domingo, 20 de outubro de 2013

O dragão dourado (RJ)

Elenco de "O dragão dourado" em cena
Foto: Heiner Miranda

Desafinado

Pensando no texto, “O dragão dourado” pode fazer dupla com “O Cortiço”, romance de Aluísio Azevedo; e com “Delicatessen”, filme francês de Jean-Pierre Jeunet e de Marc Caro. Em contexto, está uma verve cômica do realismo naturalismo: os ambientes vistos de forma orgânica, como um imenso ecossistema onde os “bichos” agem por instinto, sem moral, sem ética, sem valores de positivo e de negativo, o que olha para o ser humano a partir de um ponto de vista que é interessante pela ótica da realização de suas vontades. A peça dirigida por Ole Erdmann, a partir de texto de Roland Schimmelpfenig, no entanto, está muito longe tanto disso, como de qualquer outra coisa, simplesmente porque nela não há qualquer coerência, como também há ausência consciente de coerência, o que indicaria um sentido. No palco da La Paz, na Lapa, zona central do Rio de Janeiro, a peça reúne signos muito diferentes, opostos, de forma a construir algo sem forma e, por isso, muito ruim infelizmente. 

No andar térreo de um edifício, há um restaurante de comida oriental chamado “O dragão dourado”. Em sua cozinha, um grupo de chineses estão às voltas com os pedidos, também preocupados com a forte dor de dente de um deles, o menor, que vem se estendendo há dias. Nos andares superiores, nos apartamentos, os moradores estão em seus conflitos pessoais e o texto sugere uma relação rítmica entre esses fatos e os que acontecem no andar de baixo. Sem qualquer relação de causa e de consequência, a liga que justapõe os diversos pequenos ambientes e o que acontecem neles é apenas temporal, isto é, a organicidade do prédio está em seu conservar de ações isoladas, mas que dão a ver um todo. Aí está o realismo naturalismo: o sufocamento (que é sentido pelo público, mas vivenciado pelos personagens) chama a atenção da fruição para os personagens que aparecem e desaparecem, resolvendo seus problemas de forma imediatista, sem reflexão, mas que, no contexto do todo, fazem sentido ou poderiam fazê-lo. É uma pena que o texto não tenha tido boa transposição para o palco. 

“O dragão dourado”, a peça, não tem ritmo consistente, as interpretações são sofríveis, o desenho de iluminação é terrível. Erdmann justapôs sangue com marcas de realidade (um líquido vermelho na boca da atriz que interpreta o chinês menor) e sangue expresso com um tecido vermelho segurado próximo do nariz da atriz como se ambos os signos utilizados fossem a mesma coisa, isso para exemplificar apenas um problema da ordem da linguagem. O líquido vermelho e o tecido da mesma cor se referem ao mesmo “sangue”, mas, na arte, vinculam a obra teatral a lugares diferentes, porque requerem do espectador um comportamento diferente (o líquido é um signo icônico, o tecido um signo simbólico). Homens interpretando mulheres prejudicam o realismo, a base do realismo naturalismo, quando a justificativa não está clara como aqui é o caso. E, ainda dentro da direção, o espetáculo é sem coesão interna, começando com exercícios de metateatro – em que o ator interpreta o personagem, mas também o próprio ator – mas abandonando-os, porque os entraves do ritmo assim parecem leva-lo a fazê-lo. (Enquanto atuam, no início da peça, os atores dividem suas frases com expressões como “pausa” ou “pausa curta”, quebrando a contracena para dirigirem-se ao público, estabelecendo um jogo de personagem e de ator rapsodo que é fatigante para o intérprete e muito mais para o público.) Ao longo de mais de cem minutos, “O dragão dourado” não cria nenhuma oportunidade de se estabelecer enquanto uma estrutura coesa infelizmente. 

Os trabalhos de interpretação de Genilda Maria e de Michelle Guimarães são péssimos. Sem ritmo, temos a impressão de que as atrizes precisam se lembrar das marcas para poderem executá-las, além dos personagens, todos eles, serem apresentados de forma superficial, farsesca, rasa. Ricardo Ricco está apagado em cena enquanto Matheus Silvestre parece interpretar o mesmo personagem várias vezes (as duas mulheres são iguais), variando apenas no sutil tom de voz as algumas diferenças. Vinícius Saramago é quem tem o único trabalho gracioso do elenco, essa sensação desperta pela personagem da Cigarra, cujo conflito parece ser o melhor entre os expostos na narrativa. 

Os figurinos de Flávia Cassiano atendem bem à peça embora sem destaque. O cenário de Anderson Dias cria um labirinto interessante de espaços que, infelizmente, não são bem usados pela direção e, menos ainda, pela concepção de luz, essa o pior recurso desse espetáculo cênico. Orlando Schaider deixa personagens no escuro quando precisam ser vistos em seus apartamentos, cria uma luz forte demais para o interior intimista de um restaurante e expõe um desenho ilustrativo para o que acontece na cozinha dele. 

Reconhece-se que o “O dragão dourado” é uma peça difícil para ser interpretada por um elenco pouco numeroso em um espaço não muito privilegiado como o é o La Paz. As dificuldades da enorme variedade de personagens, desfilando por um cenário cheio de degraus sob um desenho de luz cambaleante, são cada vez maiores na medida em que o ritmo da dramaturgia necessita de mais envolvimento. Nesse sentido, mais responsável é a direção pelo ausência de um conceito que desse conta, pelo menos, de coerência semântica. Uma pena. 

*

Ficha Técnica
Texto - Roland Schimmelpfenig
Direção - Ole Erdmann
Elenco - Genilda Maria, Matheus Silvestre, Michelle Guimarães, Ricardo Ricco, Vinícius Saramago
Assistente de Direção - Roberta Rodrigues
Produção - Matheus Silvestre
Assistente de Produção - Layla Fassarella
Iluminação - Orlando Schaider
Cenário - Anderson Dias
Figurino - Flavia Cassiano
Trilha Sonora - Tauã de Lorena e Laura Lenzi
Adereços - Johnny de Souza Farias
Design Gráfico - Iuli Vieira
Fotógrafo - Gustavo Otero
Realização - Teatro O Grupo
Assessoria de Imprensa - Minas de Ideias
Casting - Matheus Silvestre
Preparação Corporal - Mari Alvarenga

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bem-vindo!