quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Don Pasquale (Argentina)


Foto: Liliana Morsia

Don Pasquale


Donizetti na abertura da Temporada Lírica do Theatro Municipal

Em curtíssima temporada, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro apresentou a ópera “Don Pasquale”, marcando a abertura da Temporada Lírica do Segundo Semestre de 2015. As apresentações aconteceram na última semana de setembro. Escrita em três atos, a peça é considerada obra-prima do compositor italiano Domenico Gaetano Donizetti (1797-1848). A montagem chegou ao público carioca a partir da direção cênica de André Heller-Lopes e da direção musical e regência do Maestro Silvio Viegas. Produzida pela associação argentina Buenos Aires Lírica, a peça contou, para os papéis principais, com as belíssimas participações da soprano Ludmilla Bauerfeldt (Norina), do barítono Homero Velho (Dr. Malatesta) e do tenor Luciano Botelho (Ernesto), todos brasileiros. Em grande destaque, também estiveram presentes os cenários de Daniela Taiana, os figurinos de Sofia Di Nunzio e o desenho de luz de Gonzalo Córdova e de Fábio Retti, todos excelentes. Já conhecido do público, Sandro Christopher interpretou o personagem título modestamente. Valeu a pena ter assistido!

A última grande “ópera-bufa”
A ópera-bufa “Don Pasquale” estreou em 1843, tendo sido composta e produzida para essa primeira sessão em menos de dois meses. Donizetti era um dos compositores mais famosos da Europa naquele momento e havia recebido a ideia de seu amigo, o poeta italiano Giovanni Ruffini. Trata-se de uma livre adaptação de “Ser Marcantonio”, que Stefano Pavesi havia composto em 1808 e que tinha feito grande sucesso em Milão em 1810.

A história é simples. O rico e velho Don Pasquale não permite que seu sobrinho Ernesto se case com a pobre Norina e decide, ele próprio, se casar. Para ajudar os jovens apaixonados, o médico Dr. Malatesta põe em prática o seguinte plano: Norina se passará por sua irmã, a casta Sofrônia, que mora em um convento distante. No primeiro encontro, Don Pasquale se encanta pelas maneiras discretas de Sofrônia e se casa com ela em uma cerimônia realizada por Carlino, falso juiz de direito arranjado por Dr. Malatesta. Sem esforço em representar a personagem, Norina faz logo mil exigências ao seu novo marido, quase levando-o à falência. Além disso, ela se encontra furtivamente com Ernesto, seu verdadeiro amor. Uma noite, Don Pasquale descobre que está sendo traído por sua esposa. Em uma nova jogada de Dr. Malatesta, o velho, arrependido de ter se casado com Sofrônia, promete permitir que o sobrinho se case com quem ele quiser se tudo se esclarecer. Na cena final, toda a verdade aparece. Ernesto e Norina se casam com o consentimento de Don Pasquale e todos celebram.

“Don Pasquale” foi a 63ª ópera e uma das últimas do célebre Donizetti. A denominação de “opera-bufa” vem do fato de que essa peça é uma comédia e de que seus personagens são pessoas com hábitos simples. Muito ligada à commedia dell arte, gênero de teatro popular que havia se espalhado pela Europa entre os séculos XVII e XVIII, esse tipo de farsa já estava em desuso com o advento do romantismo. Mesmo assim, a obra fez estrondoso sucesso, tendo sido interpretada por cantores renomados desde então. Em 12 de fevereiro de 1853, apenas dez anos depois da estreia no Teatro dos Italianos de Paris, “Don Pasquale” ganhou sua primeira montagem brasileira. Essa produção foi apresentada no Teatro Provisório do Rio de Janeiro e foi dirigida por João Caetano. No Theatro Municipal, houve 17 montagens de 1945 até essa atual.

A versão da Buenos Aires Lírica
André Heller-Lopes e o Maestro Silvio Viegas apresentaram um belíssimo espetáculo. Ao longo da encenação, as árias e os duetos evoluíram naturalmente em excelente articulação com o espaço e com o desafio do tempo e da ação. O ritmo ágil que os personagens da commedia dell’arte exigem se sujeitou aos movimentos de Donizetti, vencendo os desafios que a contemporaneidade oferece à partitura original. Cheio de níveis mais e menos profundos bem como altos e baixos, Heller-Lopes conseguiu manter o clássico ponto de fuga, concentrando a atenção e valorizando o texto e a composição. O resultado, em uma sólida confluência de pesquisa e de criatividade, aproximou séculos e ofereceu ao público contemporâneo algo que, sem desmerecê-lo, o encantou.

Em destaques, nessa versão, foi o dueto “Cheti, cheti, immantinente” (que Donizetti só incluiu na segunda temporada), de Don Paquale (Sandro Christopher) e de Dr. Malatesta (Homero Velho); a serenata “Com’è gentil” e o lamento “Cercherò lontana terra”, de Ernesto (Luciano Botelho); e principalmente a ária “Quel guardo il cavaliere”, de Norina (Ludmilla Bauerfeldt), e seu dueto com Ernesto "Tornami a dir che m'ami". Regida pelo Maestro Silvio Viegas, a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal, mais uma vez, apresentou excelente trabalho.

Vale destacar ainda positivamente a participação do coro do Theatro Municipal, em especial, na cena que aconteceu entre a plateia. Os atores, intérpretes dos personagens da commedia dell’arte - Tárlia Laranjeira, Thaís D”Castro, Eric Meireles e Marcel Octavio -, fizeram ótima colaboração. O barítono Sandro Christopher, apagado no dia da estreia no Rio de Janeiro e cantando baixo, perdeu a oportunidade de imprimir ao personagem título a graça e a grandiosidade esperada.

De primeiríssima grandeza, os cenários de Daniela Taiana foram um dos pontos mais altos no ano teatral carioca. A representação da perspectiva renascentista, situando o contexto clássico, esteve perfeita em todos os sentidos. O desenho de luz de Gonzalo Córdova e de Fábio Retti, em plena e valorosa articulação com o cenário, deixou-o ainda melhor. Os figurinos, com destaque para o vestido púrpura de Sofrônia/Norina no terceiro ato, foram outro momento de grande êxtase.

Donizetti na abertura da Temporada Lírica do Theatro Municipal
Por incrível que pareça, quando compôs “Don Pasquale”, Donizetti já estava debilitado física e mentalmente pela sífilis, que haveria de levá-lo quatro anos mais tarde. Autor de “Anna Bolena (1830) e de “Lucia di Lammermoor” (1835), ele é considerado um dos grandes da ópera romântica. Foi uma honra ouvi-lo em tão belíssima interpretação como nessa montagem. A Temporada Lírica do Segundo Semestre segue com “A Menina das Nuvens”, de Villa-Lobos; “As Bodas de Fígaro”, de Mozart; e com “O Menino Maluquinho”, de Ernani Aguiar, com libreto de Ziraldo.

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Ficha técnica:
CORO E ORQUESTRA SINFÔNICA DO THEATRO MUNICIPAL
Música – Gaetano Donizetti (1797-1848)
Libreto – Giovanni Ruffini (1807-1881)
Produção original – Buenos Aires Lírica (Argentina)
Concepção e Direção de Cena – André Heller-Lopes
Regência e Direção Musical – Silvio Viegas
Cenários – Daniela Taiana
Figurinos – Sofia Di Nunzio
Desenho de Luz Original – Gonzalo Córdova
Iluminação – Fábio Retti

Solistas:
Don Pasquale – Sandro Christopher, barítono
Norina – Ludmilla Bauerfeldt, soprano
Ernesto – Luciano Botelho, tenor
Malatesta – Homero Velho, barítono
Notário – Murilo Neves, baixo

Atores:
Scaramuccia – Tárlia Laranjeira
Brighellina – Thaís D’Castro
Brighella – Eric Meireles
Capitão Fracassa – Marcel Octavio