quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Guerrilheiras ou Para a terra não há desaparecidos (RJ)


Foto: Elisa Mendes

Carolina Virguez, Sara Antunes, Fernanda Haucke, Mafalda Pequenino e Daniela Carmona


Com méritos, espetáculo propõe reflexão histórica


“Guerrilheiras ou Para a terra não há desaparecidos” cumpriu temporada no Teatro de Arena do Espaço SESC Copacabana durante o mês de setembro. Com dramaturgia de Grace Passô e dirigido por Georgette Fadel, o espetáculo foi idealizado por Gabriela Carneiro da Cunha. Além dela, estão no elenco Carolina Virguez, Daniela Carmona, Fernanda Haucke, Mafalda Pequenino e Sara Antunes. A história trata do desaparecimento de mulheres que lutaram e morreram na Guerrilha do Araguaia, um dos mais importantes e violentos conflitos armados da ditadura militar brasileira. O maior destaque na montagem é o cenário de Aurora dos Campos e a iluminação de Tomás Ribas. Do Rio, a peça foi para São Paulo, onde se apresentou na Mostra Rumos, no Itaú Cultural daquela cidade.

A Guerrilha do Araguaia
A Guerrilha do Araguaia foi uma série de conflitos que aconteceu na região em torno do rio de mesmo nome entre os estados de Tocantins e do Pará entre 1972 e 1975. Em questão, estava a luta armada entre militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), estudantes, operários e camponeses e o exército brasileiro a serviço da ditadura militar. Um número de dezessete mulheres se destacou no histórico da rebelião. Apenas ¼ de todos os revoltosos sobreviveu, entre eles, José Genuíno (atualmente preso por envolvimento no Mensalão). Os corpos de vários ainda hoje nunca foram descobertos, como, por exemplo, os de Dinalva Oliveira Teixeira, Suely Kanayama, Jana Moroni Barroso, Aurea Valadão, Maria Célia Correa e de Telma Regina Correia. O caso é uma mancha na história recente do país, uma entre várias desse período de repressão política.

O texto de “Guerrilheiras ou Para a terra não há desaparecidos” surge fazendo um cruzamento entre ficção e documentário. A dramaturgia, resultado de pesquisas de Gabriela Carneiro da Cunha, também foi acrescida de registros audiovisuais do cineasta Eryk Rocha. Um dos materiais de pesquisa foi o livro “Primeiras cantigas do Araguaia”, um caderno de poesia que foi escrito à mão por alguns dos envolvidos no confronto.

As seis atrizes dão vozes para várias personagens, recuperando o horror dos últimos dias de suas vidas: o declínio de seus sonhos, sua luta ideológica, seu pensamento e principalmente suas questões humanas. Paira ainda no texto um pouco da repercussão de suas entradas no movimento e de seus desaparecimentos para seus familiares e amigos. A produção é parte da celebração dos 50 anos do Golpe Militar.

Carolina Virguez, Aurora dos Campos e Tomás Ribas em destaque
A encenação, com desníveis no trabalho do elenco, acaba concentrando a responsabilidade das melhores interpretações. Carolina Virguez, entre todas, é quem tem mais destaque pela viabilização de força nos trechos mais dramáticos aliada à dicção perfeita. Nos momentos certo, há poética, ironia e humor que marcam os momentos diversos dessa dramaturgia. Fernanda Haucke também merece elogios.

A direção de Georgette Fadel, assistida por Julia Ariani, tem méritos pela viabilização de uma dissertação no todo do espetáculo sobre o tema a que ele se propõe. A peça, no entanto, que se organiza pela articulação entre diferentes histórias unidas sob determinados aspectos, não toca propriamente, nem aprofunda. As intenções são mais meritosas do que a realização.

Aurora de Campos oferece ao espetáculo belíssima contribuição. Sucedem-se no chão do palco circular lonas de plásticos de diferentes cores, sempre em tons fortes. O material - trazido, manipulado e colocado pelas atrizes em cena – constrói quadros estéticos de enorme beleza. A luz de Tomás Ribas sobre esse todo auxilia na construção de um panorama em que se vê poesia e história, a individualidade das vítimas e a importância delas para o público de hoje, do mesmo país, quarenta anos depois.

A participação de Eryk Rocha oferece à montagem contribuições da ordem das projeções e dos sons captados nos locais onde a guerrilha realmente aconteceu. A direção musical de Felipe Storino dá unidade para o todo ao lado de seus pares na equipe técnica. São interessantes os dados sobre a pesquisa de figurinos de Desirée Bastos. As roupas da peça foram enterradas pelas atrizes em sua viagem à região do Araguaia. A informação, significativa para as intérpretes, não chega ao público propriamente.

A celebração da história
Comparado com outros países, o Brasil celebra muito pouco sua própria história infelizmente. Quem venham outros espetáculos como “Guerrilheiras ou Para a terra não há desaparecidos”, capazes de lembrar do quanto períodos como esse não devem se repetir. Que a produção ganhe por aqui e fora novas temporadas e mais longas também.

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FICHA TÉCNICA
Idealização: Gabriela Carneiro da Cunha
Direção: Georgette Fadel
Dramaturgia: Grace Passô
Elenco: Carolina Virguez, Sara Antunes, Daniela Carmona, Mafalda Pequenino, Fernanda Haucke e Gabriela Carneiro da Cunha.
Direção áudio visual: Eryk Rocha
Direção musical: Felipe Storino
Cenografia: Aurora dos Campos
Iluminação: Tomas Ribas
Figurinista: Desirée Bastos
Assistente de direção: Julia Ariani
Assistente de dramaturgia: Gabriela Carneiro da Cunha
Operação de Som: Bruno Carneiro
Operação de Luz: Vitor Emanuel
Projeto e Operação de Vídeo: Julia Saldanha
Direção de Produção: Gabriela Gonçalves
Produção: Aline Mohamad
Assistente de Produção: Renato Bavier