terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Marco zero (RJ)

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Foto: divulgação

Letícia Isnard e Tárik Puggina


A excelência de Letícia Isnard


“Marco zero” (“The mercy seat”) é o mais novo espetáculo dirigido por Ivan Sugahara. Escrito pelo americano Neil LaBute, o texto foi dirigido pelo autor no fim do ano de 2002. Trata-se de uma das primeiras respostas do teatro ao atentado de 11 de setembro de 2001, quando as torres do World Trade Center, em Nova Iorque, caíram após o choque com dois aviões. Na versão brasileira, Tárik Puggina e Letícia Isnard estão no elenco com valoroso destaque para a segunda. A dramaturgia é um grande problema, mas é interessante refletir sobre as questões que ela suscita. O espetáculo está em cartaz no Teatro de Arena da Caixa Cultural, no centro do Rio de Janeiro, até 20 de dezembro.

Apontamentos sobre essa dramaturgia de LaBute
O espetáculo todo acontece em 12 de setembro de 2001, em Nova Iorque, um dia após a queda das Torres Gêmeas. Quando a peça começa, Ben Ha­rcourt (Tárik Puggina) está na casa de sua chefe e amante Abby Prescott (Letícia Isnard). Todos os canais da TV transmitem sem pausa cenas do atentado em que (dados atuais) morreram 2.753 pessoas. Ben poderia ter sido um deles, mas interrompeu seu caminho para o trabalho para passar na casa de Abby, salvando-se da morte. Quando os aviões atingiram o World Trade Center, Ben e Abby estavam no apartamento dela fazendo sexo. Agora, ele está como que em um estado de choque, absorto diante das imagens a que assiste, bebendo sem parar enquanto seu telefone toca sem que ele atenda.

A peça começa com a entrada de Abby e, aos poucos, o espectador vai percebendo qual é a questão de “The mercy seat” (“O banco da misericórdia”). LaBute, ao escrever a peça, tinha em mente a relação entre o que se pensa e o que se deve ser pensado, o que se faz e o que se deve ser feito. Em uma entrevista, o autor revelou que, por conta do atentado, ele havia perdido um avião para Nova Iorque e que, por isso, precisou ficar horas dentro de um trem para Manhattan. A reclamação pelo incômodo foi engolida pela tragédia: LaBute percebeu que não tinha o direito de sentir o que havia sentido pelo cancelamento do voo diante de tudo o que havia acontecido em seu país. Essa reflexão o motivou a escrever a peça que, no Brasil, se chamou “Marco zero”.

Há três momentos no diálogo entre Ben e Abby, aqui encenado na íntegra. Na primeira parte, reconhece-se o conflito dramático da narrativa. Ao se passar como um dos desaparecidos nos escombros do World Trade Center, Ben se livraria das dívidas, das responsabilidades com a esposa e com as filhas e ganharia o direito de iniciar uma nova vida com a amante. Na segunda parte, o espectador toma conhecimento das nuances do relacionamento entre Ben e Abby: como se conheceram, os problemas entre eles, a natureza de seus sentimentos. Ao final, dadas as duas partes, os personagens se posicionam frente ao futuro e tomam uma decisão.

É interessante observar o modo como a peça é capaz de ganhar significados diferentes nesse curto espaço de tempo desde sua estreia. A crítica americana, ressaltando um e outro valor da dramaturgia, pontuou que, na estreia de “The mercy seat”, o mais importante da história acontecia fora dela. A “monótona” discussão de relacionamento que preenche todo o miolo do texto afastava o espetáculo do que o público queria ver ao comprar o ingresso. Hoje, o movimento da narrativa, que parte de um acontecimento global e vai para uma situação particular e depois retorna ao início, pode exibir o quão superficial é o debate proposto. Se Ben tem uma ideia infantil sobre como resolver seus problemas, Abby permanece, desde a primeira cena e até o fim, com a mesma avaliação negativa sobre seu amante. Assim, nem lá nem aqui, o valor da intenção de LaBute foi suficiente para o sucesso desse seu trabalho.

A excelência de Letícia Isnard
“Marco zero” é mais uma excelente oportunidade para o público de perceber a enorme habilidade de Letícia Isnard em interpretar. Graças ao talento e à técnica da atriz, o personagem Abby tem aparentes curvas narrativas. Quando o debate de sua personagem com o de Ben se afasta da questão do atentado e parte para as profundezas da relação entre os dois, ela se certifica de tudo o que já suspeitava. Essa viagem vertical às mágoas aparece no palco em vasta gama de detalhes que glorifica a intérprete que recebe merecidos aplausos. Tárik Puggina, na interpretação do célebre boçal norte-americano, que escarra testosterona bebendo Budweiser, só tem uma única boa oportunidade. E ela acontece nos trechos finais quando todo o contexto insólito da narrativa já foi percebido infelizmente. Diante dos desafios, sua interpretação tem algum mérito.

O maior valor da direção de Ivan Sugahara, assistida por Simone Beghinni, é ter se mantido dentro da proposta, esforçada em levar para a cena o texto de LaBute. O resultado é que o espetáculo, sugerindo fluência no jogo dos diálogos, também deixa claras as sensibilidades da dramaturgia. O ótimo cenário de Aurora dos Campos concretiza a poeira do ar na Manhattan pós-Queda das Torres sem fugir um só centímetro do realismo, o que auxilia o texto valorosamente. Em mesmo bom resultado, estão o figurino de Flávio Souza, a luz de Paulo Cesar Medeiros e a direção musical de Rodrigo Lima.

“Marco zero” fala menos do 11 de setembro e muito mais do quanto um homem pode ter ideias medíocres para solucionar seus problemas. Fechada demais no contexto particular desse, o texto perde oportunidades de ser mais relevante. Vale a pena ver a montagem para conferir o excelente trabalho de Letícia Isnard.

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FICHA TÉCNICA
Texto: Neil Labute
Tradução: Gustavo Klein
Direção: Ivan Sugahara
Codireção: Simone Beghinni
Elenco: Leticia Isnard e Tárik Puggina
Direção de produção: Aline Mohamad
Produção executiva: Amora Xavier
Cenário: Aurora dos Campos
Figurino: Flávio Souza
Direção musical: Rodrigo Lima
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Fotos: Dalton Valério
Marketing Digital: Laura Limp
Projeto gráfico: Luciano Cian
Administração financeira: Amanda Cezarina
Realização: Nevaxca Produções
Idealização: Tárik Puggina