terça-feira, 6 de outubro de 2015

Memórias de um gigolô (RJ)


Foto: divulgação

Ao centro, Leonardo Miggiorin


Muitos problemas no novo musical de Miguel Falabella

“Memórias de um gigolô” é o mais novo musical assinado por Miguel Falabella. Trata-se da adaptação do livro homônimo de Marcos Rey (1925-1999), lançado em 1968, com vinte e cinco músicas originais compostas por Josimar Carneiro e com letras assinadas por Falabella. Na história, dois gigolôs, Mariano e Esmeraldo, vividos por Leonardo Miggiorin e por Marcelo Serrado, passam a vida disputando o coração da prostituta Guadalupe, vivida por Mariana Rios. O pior problema da montagem é que, no elenco principal, quem interpreta não canta e quem canta não interpreta. Com muitos pontos negativos na dramaturgia e na direção, além de coreografias fracas e de cenário paupérrimo, a produção fica atrás dos excelentes musicais já realizados no país. A peça estreou nesse final de semana no Rio de Janeiro depois de uma primeira temporada em São Paulo, e fica em cartaz no Teatro Oi Casa Grande, no Leblon, até 17 de outubro.

Dramaturgia empobrece a obra original
No livro, a história é contada pelo personagem Mariano. Criado pela cartomante Madame Antonieta, ele sabe do seu destino com antecedência e, quanto mais vai em direção ao seu destino, mais o leitor torce para que seu futuro não seja como o previsto. Típica figura do velho romance picaresco, Mariano é um boa-vida sedutor, procurando tirar vantagem sobre tudo e se envolvendo em diversas enrascadas. Seu rival é Esmeraldo, cafetão da estonteante Guadalupe, uma prostituta que ganha a vida através arte da sedução e que se diverte na cama ora de um, ora de outro.

A poética surge a partir do aspecto marginal do universo desses três protagonistas. De repente, o leitor se vê seduzido por eles, torcendo em seu favor apesar de serem quem são. E esse sentimento é uma excelente metáfora para um povo que elege maus candidatos, compra produtos roubados e ama quem não lhe trata bem. Ao traduzir a obra para teatro, a encenação de Miguel Falabella parece não ter considerado esse aspecto no maior nível de sua importância, a crítica social.

O texto da peça mantém Mariano como o narrador, mas nem investe no tom subjetivo, nem tampouco dá asas à dúvida sobre com quem Guadalupe ficará no final. Em outras palavras, o espectador do espetáculo não tem certeza se está vendo tudo pelo olhar parcial de Mariano ou se tem um ponto de vista privilegiado. O enredo, que encoraja um saudosismo melancólico empoeirado, termina apresentando a velhice como uma espécie de condenação e as lembranças dos “bons tempos” como única alternativa. Estranho!

Encenação e dramaturgia vão em direções opostas
Em sua encenação, o diretor Miguel Falabella aumenta a importância de uma idílica São Paulo, desumanizando os personagens. Tivesse investido nessa proposta como marca do realismo naturalismo, estilo que embalou alguns pontos de vista sobre o livro na ocasião de seu lançamento, talvez o efeito não tivesse sido tão negativo. No entanto, o cabaret onde Mariano cresce e as pessoas com as quais eles convivem parecem não ter qualquer relação com as atitudes que Mariano, Esmeraldo e que Guadalupe têm, sendo apenas mero cenário para a narrativa.

No palco, os mais de cem figurinos de Ligia Rocha brilham em uma constante sem identidade, nem história: bonitos, mas sem conteúdo. O cenário de Renato Theobaldo e de Beto Rolnik, um painel espelhado em cortes a la art déco, com uma escadaria central em vermelho escuro, vem repetidamente para a frente e para trás e não se modifica ao longo de toda a encenação. Sem triangulação e em um cansativo esforço em oferecer solitariamente alguma stravaganza ao todo do musical, a coreografia de Fernanda Chamma se perde. Nesse sentido, a estética do espetáculo, em completa linha oposta ao texto, nega o realismo, rejeita a crítica e se empenha na construção de um idealismo romântico. É mero entretenimento superficial.

Miggiorin e Serrado em ótimas interpretações
Leonardo Miggiorin (Mariano) e Marcelo Serrado (Esmeraldo) apresentam ótimos trabalhos de interpretação em um esforço honrável em contribuir para a graça do espetáculo. No entanto, seus números musicais deixam bastante a desejar. Por outro lado, Mariana Rios tem sucesso na viabilização técnica das canções, mas sua interpretação inexpressiva de Guadalupe, nem de longe, deixa dúvida sobre qual dos protagonistas ganhará seu coração. Isso é fator determinante para o esvaziamento do conflito maior da narrativa. Em personagens menores, Mariana Baltar (Madame Antonieta), Germana Guilhermme (Madame Iara), Luiz Pacini (Buster Keaton), Ubiracy Paraná Brasil (Dr. Alceu) e Matheus Braga (Mariano criança) colaboram para os valores do espetáculo como um todo em performances cheias de méritos tanto no que diz respeito à encenação quanto ao canto.

A exigência do público
Transformado em filme, em 1970, dirigido por Alberto Pieralisi, com Claudio Cavalcanti, Rosana Ghessa e Jece Valadão no elenco, “Memórias de um gigolô” também foi minissérie de televisão, em 1986, com Lauro Corona, Bruna Lombardi e Ney Latorraca nos papeis principais. Essa versão para teatro musical, em que estreiam no gênero os três protagonistas, ainda que tenha méritos à originalidade das canções de Josimar Carneiro e de Miguel Falabella, não reflete o melhor do musical brasileiro. Com atores-cantores cada vez mais bem preparados no mercado, assim como cenógrafos, iluminadores, coreógrafos e como toda ordem de profissionais, cresce a exigência do público quanto à qualidade das produções. E isso é ótimo.


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FICHA TÉCNICA:

Baseado na obra: Marcos Rey

Texto, Adaptação e Direção Geral: Miguel Falabella

Músicas e Direção Musical: Josimar Carneiro

Coreografia: Fernanda Chamma

Produção Geral: Sandro Chaim

Gerente de Produção: Rose Dalney

Produtores associados: Miguel Falabella, Sandro Chaim e Rose Dalney

Cenografia: Renato Theobaldo e Beto Rolnik

Figurino: Ligia Rocha

Designer de Luz: Drika Matheus

Designer de Som: Gabriel D´Angelo

Elenco: Marcelo Serrado, Mariana Rios, Leonardo Miggiorin, Germana Guilhermme, Mariana Baltar, Luiz Pacini, Ubiracy Paraná do Brasil, Osmar Silveira, Adriano Fanti, Adriana Capparelli, Clara Camargo, Luana Bichiqui, Laura Visconti, Renata Brás, Fernanda Belinatti, Fernando Cursino, Thati Abra, Alexandre Lima, e as crianças Matheus Braga e Kaleb Figueiredo.

Apresentado por Ministério da Cultura e Banco Volkswagem

Patrocínio: Lei de Incentivo à Cultura

Transportadora Oficial: Avianca

Realização: Miniatura 9, Aveia Cômica, Chaim XYZ Produções, Ministério da Cultura e Governo Federal, Pátria Educadora