foto: divulgação
Sem medo de encarar o homem
“Inglaterra
– versão brasileira” é tão avassalador quanto simples. Dividido em duas partes,
o texto de Tim Crouch, inédito no Brasil, oferece dois tipos de diferentes de
fruição: uma difícil e a outra fácil, ambas bastante interessantes. Excelentes
em suas interpretações, Pedro Brício e Maíra Gerstner são dirigidos por Bel
Garcia de forma a apresentar uma narrativa que se mostra aos poucos,
superficialmente nos momentos iniciais, corajosa nos finais, sempre honesta e,
sobretudo, densa. Eis aí uma produção para pequenas plateias, porque acontece
numa Galeria de Arte (agora no Centro Cultural da Justiça Federal – Cinelândia),
mas para público de grande sensibilidade.
Nas
duas cenas, temos os mesmos personagens, afinal, a segunda parte é a continuação
da primeira. Ocorre que, como, no início, o público se movimenta pelas
galerias, passeia pelos quadros, se envolve com a movimentação constante do
elenco, algumas informações são difíceis de serem captadas. A dificuldade aqui,
(de fato, não há teses prontas) é positiva. Os personagens de Brício e de
Gerstner oferecem indícios de que o pântano é mais profundo do que parece ser e
é preciso ter cuidado. No segundo momento, de forma aberta, a situação está
exposta e não restam dúvidas do tipo de relação que está sendo estabelecida na
cena. Cabe ao espectador mergulhar no contexto e enfrentar essa história. Ficam
as perguntas: em que lugar do corpo do humano está verdadeiramente a vida? Em
que lugar de mim mesmo eu estou verdadeiramente?
Três
personagens: quem fala (Brício), quem traduz o dito para o idioma do ouvinte
(Gerstner) e o interlocutor. Embora a sinopse indique que estamos numa galeria
de arte, é possível pensar que o local é simplesmente qualquer um desde que
seja onde o personagem de Brício traga um pouco de sua vida para quem o recebe.
Ele fala de si, expõe-se em detalhes, ilustra elementos como se fizesse força
para destacar a sua especialidade, a sua individual e originalidade. Brício é
sensível em dizer, em olhar, em dar vida para a figura. O personagem de
Gerstner traduz, e o segredo de seu trabalho está em filtrar o dito com uma
dose de neutralidade sutil no início e mais clara no fim que se mostra bastante
positiva. Pelos contornos de cada nuance, a direção de Garcia faz evoluir a
história e marca, bem aos poucos, sólidas estruturas cênico-narrativas.
Com
elementos muito simples, o tema árido do transplante de órgãos é tratado pelo
viés da vida que fica em oposição às duas vidas que poderiam ter ido. A relação
internacional, o valor do dinheiro nesse processo, as tensões entre as famílias
são elementos da textura que cobre o ser humano vivo em cujo peito bate um
coração. “Inglaterra – versão brasileira” não se propõe a outra coisa se não
apresentar o homem e é esse o seu principal valor.
*
FICHA TÉCNICA:
Texto: Tim Crouch
Direção e Tradução: Bel Garcia
Elenco: Maíra Gerstner e Pedro
Brício
Assistente de direção: Raquel
André
Direção de movimento: Cristina
Moura
Textura sonora: Felipe Storino
Luz: Claudio Tammela
Figurino: Marcelo Olinto
Costureira: Nice Santos Silva
Produção: Tárik Puggina – Nevaxca
Produções
Assistente de produção: Gabriel
Salabert
Realização: Projéteis –
Cooperativa Carioca de Empreendedores Culturais
Assessoria de Imprensa: Daniella
Cavalcanti
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