Foto: Creative / PMPA
O homem constrangido diante do homem
“Ato de Comunhão”
é baseado na história real de Armin Meiwes. Na Alemanha, em 2001, ele conheceu
pela internet Bernd Brandes, colocando um anúncio na internet em um site ligado
à antropofagia. 470 pessoas se inscreveram para conhecer Meiewes, mas ele
escolheu Brandes, deixando os outros decepcionados. Brandes queria ser comido
e, por isso, foi até a casa de Meiwes. Lá, o anfitrião tirou o seu pênis e os
dois comeram a carne frita, tendo os dois combinado antes que tudo isso seria
feito. Depois, Meiwes matou Brandes, aliviando a sua dor. O corpo foi cortado e
congelado e serviu de alimento para Meiwes durante meses até que ele foi
descoberto pela polícia e preso. Em 2006, ele foi condenado à prisão perpétua. Dirigido
e interpretado por Gilberto Gawronski (codirigido por Warley Goulart), não é
apenas essa história que o espectador vai ver em cena do palco do Centro
Cultural do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. A partir do texto do
jovem dramaturgo argentino Lautaro Vilo, há muito mais para ser contado nessa
história de horror contemporâneo. Os personagens, antes de tudo, são humanos.
Vilo divide o
texto em cinco partes: a) o aniversário de 8 anos do Meiwes, em que ele perdeu
num jogo de autorama; b) o velório e enterro da mãe, em que ele se viu diante
da frieza da morte; c) a vida de horas e horas na internet; d) o momento com
Brandes e e) os depoimentos à imprensa. As estruturas dramáticas que dão força
para todos esses momentos devem ser encaradas pela audiência como cercas que
prendem o personagem nesse universo, tornando-o, talvez, vítima do meio em que
vive. É nesse contexto dramatúrgico de realismo naturalismo que nasce a
humanidade de Meiwes, sem a qual “Ato de Comunhão” pareceria um mero
documentário de canibalismo. Mesmo que não o fizemos, é porque temos
instrumentos suficientes para acreditar que o protagonista não é louco que o
vemos como próximo de nós, que o vemos a partir da sua complexidade de homem
só. Gawronski ouve e diz o texto com calma, com serenidade, com uma certa ironia,
mas não com frieza. As pausas sufocam o público que assiste àquela realidade
sem meios para julgar totalmente nem Meiwes, nem Brandes. Um pediu para ser
morto e comido. O outro escolheu um entre 470 candidatos que se inscreveram
livremente. A moral, que nos pode pôr até ao lado de quem condenou Meiwes à prisão
perpétua, está do lado de fora do palco, do lado de fora da cena, em quem
assiste. Ao público, cabe a contemplação que revira o estômago e constrange o
homem diante do homem em uma de suas facetas mais terríveis.
O cenário é
simples e eficaz na construção do sentido. Um espelho, um cabide, uma cadeira
de barbeiro. Há liberdade para a movimentação, há signos potentes, lugares
cênicos interessantes. A iluminação de Vilmar Olos é decisiva no aproveitamento
do espaço e nas opções cenográficas. As projeções de Jorge Neto são usadas em
momentos especiais, oferecendo beleza e ar para essa situação cáustica. Com
tradução de Amir Harif, o texto é, sem dúvida, uma beleza a ser destacada.
“Ato de Comunhão”
estreou no Porto Alegre em Cena de 2010 e foi eleito pelos críticos de O Globo
como uma das 10 melhores peças de 2011. Recebeu indicação ao Prêmio Shell 2011
de Melhor Ator e ao Prêmio Arte Qualidade Brasil na mesma categoria. Recebeu
também a indicação ao Prêmio Questão de Crítica de Melhor Direção.
Merecidamente, um grande espetáculo.
*
Ficha técnica:
De: Lautaro Vilo
Tradução: Amir Harif
Direção e atuação: Gilberto Gawronski
Codireção: Warley Goulart
Iluminação: Vilmar Olos
Vídeos: Jorge Neto
Produção: Wagner Uchoa.
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