A vingança do Éden: uma montagem sensível de Nelson Rodrigues
O grupo Os dezequilibrados apresenta uma montagem de “A Serpente” bastante sensível e, talvez, esse seja o seu maior mérito. No ano em que se celebra Nelson Rodrigues, o país infla de tantas montagens dos seus textos, na maioria das vezes, fazendo uma merecida homenagem a um dos nossos maiores dramaturgos. “A Serpente”, dirigido por Ivan Sugahara, é felizmente um desses casos. Vale a pena conferir, quando novamente possível, o esforço vitorioso do grupo em fugir do realismo naturalismo e encarar a trama melodramática com verdade, força e, como já dito, delicadeza. Com excelentes interpretações, as palavras rodrigueanas ganharam, nessa versão, um impulso que só o bom teatro pode dar: cor. Sem qualquer peso externo, são nos corpos dos atores que a história se realiza.
Carolina Ferman (Lígia) e Ângela Câmara (Guida) estão completamente entregues às personagens. São irmãs que casaram no mesmo dia e vivem com seus maridos no mesmo apartamento, uma parede separando os dois quartos. Tudo o que uma faz no quarto é ouvido pela outra. Seis meses depois, Décio (Saulo Rodrigues), o marido de Lígia, vai embora e descobre-se, então, que ela permanece tão virgem como sempre fora. Guida oferece, para salvar a irmã da morte iminente, uma noite com Paulo (José Karini), seu marido. Lígia prova da maçã e, metaforicamente, tem agora o poder da vida e da morte. Vingando o Éden, Nelson Rodrigues não expulsa Adão e Eva. O desfecho é outro, mais original e, talvez, mais pecaminoso e, por isso, mais humano.
Sugahara faz uso da humanidade do texto ao dirigir os quatro atores de forma a fazê-los fincar as palavras com extrema verdade no palco do Teatro Nelson Rodrigues. As intenções estão na medida: fortes e sutis, realçadas e desprezadas, sinuosas e diretas, tanto nos personagens menores, como Décio e Paulo, como nas protagonistas Lígia e Guida. A movimentação é vibrante, o jogo é rápido, o ritmo não cai, mas evolui crescente e positivamente. É um prazer assistir a uma encenação que se mostra ainda mais potente a cada novo quadro.
Os elementos visuais têm discreto destaque, pela forma sutil com quem contribuem para a obra. Desirée Bastos situa a cena em um gramado que faz dupla com os figurinos em tons bege e vermelho em uma ótima relação possível com o paraíso bíblico. Renato Machado e o diretor, que assinam a iluminação e a trilha sonora, fazem, por sua vez, evoluir a encenação com verticalidade, aprofundando as emoções com seriedade e equilíbrio.
Último texto de Nelson Rodrigues, a peça foi encenada pela primeira vez no mesmo teatro, em 1980, então chamado de Teatro do BNH. Com a morte do autor no mesmo ano, o teatro mudou de nome, passando a homenagear o dramaturgo. Para homenagear o centenário do dramaturgo, além da peça, foi concebido o evento comemorativo “Expulsão do Paraíso: A Serpente, de Nelson Rodrigues”, que compreendeu, além da nova encenação de “A Serpente”, uma exposição com curadoria de Angela Reis e um debate com o elenco e o diretor da montagem original (Marcos Flaksman, Xuxa Lopes, Sura Berditchevsky e Carlos Gregório).
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Ficha Técnica:
Texto: Nelson Rodrigues
Direção: Ivan Sugahara
Elenco: Ângela Câmara, Carolina Ferman, José Karini e Saulo Rodrigues
Cenário e Figurino: Desirée Bastos
Iluminação: Renato Machado
Trilha Sonora: Ivan Sugahara
Assistência de Direção: Carol Garcia
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Programação Visual: Luciano Cian
Fotografia: Dalton Valério
Direção de Produção: Tárik Puggina
Produção Executiva: Aline Mohamed
Assistência de Direção de Produção: Carla de Torrez
Administração Financeira: Amanda Cezarina
Realização: Nevaxca Produções e Os dezequilibrados
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