quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O Pena Carioca (RJ)


Foto: divulgação


Paulo Hamilton e Ana Paula Secco


Ótimo espetáculo comemora os 200 anos de Martins Pena

“O Pena Carioca” é o mais novo espetáculo da Cia. Atores de Laura. Ele celebra os duzentos anos do nascimento de Matins Pena (1815-1848), um dos mais importantes dramaturgos do teatro brasileiro. Do espetáculo, fazem parte três comédias: “A família e a festa na roça” (1837), “O caixeiro da taverna” (1845) e “O judas no sábado de aleluia” (1844). Brilhantemente dirigida por Daniel Herz, a montagem tem ótimas interpretações de Marcio Fonseca, Gabriela Rosas, Anderson Mello e de Leandro Castilho, mas principalmente de Ana Paula Secco e de Paulo Hamilton. A peça está em cartaz no Teatro Poeira, em Botafogo, até 25 de outubro.

O aniversariante Martins Pena
Luís Carlos Martins Pena nasceu no Rio de Janeiro em 5 de novembro de 1815 e, tendo ficado órfão de pai e de mãe ainda muito criança, foi educado por tutores. No início dos anos 30 do século XIX, ele frequentava a Academia de Belas Artes. Lá ele convivia com outros nomes que depois ficaram também conhecidos como inauguradores do romantismo brasileiro na literatura. Em 1838, o Theatro Constitucional Fluminense (onde hoje fica o Teatro João Caetano) abriu, pela primeira vez, sua programação para duas peças nacionais. O drama “Antônio José ou O Poeta e a Inquisição”, de Gonçalves de Magalhães, foi encenada no dia 13 de março. A comédia “O Juiz da Roça” (escrita cinco anos antes e depois chamada de “O Juiz de Paz na Roça”), de Martins Pena, em 4 de outubro. As duas foram produzidas pela Companhia Dramática Nacional, grupo constituído em 1833, totalmente integrado por atores brasileiros pagos com salários fixos pelo governo. João Caetano, o mais célebre ator nacional do período, estava no elenco de ambas.

Ao longo de sua curta vida, Martins Pena escreveu 28 peças, entre comédias e dramas, embora nas primeiras ele tenha feito mais sucesso. Aos trinta anos, foi enviado a Londres como funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Lá ele contraiu tuberculose, falecendo em Portugal quando estava a caminho do Brasil.

O texto de “O Pena Carioca”
Em “A família e a festa na roça”, o fazendeiro Domingos João prometeu sua filha Quitéria a Antônio do Pau d’Alho, feio e fedorento, mas ótimo partido. Ela, porém, está apaixonada por Juca, um estudante de medicina na corte, com quem trama o imbróglio capaz de virar a história em seu favor. Encenada pela primeira vez e em 1º de setembro de 1840, a peça teve uma montagem célebre na celebração dos cem anos do falecimento do autor, em 1948. Dirigida por Dulcina de Moraes, a produção trazia Bibi Ferreira no papel da filha e seu pai, o ator Procópio Ferreira, no de Pau d’Alho. A relação entre os intérpretes era, para o público, um motivo a mais para não se torcer pelo casamento entre os personagens.

“O caixeiro da taverna” narra a história do ambicioso Manuel, um português funcionário de uma taverna que é a principal herança da Viúva Pereira, com ele quer se casar. Ocorre que Manuel já é casado com a costureira Deolinda, de maneira que seus intentos, para se realizarem, precisam vencer vários engraçados desafios. Denunciando o comércio varejista da corte, a peça estreou em 15 de julho de 1845, tendo sido escrita no mesmo ano.

“O judas em sábado de aleluia” começa com o diálogo entre as irmãs Maricota e Chiquinha, filhas do Cabo José Pimenta, da Guarda Nacional. Enquanto a primeira se corresponde com vários homens da cidade, prometendo-se em casamento para alguns deles, a segunda é mais tímida e reprova o comportamento da irmã. Ao longo da narrativa, Faustino, um dos pretendentes de Maricota, toma o lugar de judas, boneco feito para ser espancado na véspera da páscoa. Sem querer, ele acaba descobrindo tramoias do Cabo e outros oficiais, bem como a verdade quem mais merece seu coração. A primeira montagem da peça estreou em 19 de novembro de 1844. Em 1953, o texto foi produzido pelo recém criado grupo Teatro de Arena de São Paulo com direção de Sérgio Brito e com Eva Wilma e John Herbert nos papéis de Chiquinha e Faustino.

Na dramaturgia de “O Pena Carioca”, frases retiradas das outras 25 peças de Martins Pena fazem articulação entre as histórias. Elas revelam o compromisso da Cia Atores de Laura em, antes de tudo, celebrar o aniversariante. Aplausos!

A farsa encenada por Daniel Herz
A direção de Daniel Herz investe na farsa, gênero consagrado como o que melhor lê as comédias de Martins Pena. Com os rostos pintados de branco, movimentos quase sem triangulação, entradas e saídas rápidas e quase sem nenhum cenário, a cena é ágil. Na tradição celebrizada pelas montagens de Moliére, essas características apontam para o foco nas reviravoltas do enredo. Elas são capazes de sugerir a crítica social e fazer o público rir de si mesmo. Com inteligência, Herz não “inventa a roda” e apresenta, através do seu elenco, intenso trabalho de pesquisa corporal e ótimas curvas narrativas no interior de cada quadro e no todo do espetáculo.

Formado por Luiz André Alvim, Marcio Fonseca, Gabriela Rosas, Anderson Mello, Leandro Castilho, Ana Paula Secco e de Paulo Hamilton, o elenco tem ótimos trabalhos. Secco e Hamilton se destacam pelo modo como, aproveitando pequenas oportunidades, fazem seus personagens alçarem maiores importâncias. É vibrante!

O figurino de Antônio Guedes atinge o tom açucarado pela justaposição de estampas de maneira interessante. A iluminação de Aurélio de Simoni e a trilha sonora de Leandro Castilho tem positivas participações porque modestas. A direção de movimento de Duda Maia oferece ao todo excelente contribuição principalmente na evolução das cenas da primeira história.

O excelente cenário de Fernando Mello da Costa
De todos os elementos, o cenário de Fernando Mello da Costa é talvez o aspecto mais emocionante do conjunto. Ao redor da cena, vários figurinos de personagens das peças de Martins Pena estão postos em cabides como que a espera de entrarem em cena. Eles também podem representar a cidade e a roça daquele Brasil de primeira metade do XIX, tão complexo como o de hoje, que o autor retratou. São também espelho para a plateia, sentada no lado oposto, que, de alguma forma, também se encontra nas comédias encenadas e se diverte. Excelente!

Chamado de “Moliére Brasileiro”, Martins Pena merece ser reverenciado com mais produções tão cheias de méritos como “O Pena Carioca”. É correr para aplaudir.

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Ficha técnica
Texto: Martins Pena
Direção: Daniel Herz
Elenco: Ana Paula Secco, Anderson Mello, Gabriela Rosas, Leandro Castilho, Luiz André Alvim, Marcio Fonseca e Paulo Hamilton
Iluminação: Aurélio de Simoni
Cenário: Fernando Mello da Costa
Figurino: Antonio Guedes
Trilha sonora original: Leandro Castilho
Direção de Movimento: Duda Maia
Projeto Gráfico: Maurício Grecco
Direção de Produção: Renata Campos
Consultoria Psicanalítica: Evelyn Disitzer
Assistente de Direção: Tiago Herz
Assistente de Produção: Thaisa Areia
Assessoria de Imprensa: MNiemeyer
Fotos de Divulgação: Paula Kossatz
Assistente de Figurino: Renata Mota
Direção Artística da Cia Atores de Laura: Daniel Herz
Realização: Cia Atores de Laura