quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Sacco e Vanzetti (RJ)



Foto: divulgação

No alto, Douglas Amaral e Gilberto Miranda


Excelente montagem celebra história real que merece ser conhecida

“Sacco e Vanzetti”, ótimo espetáculo da Companhia Ensaio Aberto, reestreou no Armazém da Utopia, no Cais do Porto. A montagem, com texto do argentino Maurício Kartun e com direção primorosa de Luiz Fernando Lobo, fica em cartaz até 15 de novembro. Há uma van, saindo da frente da Candelária, que leva o público até o local. Vale a pena conferir os trabalhos de interpretação, mas também o cenário de J.C. Serroni, a luz de César de Ramires, o figurino de Beth Felipecki e de Renaldo Machado e a direção musical de Luiz Felipe Radicetti. Baseada na história real dos italianos Nicola Sacco (1891-1927) e Bartolomeo Vanzetti (1888-1927), a peça narra o processo que os condenou à morte injustamente. No elenco, há especial destaque para Bruno Peixoto e para João Raphael Alves, que interpretam o promotor e o advogado de defesa.

A história real de Sacco e Vanzetti
A história verdadeira aconteceu na pequena localidade de Braintree, a vinte quilômetros de Boston, em Massachusetts, nos Estados Unidos. A fábrica de sapatos Slater & Morrill (onde hoje fica um shopping center) era dividida em dois prédios. Saindo de um em direção ao outro, Frederick Parmenter e o guarda-costas Alexander Beradelli partiram, por volta das 15 horas, no dia 15 de abril de 1920. Eles levavam dinheiro destinado ao pagamento dos funcionários da empresa, mas foram interrompidos com a chegada inesperada de um Buick preto. Do carro, saíram dois homens armados. Beradelli levou três tiros e Parmenter um no peito. Ambos morreram. No assalto, quase dezesseis mil dólares foram levados.

Duas semanas depois, o sapateiro Sacco e o peixeiro Vanzetti foram presos e acusados de terem participado do roubo. Eles eram dois imigrantes italianos que se mudaram para os Estados Unidos em 1908 para vencer na vida. A ausência de provas, apesar da qual houve a condenação, deixou claro o que estava por trás do julgamento: a questão era política. Os italianos Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti morreram na cadeira elétrica, em agosto de 1927, porque estavam envolvidos em grupos sindicais de ideologia anarquista. O caso é considerado um dos mais célebres erros judiciais da história americana.

Diferente da imagem vendida em livros como “O grande Gatsby”, escrito em 1925 por F. Scott Fitzgerald, o mais glorioso momento da história americana não era partilhado por todos. O afã consumista que fisgara o país no início do século XX só era, de fato, vivenciado por uma pequena parcela da população. Entrincheirada, ela se assustava com notícias vindas do outro lado do mundo acerca da revolução russa e da explosão das ideias socialistas dela advinda. Com o fim da Primeira Guerra, conflito esse que havia deixado a Europa em frangalhos, os Estados Unidos assumiu a liderança na economia mundial. Não havia, naquela cultura de autocelebração, espaço para assumir as divisões internas que obviamente aconteciam.

Horas antes da morte de Sacco e de Vanzetti na cadeira elétrica, morreu no mesmo lugar e do mesmo jeito o português Celestino Madeiros. Dois anos antes, ele havia assumido sua participação no assassinato de Parmenter e de Beradelli, afirmando nunca ter visto os dois italianos até chegar à cadeia. Vinte e seis meses depois, a quebra da bolsa de Nova Iorque condenou toda a nação americana a uma década de fome e de miséria. Nos anos 70, o governo de Massachusetts absolveu os dois acusados tardiamente.

Escrito em 1992, por Maurício Kartun, o texto é baseado em diversas fontes que recuperam o tema. Entre elas, o filme homônimo de 1971 dirigido por Giuliano Montaldo. Na peça, o personagem Thompson reúne os vários advogados envolvidos na defesa da dupla. Outra diferença é que, na versão teatral, o chapéu de feltro usado como prova do crime foi atribuído a Vanzetti enquanto, na vida real, foi a Sacco. Fora isso, toda a dramaturgia atende ao documentário do caso. Essa é a primeira montagem de um texto do argentino Maurício Kartun no Brasil. Interessantíssimo!

A excelente encenação da Companhia Ensaio Aberto
A direção de Luiz Fernando Lobo é excelente em todos os seus aspectos. Os quinze atores, mais o próprio diretor que também atua no elenco, se movimentam pelo palco em um conjunto quase coreografado. Os gestos são limpos, orquestrados com vistas ao oferecimento de profundidade, de oxigênio e de força à encenação. A amplitude do Armazém 6 do Cais do Porto, batizado de “da Utopia”, é um perigo para a voz dos atores, mas poderia ser também um desastre para o público que perderia as frases não tivesse a peça recebida tão cuidadosa direção. Ao longo de duas horas, todo o texto é dito pausada e claramente, em voz alta, com tons explorados e dicção firme. Os gestos são positivamente moderados e as expressões ratificam os conflitos expostos na dramaturgia. O todo, mas também as partes, é muito positivo: das grandes às menores participações.

No elenco, destacam-se Bruno Peixoto e João Raphael Alves nos papeis dos advogados Katzmann (acusação) e Thompson (defesa). Privilegiados também pela dramaturgia, ambos conferem sensibilidade na viabilização de minúcias e excelente manutenção do ritmo. Gilberto Miranda e Douglas Amaral, os protagonistas Sacco e Vanzetti, perdem oportunidades de apresentar curvas expressivas e, quase sempre, permanecem lineares ao longo do espetáculo. Porém, suas figuras são marcantes e, principalmente nas oportunidades finais, há melhores colaborações. Diego Diener (o policial Stewart), Luiz Fernando Lobo (o juiz Thayer) e Virgínia Bravo (Anarquista), além de Rafael de Castro (Madeiros), trazem construções fortes que, assim como os destacados, acrescentam na qualificação dos detalhes.

São muitas as contribuições estéticas através do figurino de Beth Felipecki e de Renaldo Machado dado o empenho na construção do realismo valorosamente. A direção musical de Luiz Felipe Radicetti colabora com o ilusionismo. Os detalhes na sonoplastia e a participação de canções célebres em relação ao tema na trilha sonora marcam o espetáculo. A construção cenográfica assinada por J.C. Serroni é um dos pontos altos da programação teatral carioca nos últimos anos para além dessa montagem. Vê-se excelente uso da iluminação de César de Ramires em especial no que se refere à construção da profundidade.

Merece ser visto
“Sacco e Vanzetti” estreou em 2014 e recebeu indicações ao Prêmio Shell de Melhor Trilha Original e ao Questão de Crítica de Melhor Cenografia. A produção continua sendo destaque na grade teatral carioca. A história, que mobilizou o mundo e ainda é símbolo de luta por um mundo mais humano, merece ser vista também por seu olhar tão sensível e esteticamente tão potente. Aplausos!
*

FICHA TÉCNICA:
Texto: Maurício Kartun
Direção: Luiz Fernando Lobo
Direção de Produção: Tuca Moraes


Elenco:
Adriano Soares (Cesare Rossi)
Bruno Peixoto (Katzmann)
Danielle Oliveira (Mary Splain)
Diego Diener (Stewart)
Douglas Amaral (Bartolomeu Vanzetti)
Gilberto Miranda (Nicola Sacco)
João Rafael Schuler (Levangie)
João Raphael Alves (Thompson)
Luiz Fernando Lobo (Thayer)
Luiza Moraes (Agnese)
Rafael de Castro (Medeiros)
Taís Alves (Rosa Sacco)
Tuca Moraes (Luigia Vanzetti)
Victor Leal (Anarquista)
Victor Santana ( anarquista)
Virgínia Bravo (Anarquista).

Cenografia e espaço cênico: J.C. Serroni
Iluminação e direção técnica: César de Ramires
Figurinos: Beth Filipecki e Renaldo Machado
Música e Direção Musical: Luiz Felipe Radicetti
Diretor Assistente: João Batista
Assistente de Direção: Natália Balbino
Produção: Renata Stilben
Preparação Corporal: Tuca Moraes
Preparação Vocal (música): Aurora Dias
Programação Visual: Marcos Apóstolo e Marcos Becker
Assessoria de Imprensa: LEAD Comunicação
Realização: Instituto Ensaio Aberto