quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Talk Radio (RJ)



Foto: divulgação

Leonardo Franco


Novo espetáculo de Maria Maya fala sobre o poder da comunicação

“Talk Radio” é o novo espetáculo dirigido por Maria Maya. A peça é a versão brasileira do texto do ator e dramaturgo norte-americano Eric Bogosian, escrito em 1987 e que estreou na Broadway no mesmo ano e, com mais sucesso, vinte anos depois. Por vários motivos, é possível acreditar que o momento atual seja o melhor para a temática abordada no enredo. Na narrativa, o apresentador de rádio Barry Champlain dá voz para vários ouvintes, tecendo reflexões acerca da sociedade atual. Com ótimos trabalhos de interpretação de todo o elenco, a montagem estreou no último dia 23 de outubro com Leonardo Franco e Bernardo Mendes nos papéis principais ao lado de Stela Maria Rodriygues, Alexandre Varella, Marcelo Aquino, Mariana Consoli e Raul Franco. Em cartaz no Solar de Botafogo até 20 de dezembro, eis uma produção que vale a pena ver.

Escrito há quase trinta anos, texto de Eric Bogosian é profético
Na história, o programa de rádio “Conversas da Noite”, apresentado pelo personagem Barry Champlain, passa a ser transmitido de Cleveland, no nordeste dos Estados Unidos, para todo o país. Ao longo de algumas horas diárias, ouvintes telefonam para participar, colaborando com suas visões acerca de temas sugeridos pelo apresentador. O mosaico de figuras diferentes revela a complexa identidade dos participantes: seus posicionamentos políticos e sociais, suas visões de mundo e sobre si mesmos, sonhos, frustrações, medos e crenças. Uma noite, o jovem Kent conta ao vivo que sua namorada parece ter morrido de overdose, mas Champlain não lhe dá atenção. O caso gera uma comoção entre os ouvintes, o que exige de Barry um posicionamento diferente. Disso, mas também de várias outras participações, surgem algumas reflexões sobre o poder da mídia.

De início, uma análise mais profunda sobre “Talk Radio”, que fale melhor sobre a importância desse texto para a contemporaneidade, precisa acontecer ao lado de três outras reflexões. A primeira delas é sobre 30 de outubro de 1938 quando Orson Welles dramatizou na rádio CBS o romance “A guerra dos mundos”, de H. G. Wells, publicado quarenta anos antes. Sem marcas suficientes que informassem os ouvintes de que se tratava de uma ficção, o programa veiculado na véspera do dia das bruxas causou verdadeiro pânico em várias cidades norte-americanas. A história falava da invasão de marcianos à Terra, unindo entrevistas e apresentando dados que foram ouvidos por seis milhões de pessoas. Tumulto, fugas em massa, incontáveis paralisações marcaram o acontecimento e nutriram reflexões sobre o poder da mídia ao longo do século XX.

As publicações dos filósofos da Escola de Frankfurt, principalmente depois do fim da Segunda Guerra, incentivaram um pensamento crítico em relação à cultura de massa, à indústria cultural e às questões relativas ao uso do poder por meio da arte. De modo muito interessante, o filme “A montanha dos sete abutres”, de 1951, dirigido por Billy Wilder, reflete a potencialidade da mídia em criar fatos e não apenas divulgá-los.

A terceira reflexão que pode amparar um pensamento mais relevante sobre “Talk Radio” diz respeito ao modo como a timeline do Facebook deu acesso a milhões de vozes acerca de qualquer tipo de assunto nos últimos anos. No texto de Bogosian, de fim da década de 80, a participação dos radiouvintes expondo suas intimidades, mas também seus posicionamentos é quase uma profecia sobre a contemporaneidade. A força dos meios de comunicação, a capacidade deles de estabelecer fatos sociais e sua potencialidade advinda de um sistema de participação em rede são aspectos indispensáveis da abordagem dessa peça agora dirigida por Maria Maya.

Ponto positivo e desafio da direção de Maria Maya

O ritmo da narrativa é a única questão menos positiva da direção de Maria Maya para “Talk Radio” e isso em função do modo como os signos do espetáculo se articulam ao longo da encenação. A cena final, o último monólogo de Barry Champlain, revela todo o pensamento visionário de Eric Bogosian e que é, como se disse anteriormente, aquilo capaz de garantir o lugar de relevância dessa dramaturgia. O problema é que essa cena acontece no mesmo nível que todas as anteriores de forma que se perde aí a possibilidade de estiramento de alguma tensão. A ausência do colorido, o jogo de evolução por meio do qual os atores interpretam os vários ouvintes e a valorização da luz e da sombra como único elemento capaz de enquadrar esses personagens fica linear demais. E cansa. Esvai-se a possibilidade de sugerir de um modo mais claro uma reflexão sobre o que se vive aqui e agora.

Apesar dessa questão, reconhece-se que essa montagem de “Talk Radio” é um belo espetáculo. Como aconteceu em “Adorável Garoto”, de Nicky Silver, há que se aplaudir a habilidade da direção de Maria Maya em viabilizar um conjunto de ótimas interpretações, pois, de novo, só há bons trabalhos no conjunto e em cada parte. Isso é um mérito.

Em conjunto e em cada parte, elenco apresenta ótimo trabalho
Os atores Raul Franco e principalmente Mariana Consoli apresentam ótimas contribuições quanto à interpretação dos diferentes ouvintes, garantindo o retrato da complexidade de seres tão diversos. Alexandre Varella (o executivo Dan) e Stela Maria Rodriygues (a assistente Linda), que também interpretam participantes do programa, desempenham bem a tarefa de apresentar as estruturas mais sólidas por meio das quais esse mar de personagens menores passará. No entanto, é em Bernardo Mendes e em Leonardo Franco que se encontram os pontos mais altos dessa versão de “Talk Radio”. Eles interpretam os protagonistas Barry Champlain e o ouvinte Kent de maneira sensual e excêntrica respectivamente, mas sem abusos. São esses aspectos aqueles capazes de opor e, de alguma forma, de igualar as duas figuras: ambos rebeldes e reacionários em suas personalidades tão próximas do real. Um destacável conjunto de elenco.

Sem destaque no que diz respeito ao figurino de Luana de Sá, ao cenário de José Dias e a trilha sonora de João Paulo Mendonça, “Talk Radio” talvez reforce assim o compromisso da montagem em valorizar principalmente a voz dos personagens. É através dela, afinal, que o programa “Conversas da Noite” se faz e move a narrativa. O excelente desenho de luz de Adriana Ortiz, principalmente na cena final, colabora essencialmente com o espetáculo como já se destacou.

Eis aqui um espetáculo capaz de fazer pensar sobre o aqui e agora em que o elenco e a direção se destacam junto ao texto com força elogiável. Parabéns!

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FICHA TÉCNICA
Texto – Eric Bogosian
Direção – Maria Maya
Tradução – Leonardo Franco

Elenco - Personagem
LEONARDO FRANCO como Barry Champlain

ALEXANDRE VARELLA – Dan, Ouvintes
BERNARDO MENDES - Kent
MARCELO AQUINO – Stu, Ouvintes
MARIANA CONSOLI - Ouvintes
RAUL FRANCO - Ouvintes
STELA MARIA RODRIYGUES - Linda

Assistência de Direção – Claudia Ricart
Cenografia – José Dias
Figurinos – Luana de Sá
Produtor Musical – João Paulo Mendonça
Iluminação – Adriana Ortiz
Programação Visual – Mayra Pereira
Visagismo – Marina Beltrão
Preparação Vocal: Verônica Machado
Direção de Movimento: Cynthia Reis
Produção Executiva e Administração – Maria Maria Griffith
Direção de Produção – Leonardo Franco
Realização – LEO FRANCO PRODUÇÕES E ENTRETENIMENTO & CENTRO CULTURAL SOLAR DE BOTAFOGO
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany