terça-feira, 15 de outubro de 2013

A outra cidade (RJ)

Excelente direção de arte de Rui Cortez
Foto: divulgação

No futuro, saberemos

Se “A outra cidade” for realmente um bom espetáculo, só saberemos no futuro, pois creio que faltam agora fontes suficientes para embasar tal avaliação. Essa é, assim, uma das belezas da arte contemporânea: nem tudo pode ser plenamente analisado no momento da produção, pois há marcas que só ficarão claras em outro tempo. Escrito e dirigido por Pedro Brício, o espetáculo paira estranho no palco do Centro Cultural do Rio de Janeiro, criando lugares para imediatamente desfazer-se deles. Na trama, que se passa no sul da América do Sul, um garoto de 14 anos cria histórias de frente para o mar. Ele, cuja mãe faleceu na ocasião do seu nascimento, é obcecado pelo fim do mundo e agora aguarda um tsunami que está para chegar e arrasar toda a cidade. Tratado como fantasia depressiva do protagonista primeiramente, pois ninguém acredita que o tal tsunami de fato chegará, esse “lugar” que situa o personagem como um visionário logo é quebrado: de fato, vem o tsunami. Ou seja, a crença dele, que fazia com que o espectador o visse como alguém afetivamente ligado à morte, não era apenas crença, mas certeza. Comemorando os dez anos da Zeppelin Cia, esse espetáculo requer do espectador uma constante quebra de paradigma, embora não se aproxime do teatro do absurdo por apresentar referências de lugar e de tempo muito fortes. Divergente sem ser pós-dramático, “A outra cidade” tem difícil análise e difícil fruição e, talvez porque convide ao desafio, valha a pena ser visto. 

Ariela (Ludmila Rosa), cujo espírito vemos, é a mãe de Valentin (Bernardo Marinho) e de Augustino (Sérgio Módena). Pela forma como seus diálogos com o filho mais novo se dão a ver na estrutura dramática, é o espectador levado a crer que se trata de mais uma imaginação de Valentin. Não o é, pois Mercedes (Erica Migon), irmã de Ariela e atual namorada de César (Sávio Moll), viúvo de Ariela, também vê a falecida. Não sabemos onde foram parar as fotos de Ariela, há um guarda roupa na areia da praia sem que sua origem e destino sejam revelados e, por aí, vários contextos se abrem, mas não se fecham e tampouco se relacionam os demais. 

Nas conversas com o espírito da mãe, Valentin quer muito saber para onde vão os mortos quando não mais vivos, enquanto a mãe deseja que o filho pare de pensar nela, já que essas lembranças machucam a sua alma. A relação entre esses dois objetivos é forte e potente, mas parece não ter sido o bastante para a dramaturgia de Brício. Em “A outra cidade”, esse diálogo divide lugar com a frustração de César e de Mercedes: ele largou as aulas de filosofia que lecionava para trabalhar em uma loja de sapatos e ela quer que seu relacionamento seja oficializado por César. Na casa, Augustino e sua noiva Pepeliz (Branca Messina) estão às portas do casamento, com apenas um resquício de sugestão de que algo talvez não vá bem entre eles. E, assim, como os personagens mal podem influir dentro de seu próprio núcleo, quanto menos nos demais, não há uma história que realmente se manifeste enquanto uma estrutura sólida e que dê conta do todo de “A outra cidade”. Por esse não aprofundar de trato e por essa falta de sugestão de hierarquia e articulação narrativa, a peça entrega para o espectador a responsabilidade pelo sentido, embora finque-se em lugar de contadora de história, cheia de informações divergentes. 

A direção de Pedro Brício tampouco é clara. O ritmo da comédia, sobretudo em Migon, em Messina e em Celso André (ele em personagem menores) não encontra lugar à vontade na história de Ariela, que morreu de câncer; de Valentin, que não conheceu a mãe; de César, que não sabe o que fazer da vida. Assim, nem ri-se em alguns momentos, nem chora-se em outros, e nenhum dos dois lados aponta para algum tipo de humor negro que poderia melhor embasar a concepção. Estão em bons trabalhos Bernardo Marinho, Sávio Moll e é possível identificar a boa contribuição de Celso André na diversidade de seus personagens. No entanto, Branca Messina e Ludmila Rosa trazem participações fracas, sem carisma, com falas verbais e gestuais sem vida e nem cor. 

O maior ponto positivo de “A outra cidade” é a belíssima direção de arte de Rui Cortez. Os figurinos estão excelentes em ótimo casamento com o cenário tanto no chão e na rotunda, como na escolha dos móveis e na dupla com o desenho de iluminação de Tomás Ribas. A marca atemporal, em que o verde marinho colore a cidade litorânea prestes a desaparecer e também as lembranças da ditadura sul-latino-americana, é vista tanto nos trajes masculinos como na diferente composição das roupas femininas. O conjunto faz pensar sobre o valor não completamente visto, mas, quem sabe, imanente nesse espetáculo de Pedro Brício. Esperemos! 

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FICHA TÉCNICA
Texto e Direção: Pedro Brício
Elenco: Bernardo Marinho, Branca Messina, Celso André, Erica Migon, Ludmila Rosa, Sávio Moll e Sergio Módena
Direção de Arte, Cenário e Figurino: Rui Cortez
Iluminação: Tomás Ribas
Música: Felipe Storino
Programação visual: Alcinoo Giandinotto
Direção de Produção e Administração: Carla Mullulo
Produção: Carla Mullulo e Sábado Produções Artísticas
Realização: Zeppelin Cia
Patrocínio: Banco do Brasil
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil

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