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Foto: divulgação
Alana Alberg e Bruce Gomlevsky |
Bruce Gomlevsky em uma das melhores interpretações do ano
Na plateia de “Uma Ilíada”, o espectador sabe desde sempre que está diante de um espetáculo teatral da melhor qualidade. O monólogo dirigido e interpretado brilhantemente por Bruce Gomlevsky parte de um corte proposto pelos americanos Lisa Peterson e Denis O’Hare em 2012 a partir da tradução de Robert Fagles do poema épico “Ilíada”, atribuído a Homero (760 – 710 a.C.). A versão que está em cartaz no Rio de Janeiro, até a próxima segunda-feira, dia 21 de dezembro, tem tradução e adaptação assinada por Geraldo Carneiro. Trata-se de um dos melhores trabalhos de interpretação do ano, um espetáculo tocante cuja beleza enaltece a programação de teatro carioca nesse fim de 2015. Sob todos os aspectos, vale a pena ser visto e, por isso, precisa de temporadas ainda mais longas.
Ilíada: o mais antigo texto literário do ocidente
“Ilíada”, o mais antigo texto literário do ocidente, é um poema épico dividido em 24 cantos escrito principalmente em um dialeto jônico artificial (que talvez nunca tenha sido falado). Os 15.693 versos foram escritos na estrutura hexâmetro dactílico (cada linha é composta por seis “ondas”, ou pés, em que, nos primeiros cinco, a primeira sílaba longa é seguida por duas breves, e a última é formada por uma longa e uma breve ou duas longas), a métrica preferida pelos poetas gregos. No texto bastante elogiado por Aristóteles trezentos anos depois, Homero (ou quem quer que tenha posto a poesia no papel) narra fatos acontecidos quinhentos anos antes envolvendo ficção e realidade.
A antiga cidade de Troia ficava onde hoje é o noroeste da Turquia (as ruínas ainda estão lá). O lugar, divisa entre a Europa e a Ásia, era parada obrigatória para os navios mercantes que levavam produtos de um lado a outro. Isso fazia da cidade um local de grande movimentação financeira e do Rei Príamo, governador na época da guerra (entre 1.250 e 1.200 a.C.), um homem muito poderoso e capaz de despertar a inveja de vários de seus vizinhos. Troia, em grego, era chamada de Ilion, daí que o título “Ilíada” significa “Sobre Troia”.
“Ilíada” compreende 51 dias no nono e último ano da Guerra de Troia. Na narrativa de Homero, a história começa quando Agamenon, rei da cidade grega Micenas se nega a devolver a cativa Criseida ao seu pai, o sacerdote Crises, e, por causa disso, o deus Apolo pune o exército grego na sua batalha contra Troia. Aquiles, o principal herói grego, discute com Agamenon por causa disso e esse, como vingança, devolve Criseida, mas toma de Aquiles sua escrava Briseida. Em retaliação, Aquiles abandona a guerra, o que dá ao exército liderado por Agamenon ainda piores problemas.
Relações entre o texto do monólogo e o original
A peça “Uma Ilíada” essencialmente começa no canto XVI de “Ilíada”. Munido com as armas de seu melhor amigo (ou amante?) Aquiles, Pátroclo vai à guerra e é morto pelo príncipe troiano Heitor. Tal como faz Homero, os autores americanos Peterson e O’Hare, mas também o brasileiro Geraldo Carneiro, se aproveitam desse momento para situar o leitor/espectador sobre os antecedentes do conflito. Dez anos antes, o irmão de Heitor, o príncipe Páris, havia raptado (?) Helena, tomando-a como amante. Ela era esposa de Menelau, Rei de Esparta, irmão de Agamenon. Sua partida foi o estopim para a união de todos os reinos do entorno contra a rica Troia. A morte de Pátroclo por Heitor, que toma do morto a armadura que pertencia a Aquiles, faz esse retornar à batalha.
“Uma Ilíada” apresenta quase integralmente, apesar da linguagem, os últimos três cantos do original homérico. Na versão americana do monólogo, o narrador é um professor de literatura universal que, alcoolizado, apresenta a seus alunos a luta entre Aquiles e Heitor. Ele sugere, a partir daí, a relação entre a guerra descrita por Homero e as muitas guerras sangrentas que devastaram a civilização humana ao longo dos últimos 32 séculos. A versão brasileira, de modo diferente, mas talvez ainda mais interessante, coloca o texto em lugar mais solene, com melhores apontes ao aspecto ritual sem que o diálogo jamais se distancie do público.
Ainda no plano das diferenças entre o texto literário e o texto da peça, vale dizer que, no primeiro, a maior parte dos versos são falas dos personagens. Ou seja, o narrador tem lugar menor na narrativa homérica. Dentre as várias consequências disso, está o fato de que, embora haja um certo privilégio ao protagonismo de Aquiles, grego como Homero, o texto dispensa um tom moralizante que pudesse pender para um lado em detrimento do outro. Se hoje “Ilíada” e “Odisseia” são textos meramente literários, na antiguidade, ambos eram obras de consulta sobre todos os aspectos: morais, religiosos, políticos. Em “Uma Ilíada”, Aquiles e Heitor são protagonistas, mas o narrador, muito mais participativo nessa narrativa do que na de Homero, tem lugar mais destacado.
Uma das melhores interpretações de 2015
O melhor do espetáculo “Uma Ilíada” é o modo como Bruce Gomlevsky torna significativo o contexto descrito por Homero no século VIII a. C..Todo o conjunto de regras e de valores, a forma como o plano dos heróis e o dos deuses se relacionam, o tom trágico através do qual se preserva o livre arbítrio, mas se reconhece o destino como brinquedo divino: tudo isso chega ao público carioca com força bastante que é capaz de oferecer respostas às questões contemporâneas. Gomlevsky emociona e chama ao pensamento, envolvendo o espectador em uma viagem que une sentimento e reflexão.
O texto é dito com clareza, o tom mantém o diálogo com o público fluente sem dispensar a solenidade, os quadros evoluem trazendo força para a fruição seguir adiante. O desafio é enorme, mas os méritos vão se mostrando cada vez maiores ao longo da encenação. A cena final, um dos momentos mais bonitos do ano carioca, é um quadro que concentra em si a vasta potencialidade significativa de toda a estrutura do espetáculo.
A trilha sonora de Mauro Berman é interpretada ao vivo pela contrabaixista Alana Alberg. Como aconteceu na Broadway, ela é a musa a quem o narrador da obra se dirige e que simboliza o interlocutor no monólogo que se dá a ver em cena. Através da manutenção desse aspecto, o discurso, permanecendo belo, fica ainda fluente.
O desenho de luz de Elisa Tandeta, alargando as possibilidades do palco com vitalidade, dá movimento à narrativa e ajuda a apresentar quadros de vasta beleza. O narrador interpretado por Gomlewsky sustenta a sua presença contra a escuridão, unindo um passado distante e remoto, mas que continua sendo essencial para entender o presente. Nesse sentido, também colabora o figurino de Carol Lobato através do uso do vermelho, mas principalmente pela utilização dos rasgos vestimenta.
“Uma Ilíada” é um espetáculo de primeira grandeza, que parte da alta literatura e chega a alto teatro. E faz do público uma plateia melhor. Aplausos efusivos!
Ilíada: o mais antigo texto literário do ocidente
“Ilíada”, o mais antigo texto literário do ocidente, é um poema épico dividido em 24 cantos escrito principalmente em um dialeto jônico artificial (que talvez nunca tenha sido falado). Os 15.693 versos foram escritos na estrutura hexâmetro dactílico (cada linha é composta por seis “ondas”, ou pés, em que, nos primeiros cinco, a primeira sílaba longa é seguida por duas breves, e a última é formada por uma longa e uma breve ou duas longas), a métrica preferida pelos poetas gregos. No texto bastante elogiado por Aristóteles trezentos anos depois, Homero (ou quem quer que tenha posto a poesia no papel) narra fatos acontecidos quinhentos anos antes envolvendo ficção e realidade.
A antiga cidade de Troia ficava onde hoje é o noroeste da Turquia (as ruínas ainda estão lá). O lugar, divisa entre a Europa e a Ásia, era parada obrigatória para os navios mercantes que levavam produtos de um lado a outro. Isso fazia da cidade um local de grande movimentação financeira e do Rei Príamo, governador na época da guerra (entre 1.250 e 1.200 a.C.), um homem muito poderoso e capaz de despertar a inveja de vários de seus vizinhos. Troia, em grego, era chamada de Ilion, daí que o título “Ilíada” significa “Sobre Troia”.
“Ilíada” compreende 51 dias no nono e último ano da Guerra de Troia. Na narrativa de Homero, a história começa quando Agamenon, rei da cidade grega Micenas se nega a devolver a cativa Criseida ao seu pai, o sacerdote Crises, e, por causa disso, o deus Apolo pune o exército grego na sua batalha contra Troia. Aquiles, o principal herói grego, discute com Agamenon por causa disso e esse, como vingança, devolve Criseida, mas toma de Aquiles sua escrava Briseida. Em retaliação, Aquiles abandona a guerra, o que dá ao exército liderado por Agamenon ainda piores problemas.
Relações entre o texto do monólogo e o original
A peça “Uma Ilíada” essencialmente começa no canto XVI de “Ilíada”. Munido com as armas de seu melhor amigo (ou amante?) Aquiles, Pátroclo vai à guerra e é morto pelo príncipe troiano Heitor. Tal como faz Homero, os autores americanos Peterson e O’Hare, mas também o brasileiro Geraldo Carneiro, se aproveitam desse momento para situar o leitor/espectador sobre os antecedentes do conflito. Dez anos antes, o irmão de Heitor, o príncipe Páris, havia raptado (?) Helena, tomando-a como amante. Ela era esposa de Menelau, Rei de Esparta, irmão de Agamenon. Sua partida foi o estopim para a união de todos os reinos do entorno contra a rica Troia. A morte de Pátroclo por Heitor, que toma do morto a armadura que pertencia a Aquiles, faz esse retornar à batalha.
“Uma Ilíada” apresenta quase integralmente, apesar da linguagem, os últimos três cantos do original homérico. Na versão americana do monólogo, o narrador é um professor de literatura universal que, alcoolizado, apresenta a seus alunos a luta entre Aquiles e Heitor. Ele sugere, a partir daí, a relação entre a guerra descrita por Homero e as muitas guerras sangrentas que devastaram a civilização humana ao longo dos últimos 32 séculos. A versão brasileira, de modo diferente, mas talvez ainda mais interessante, coloca o texto em lugar mais solene, com melhores apontes ao aspecto ritual sem que o diálogo jamais se distancie do público.
Ainda no plano das diferenças entre o texto literário e o texto da peça, vale dizer que, no primeiro, a maior parte dos versos são falas dos personagens. Ou seja, o narrador tem lugar menor na narrativa homérica. Dentre as várias consequências disso, está o fato de que, embora haja um certo privilégio ao protagonismo de Aquiles, grego como Homero, o texto dispensa um tom moralizante que pudesse pender para um lado em detrimento do outro. Se hoje “Ilíada” e “Odisseia” são textos meramente literários, na antiguidade, ambos eram obras de consulta sobre todos os aspectos: morais, religiosos, políticos. Em “Uma Ilíada”, Aquiles e Heitor são protagonistas, mas o narrador, muito mais participativo nessa narrativa do que na de Homero, tem lugar mais destacado.
Uma das melhores interpretações de 2015
O melhor do espetáculo “Uma Ilíada” é o modo como Bruce Gomlevsky torna significativo o contexto descrito por Homero no século VIII a. C..Todo o conjunto de regras e de valores, a forma como o plano dos heróis e o dos deuses se relacionam, o tom trágico através do qual se preserva o livre arbítrio, mas se reconhece o destino como brinquedo divino: tudo isso chega ao público carioca com força bastante que é capaz de oferecer respostas às questões contemporâneas. Gomlevsky emociona e chama ao pensamento, envolvendo o espectador em uma viagem que une sentimento e reflexão.
O texto é dito com clareza, o tom mantém o diálogo com o público fluente sem dispensar a solenidade, os quadros evoluem trazendo força para a fruição seguir adiante. O desafio é enorme, mas os méritos vão se mostrando cada vez maiores ao longo da encenação. A cena final, um dos momentos mais bonitos do ano carioca, é um quadro que concentra em si a vasta potencialidade significativa de toda a estrutura do espetáculo.
A trilha sonora de Mauro Berman é interpretada ao vivo pela contrabaixista Alana Alberg. Como aconteceu na Broadway, ela é a musa a quem o narrador da obra se dirige e que simboliza o interlocutor no monólogo que se dá a ver em cena. Através da manutenção desse aspecto, o discurso, permanecendo belo, fica ainda fluente.
O desenho de luz de Elisa Tandeta, alargando as possibilidades do palco com vitalidade, dá movimento à narrativa e ajuda a apresentar quadros de vasta beleza. O narrador interpretado por Gomlewsky sustenta a sua presença contra a escuridão, unindo um passado distante e remoto, mas que continua sendo essencial para entender o presente. Nesse sentido, também colabora o figurino de Carol Lobato através do uso do vermelho, mas principalmente pela utilização dos rasgos vestimenta.
“Uma Ilíada” é um espetáculo de primeira grandeza, que parte da alta literatura e chega a alto teatro. E faz do público uma plateia melhor. Aplausos efusivos!
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Ficha técnica:
Texto: Lisa Peterson e Denis O”Hare
Tradução: Geraldo Carneiro
Direção, Cenário e Interpretação: Bruce Gomlevsky
Contrabaixo acústico: Alana Alberg
Assistente de direção: Lorena Sá Ribeiro
Direção de movimento: Daniella Visco
Iluminação: Elisa Tandeta
Operador de Luz: Rodrigo Miranda
Figurino: Carol Lobato
Fotos: Dalton Valério
Efeito especial: Derô Martin
Trilha sonora original: Mauro Berman
Arte e identidade visual: Maurício Grecco
Projeto Gráfico: Thiago Ristow
Assessoria de imprensa: João Pontes e Stella Stephany
Direção de Produção: Carlos Grun / Bem legal produções
Idealização e Realização: Bruce Gomlevsky / BG ArtEntretenimento LTDA