ambiente que auxilia o espectador a se concentrar no texto. Há poucas cores e poucas modificações, o que direciona a atenção para os diálogos e não para a ação, essa rara como já se disse. O mesmo se diz, elogiando a coerência estética, dos figurinos de Cassio Brasil, que tem destaque nas prostitutas e nos personagens do Centro de Reabilitação de Almas, da iluminação de Beto Bruel, essa bastante próxima dos atores, e da trilha sonora de Hirsch que, um dos melhores elementos da peça, dá ares de epicidade para a longa narrativa cujo herói é Estevão.
Aceitar a morte, como aceitar a vida, é, quem diria, uma das marcas do homem contemporâneo. Fugir de idealismos, afastando-se da felicidade como meio de espantar a depressão, ou encontrar-se no vazio e, vendo-se nele, descobri-lo preenchido, pode ser uma das reflexões que espetáculo valoroso, apesar de difícil, pode trazer para quem o for lhe assistir. Em se tratando da Sutil Companhia, esse um dever.
*
Ficha técnica:
Direção Geral: Felipe Hirsch
Cenografia: Daniela Thomas e Felipe Hirsch
Iluminação: Beto Bruel
Figurinos: Cassio Brasil
Trilha Sonora: Felipe Hirsch
Concepção Visual das Personagens e Design Gráfico: Rafael Grampá

Elenco:
 Danilo Grangheia
Georgette Fadel 
Guilherme Weber
Isabel Teixeira
Leonardo Medeiros
Márcio Vito
Maureen Miranda
Pedro Inoue

           

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