quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Cenas de um casamento (RJ)


Foto: divulgação

Heitor Martinez e Juliana Martins


Frustrante adaptação de Bergman para teatro


“Cenas de um casamento” estreou no último dia 16 de outubro com muitos problemas estruturais. A peça é uma adaptação da série de TV escrita e dirigida pelo cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007) produzida em 1973. Com adaptação de Maria Adelaide Amaral e com direção de Bruce Gomlevsky, a montagem é capaz de frustrar quem procura uma comédia romântica motivado pelo título assim como aqueles que se interessam pela obra bergmaniana. No palco, Juliana Martins e Heitor Martinez interpretam com dificuldades os personagens Marianne e Johan, cujo casamento é o tema da história. A produção está em cartaz no Teatro Ipanema, onde fica até 15 de novembro.

Excelente série de TV de Ingmar Bergman
Em uma célebre entrevista sobre “Cenas de um casamento”, o diretor Ingmar Bergman revelava que a série era sobre a incapacidade das pessoas de ler o seu próprio interior. Ao longo de seis episódios, o processo de filmagem trouxera à superfície o modo como os personagens Marianne e Johan se debatiam dentro de si mesmos, perdidos entre instintos desconhecidos, como a agressividade por exemplo. Além disso, o fato notório do aumento do número de divórcios na Suécia durante a exibição na TV também revelava que essa não se tratava de uma comédia de boulevard. Para Bergman, que comentava acerca dessas separações nessa mesma entrevista, esse não era um sinal negativo, mas talvez fosse uma pista de que as pessoas estivessem procurando a si próprias enfim.

No primeiro episódio, “Inocência e Pânico”, Marianne e Johan estão comemorando dez anos de um casamento feliz. Ela é advogada de família e ele é um professor universitário. Nessa noite, eles recebem Katarina e Peter cujos horrores que um diz para o outro deixam ver a podridão em que o casamento deles se encontra. Esse jogo de espelhos através do qual Marianne e Johan veem seu futuro - mas não o enxergam - é o ponto de partida fundamental para tudo o que virá depois. No episódio seguinte, “A arte de empurrar os problemas para debaixo do tapete”, em momentos separados, Marianne e Johan têm novas oportunidades de vislumbrar o que acontecerá com eles. Em seus locais de trabalho, ela se encontra com uma cliente e ele com uma colega. Ambos os encontros talvez sejam convites para eles refletirem sobre suas próprias individualidades. Notar que, de maneira diferente, essa possível proposta é aceita por ambos faz toda a diferença na audiência da série.

Os episódios “Paula”, “O vale de lágrimas”, “Os analfabetos” e “No meio da noite em uma casa escura em algum lugar” vêm na sequência. Neles, sempre com mesma força e enorme capacidade de estimular uma reflexão sobre a complexidade do ser humano, se desenvolvem as alterações no relacionamento entre Marianne e Johan. Interpretados por Liv Ullmann (que recém havia se separado do diretor) e por Erland Josephson, os personagens se reencontraram em “Saraband”, de 2003, o último filme de Ingmar Bergman. Os personagens Katarina e Peter são protagonistas de “Da vida das marionetes”, filme de 1980, adaptado para o teatro com direção de Guilherme Leme, esse um dos melhores espetáculos de 2014 no Rio de Janeiro.

Cortado em um filme de 167 minutos, “Cenas de um casamento” venceu o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro de 1975. A série em seu tamanho original, com 299 minutos, foi lançada no Brasil, em DVD, em 2006. Vale a pena ver!

Versão dirigida por Bruce Gomlevsky é cheia de problemas
Na adaptação de Maria Adelaide Amaral, que chega ao público através da direção de Bruce Gomlevsky, Marianne e Johan aparecem vencidos pela força de seus arquétipos de esposa e de marido discutindo a relação. No início da peça, a cena em que Marianne liga para sua família a fim de cancelar um compromisso para poder ficar mais perto de Johan e de suas filhas é retrato de uma adaptação superficial do original. Quem assiste à série sabe que ela está em uma luta desesperada contra a sensação de que seu casamento está acabando. Nesse sentido, resguardado o direito do teatro de atualizar livremente a série, fica aí um entre vários aspectos capazes de revelar a pobreza dessa versão diante da primeira.

Não há um único momento na encenação em que qualquer dos personagens seja visto a partir de sua solidão, de sua individualidade, nem de sua viagem interior. Nesse sentido, a peça reproduz um resumo parcial da história, mas não dá conta dos planos fechados, da intimidade nem de uma relação entre palco e plateia que seja similar a que acontece entre o telespectador e a série de TV. O ponto alto do original, em que o Johan agride Marianne selvagemente (ele que aparece tão comedido e ponderado no início), se tornou, no palco do teatro, um sutil safanão quase sem importância.

Juliana Martins (Marianne) se movimenta pela cena durante os noventa minutos da duração do espetáculo como se lutasse ferozmente contra um tédio que não deveria haver ali. Em Heitor Martinez, não se veem as nuances através das quais se contemplariam as justificativas maiores de Bergman contra as feministas na ocasião do lançamento da obra. Ambos pairam desamparados pelo desenho de luz pouco colaborativo de Elisa Tandeta e principalmente pelo péssimo cenário de Pati Faedo. Já diante de personagens originalmente difíceis e em um corte ainda mais desafiador, Martins e Martinez têm aqui barreiras a vencer quase instransponíveis. De fato, não as venceram na estreia.

O péssimo cenário de Pati Faedo
De todos, o pior elemento da montagem é o cenário de Pati Faedo. Sem qualquer relação nem com Bergman, nem com os personagens, Marianne e Johan aparecem em meio a uma espécie de Jogo de Tetris, encaixando peças enquanto dizem as falas dos diálogos. O feito, além de impor à encenação uma exigência quanto à ação que só perturba a narrativa, oferece ao público um problema a mais: entender a intenção da cenógrafa. Os méritos do figurino de Ticiana Passos se devem ao fato de que o guarda-roupa da peça deixa claro, com beleza e elegância, que o único problema do espectador de “Cenas de um casamento” deve ser entender a si próprio.

Essa versão de “Cenas de um casamento” frustra os incautos que pensam ir assistir a uma comédia sobre maridos e esposas, porque o texto, mesmo cortado, revela uma certa complexidade que nada tem a ver com o gênero comercial. Também entedia aqueles interessados em (re)encontrar Marianne e Johan e toda a força dos personagens bergmanianos. No meio do caminho, a peça estreia inacabada com problemas estruturais que talvez não se resolvam logo.


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Ficha Técnica

Autor: Ingmar Bergman

Tradução: Maria Adelaide Amaral

Direção: Bruce Gomlevsky

Elenco: Juliana Martins e Heitor Martinez

Trilha Original: Alex Fonseca

Iluminação: Elisa Tandeta

Cenografia: Pati Faedo

Figurino: Ticiana Passos

Assistente de direção: Luiza Maldonado

Projeto gráfico: Thiago Ristow

Agente literário: Cinthya Graber

Prestação de contas: Letícia Napole

Produção executiva: Ana Casalli

Direção de produção: Fábio Amaral

Produtores associados: Anna Magdalena, Fábio Amaral, Fabricio Chianello e Juliana Martins

Idealização: Juliana Martins

Realização: Bubu Produções Artísticas e Ymbu Entretenimento

Assessoria de imprensa: Minas de Ideias