segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Abajur lilás (RJ)


Foto: divulgação

Andrezza Bittencourt, Eber Inácio, Larissa Siqueira, Higor Campanaro e Laura Nielsen


Muito Renato Carrera pra pouco Plínio Marcos?

A nova montagem de “Abajur lilás” surge para celebrar os 80 anos do nascimento do dramaturgo santista Plínio Marcos (1935-1999), mas dele pouco se vê. Dirigida por Renato Carrera, a montagem apresenta um quadro estético completamente oposto à obra do dramaturgo estranhamente. Dentro do que parece ter sido a proposta, as interpretações de Andreza Bittencourt, Eber Inácio, Laura Nielsen e principalmente de Larissa Siqueira estão ótimas. No entanto, todas elas, assim como o cenário, o figurino e a trilha sonora, pairam independente do dramaturgo homenageado. Em cartaz no Teatro I do Sesc Tijuca, parece ter havido muito Renato Carrera pra pouco Plínio Marcos, embora seja consenso de que esse último é bem maior.

O realismo de Plínio Marcos
“Abajur lilás” foi escrito em 1969, alguns meses depois da emissão do Ato Institucional número 5, que deu início aos piores anos da ditadura militar no Brasil. Com produção de Paulo Goulart e com Nicette Bruno e Walderez de Barros no elenco, o espetáculo foi proibido pela censura. Naquele período, já haviam sido montados os textos “Dois perdidos numa noite suja” (1966)), “Navalha na carne (1967), “Quando as máquinas param” (1967) e “Homens de papel” (1967) do mesmo autor. Todos eles enfrentaram enormes barreiras com a censura.

Em 1975, a partir da liberação do texto, Antônio Abujamra liderou outra tentativa de montagem, dessa vez, com Lima Duarte e, de novo, com Walderez de Barros, no elenco. Apresentada aos censores no dia do ensaio geral, a produção foi novamente proibida, levando à bancarrota os investimentos na realização. O ato foi motivo de célebres protestos na classe teatral.  “Abajur lilás” só foi, enfim, produzido em 1980. Fauzi Arap dirigiu a primeira montagem que ganhou, naquele ano, o Prêmio Molière de Melhor Atriz (Walderez de Barros) e o Troféu Especial (Plínio Marcos).

Toda a peça se passa em um quarto do prostíbulo de Giro, ocupado pelas prostitutas Dilma e Célia. A história começa com a entrada dele, reclamando do baixo retorno financeiro de ambas “funcionárias”: a primeira recebeu oito clientes e a segunda cinco. Além disso, ele alega ter encontrado escarro de sangue na pia, o que revela que uma das duas está com tuberculose. A partir daí, começam, na dramaturgia, os conflitos capazes de aproximar e de distanciar os personagens entre si. A história evolui com a entrada de Leninha, uma terceira prostituta, que passa a morar com as anteriores. A quebra de um abajur e a destruição do quarto são outros acontecimentos que também definem o lugar da audiência. Isto porque o público tem acesso a informações sobre fatos aos quais nem todos os personagens têm. Diante deles, público e personagens, assim, se revelam a partir de suas posições.

O enorme investimento do autor no realismo justificou os problemas enfrentados com a censura federal. “Abajur lilás”, como os demais textos, não tem simbolismo, não faz alegorias, não se desenvolve no campo da forma. A única metáfora existente no texto é o próprio texto em relação à situação brasileira principalmente daquele período histórico. Temas como a tortura brasileira, as relações de classe e o esvaziamento das ideologias, entre vários outros, são propostos de forma clara. Cheios de complexidade, em uma situação na qual os personagens e o ambiente onde vivem se misturam, as figuras de Plínio Marcos expõem um tipo de humanidade que agride, emociona, mas principalmente toca. Eis um texto de primeiríssima grandeza!

O “Abajur lilás” de Renato Carrera
A direção de Renato Carrera passa por cima de toda a complexidade dos personagens, apaga suas sutilezas, agride pela forma e se exime de conteúdo. Na primeira parte de seu “Abajur lilás”, todos os personagens são apresentados a partir de partituras corporais fixas, movimentos de voz melódicos e ausências de ação e reação. Ao longo da peça, as cenas evoluem de menos a mais gritos, de cenas de nudez tão belas quanto vazias e de agressões que levam a qualquer lugar diferente de onde já se estava. Em todos os aspectos, a peça faz da agressão um motivo estético completamente deslocado da questão política que Plínio Marcos havia bebido de Buñuel, Rosselini, Nelson Pereira dos Santos e de Glauber Rocha.

As interpretações de Andreza Bittencourt (Dilma), Eber Inácio (Giro) e de Laura Nielsen (Leninha) são ótimas se se considerarem as amarras da concepção de direção. Se não, não se encontrarão nelas quaisquer curvas narrativas, nem tampouco sutilezas que possam dar a ver traços de maternidade, de lirismo ou de ardilosidade. Larissa Siqueira, em sua interpretação de Célia, talvez tenha sido privilegiada pela raiva desmedida de sua personagem, cuja força move a narrativa. Ela é a única cujas ações, em alguns momentos, não parecem estar deslocadas da cena. Higor Campanaro, nem de longe, é o carrasco Oswaldo do texto na encenação.

A iluminação de Renato Machado, mas principalmente o cenário de André Sanches, o figurino de Flavio Souza e a direção musical de Alexandre Elias fazem desse “Abajur lilás” outra peça que não é a que Plínio Marcos escreveu. Nesse sentido, porque coerente com a proposta, podem ser considerados positivos. Em todos os seus aspectos, esses elementos gritam uma teatralidade romântica, idealizada e vazia que não encontram eco nesses diálogos estranhamente mantidos com fidelidade. As paredes feitas de telha e a cama de ferro, pedaços de figurino vestidos e maquiagem brilhante, bem como  cravos e trilhas melodramáticas justificam essa avaliação.

Uma pena!
Produzida pela VIL Cia., essa montagem de “Abajur lilás” se esforça em mostrar um talento do qual nunca se duvidou. E se perde negativamente, ficando na metade entre uma versão alternativa e uma homenagem fiel ao aniversariante Plínio Marcos. É uma pena!

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FICHA TÉCNICA

Texto: Plínio Marcos
Direção: Renato Carrera
Assistente de Direção: Joana Cabral
Elenco: Andreza Bittencourt, Laura Nielsen, Larissa Siqueira, Higor Campagnaro e Eber Inácio
Iluminação: Renato Machado
Direção musical: Alexandre Elias
Cenário: André Sanches
Assistente de cenografia: Débora Cancio
Figurino: Flavio Souza
Preparação Corporal: Felipe Koury
Designer Gráfico: Mario Alberto
Idealização: Andreza Bittencourt e Renato Carrera
Produção: Conexão Center e Consultoria LTDA e VIL CIA.
Realização: SESC Rio, Conexão Center e Consultoria LTDA e VIL CIA.
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany