Foto: divulgação
Tesouro escondido
O texto de “O Belo Indiferente” foi escrito por Jean Cocteau (1889-1963) para Edith Piaf (1915-1963). A personagem principal é uma cantora de cabaret que espera por seu homem sozinha na sua casa. As horas passam, a insegurança aumenta, a loucura aparece. O homem chega e não diz uma só palavra, indiferente à verborragia da mulher. Eis o que deveria ser apenas o início da peça na montagem paulista que desembarca agora no Teatro Ipanema. Dirigido por André Guerreiro Lopes e Helena Ignez, o espetáculo protagonizado por Djin Sganzerla é um monótono repetir da cena situação inicial. Apesar de belas imagens, sobretudo pelo excelente desenho de luz de Marcelo Lazzaratto com projeções do diretor, a fruição é bastante cansativa pelo excesso de linearidade.
Sganzerla não usa bem os diversos recursos que parece ter. Nos primeiros quinze minutos de encenação, tem-se a impressão de que todo o repertório vocal, o que inclui os níveis de voz, e gestual, o que inclui a movimentação pelo espaço cênico e uso da face, já foram usados. Não há pausas, não há tensões, não há desníveis. O ápice acontece antes do homem chegar e se prolonga linearmente por todo o resto da narrativa em um exagero de expressividade. O texto de Cocteau paira monocórdio e sem vida infelizmente.
O figurino delicado de Simone Maia é sensível como é a personagem. Quanto ao cenário, de Maia também, a mesma relação não se evidencia. Enquanto luzes florescentes iluminam a cena colorida em verde e em vermelho, uma cama de madeira bruta confunde pobreza com falta de estilo. As pedras no lugar do colchão, que vemos através do espelho redondo em cima, são opções bastante interessantes, porque oferecem sentidos outros para a situação. Em contrapartida, a poltrona ao lado do telefone deixa inverossímil uma das cenas em que o Homem (Dirceu de Carvalho) dorme apesar do barulho agudo do toque.
O ponto alto da peça “O Belo Indiferente”, além do texto de Cocteau, é a instalação sonora de Gregory Slivar, que se espalha pela cena, incluindo o espectador dentro do universo da personagem. O resultado final evidencia um trabalho minucioso de pesquisa de sons que, enfim, auxiliam na construção de um ambiente torto, invertido, assustador.
Na dramaturgia, uma mulher à beira do abismo, buscando, tateando, perambulando dentro de si mesma atrás do autocontrole. Em sua frente, um homem indiferente, talvez fora do controle também, mas que assiste ao espetáculo dela com descrença. O equilíbrio, que não está nem nele e tampouco nela é a mina do tesouro de Cocteau. Uma preciosidade que, nesta montagem, segue escondida.
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FICHA TÉCNICA
Texto: Jean Cocteau | Elenco: Djin Sganzerla e Dirceu de Carvalho | Direção: André Guerreiro Lopes e Helena Ignez | Cenografia e Figurinos: Simone Mina | Iluminação: Marcelo Lazzaratto | Concepção Sonora: Gregory Slivar | Videoinstalação: André Guerreiro Lopes | Preparação Vocal: Eliete Negreiros | Fotos: André Guerreiro Lopes | Assessoria de Imprensa: Ney Motta | Produção-Rio: Aline Carrocino e Igor Veloso | Assistência de Produção-Rio: Ana Luisa Leite | Direção de Produção: Djin Sganzerla | Empresa Produtora: Mercúrio Produções e Estúdio Lusco-fusco Ltda
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