Stela Maria Rodrigues é atriz convidada para viver a personagem Sra. Conway |
Um clássico com exuberantes interpretações
Duas, entre tantas, são as contribuições de J. B. Priestley (1894-1984), autor de “O tempo e os Conways”, para o público de hoje: uma reflexão sobre elegância e a aristocracia e um posicionamento diante de uma lógica de causa e de consequência. Em cartaz no Teatro da Casa da Gávea, a peça dirigida por Vera Fajardo positivamente se curva diante dessas sugestões com humildade e com sabedoria. Trata-se de um drama neorrealista, escrito em 1937 na Inglaterra, em que uma das cenas se passa em 1937 na Inglaterra. Ou seja, as roupas usadas em cena eram as mesmas roupas usadas na plateia. No palco, estavam os pensamentos que povoavam as cabeças da audiência. O iminente fim do período entre-guerras, a ascensão do comunismo na Rússia, a quebra da bolsa de Nova Iorque anos antes, as discussões sobre massa, liberalismo, cultura e identidade, a arte de vanguarda se propondo a não ter outra função que não apenas existir: a sociedade ocidental estava prestes a sofrer um colapso. No cinema, Visconti e Rosselini começam a viabilizar uma narrativa cujo protagonista é o tempo, seguindo o caminho de Virgínia Woolf na literatura. O fluxo de consciência que corre de forma inconsciente concretiza esse tempo. Eis aí o contexto mundial em que nasceu esse clássico imperdível da literatura britânica e do teatro mundial que agora está em cartaz na zona sul do Rio de Janeiro. Stela Maria Rodrigues, Julia Fajardo e Johnny Massaro estão exuberantes em suas interpretações na peça que tem, também, um primoroso cenário de Mirella Maniaci e trilha sonora da diretora e de Kaleba Villela.
Como todo bom clássico, “O tempo e os Conways” não carece de muitas apresentações. Em um primeiro momento, a família (mãe e seis filhos) está reunida no auge de sua juventude, esperança e de sua felicidade. A primeira guerra havia acabado há pouco e as pessoas voltavam para suas casas. No aniversário de Kay, todos se juntam a amigos e a parentes e fazem jogos cênicos (charadas), além de dançar, cantar e imaginar um futuro glorioso. Em um segundo momento, dezenove anos depois, Kay faz aniversário de 40 anos, mas a comemoração é bem diferente. Já adultos, todos os irmãos manifestam a dureza que o tempo lhes trouxe. Mais velha, a mãe sente-se mais livre para dizer o que pensa sobre cada um. Com esse movimento, Priestley constrói epicamente uma sociedade para, em seguida, destruí-la. Ou evidenciar as fracas estruturas que fizeram com que ela se destruísse sozinha tal qual castelos de areia. Em cena, a Inglaterra de 1937 tem como Rei o gago George VI que subiu ao trono depois que Eduardo VIII abdicou da coroa para casar-se com a divorciada norte-americana Wallis Simpson. A aristocracia engolia um “sapo” quase tão grande quanto suas forças, o que, na peça, acontece através da cena em que a gloriosa Sra. Conway pede dinheiro emprestado ao jovem rico (e sem classe) Ernest Beevers.
Por outro lado, “O tempo e os Conways” sugere uma reflexão acerca do provérbio “plantam-se ventos, colhem-se tempestades”. Não acompanhados de atos, os sonhos da juventude não se realizam na maturidade, o que expressa uma visão funcional e tecnicista da sociedade. Em termos estéticos, “O tempo e os Conways” não tem protagonista, mas se viabiliza através de uma chave por onde a peça deve ser olhada: a jornalista e escritora Kay Conway (Julia Fajardo), que assiste inerte aos acontecimentos. É nela que Priestley estabelece sua crítica à passividade.
Cada um dos outros personagens representa simbolicamente um ponto de conflito que estrutura a obra como um todo. Extremamente emocional, Robin (Johnny Massaro) está no exato oposto de Madge (Mariela Figueredo), bastante racional. A mesma oposição se vê entre o desapego estético de Alan (Igor Vargas) e a futilidade de Hazel (Camila Moreira). Partes desse “esquema”, a Mãe (Stela Maria Rodrigues) que centraliza os personagens, Carol (Thaís Müller) cuja alegria não dura e os contrapontos de Joan Helford (o melodrama, Maria Ana Caixe), Gerald Thorton (o capitalismo, Pedro Logän) e Ernest Beevers (a burguesia, Marcel Pierrotti) que fazem a história seguir adiante. Com interpretações adequadas de Pierrotti, Vargas e Müller, a peça encontra seus piores momentos em Moreira, Logän, Figueredo e Caixe, esses últimos ou apagados demais ou gritões demais em seus tons monocordes e em alguns momentos nada bem aproveitados. O melhor da encenação está em Rodrigues, Fajardo e Massaro: os olhos nunca estão ausentes, as atuações permanecem mesmo quando não há falas, os tempos são precisos, os tons vibrantes, a verossimilhança dada a ver nas ações e nas reações.
Positivas também são as concepções de figurino de Paula Accioli que, assim como o excelente cenário de Mirella Maniaci, constroem espaço ideal para o fluxo da trama realista correr solta em termos de articulada caracterização. Igualmente positiva é a discreta, e por isso providencial, iluminação de Paulo César de Medeiros e a trilha sonora de Vera Fajardo e de Kaleba Villela, este último o instrumentista que interpreta ao vivo as canções que se ouve na peça. Apesar do negativo trabalho de interpretação de parte do elenco, Vera Fajardo tem boa direção, visto o desafio em parte alcançado de fazer atores tão jovens interpretarem personagens que, num determinado momento, carecem de tão grande profundidade.
Introduzir um clássico do teatro em uma época tão sedenta por novidade é mérito sobretudo quando o projeto é rico em detalhes, cuidadosa manifestação e resultados positivos. “O tempo e os Conways”, sem dúvida, abrilhanta e engrandece a programação do teatro carioca. A ver!
Ficha Técnica: Autor: J. B. Priestley
Direção: Vera Fajardo
Tradução e orientação teórica: Renato Icarahy
Elenco:
Camila Moreira (Hazel)
Igor Vogas (Alan)
Johnny Massaro (Robin)
Julia Fajardo (Kay)
Marcéu Pierrotti (Ernest Beevers)
Maria Ana Caixe (Joan Helford)
Mariela Figueredo (Madge)
Pedro Logän (Gerald Thorton)
Thais Müller (Carol).
Atriz Convidada Stella Maria Rodrigues (Srª Conway)
Atriz Substituta Luísa Bruno
Assistente de direção: Juliana Betti
Iluminador: Paulo Medeiros
Cenografia: Mirella Maniaci
Figurino: Paula Accioli
Direção de Movimento:Duda Maia
Versões para “Over There” (George M. Cohan) e “I’ll Follow My Secret Heart” (Noël Coward): Claudio Botelho
Visagista: Marina Beltrão
Tilha Sonora: Vera Fajardo e Kaleba Villela
Prep. Vocal/Teclado: Kaleba Villela
Projeto Gráfico: Márcia Cabral
Fotografia: Guga Melgar
Assessoria de Imprensa: Bia Sampaio (BriefCom Comunicação)
Produção Executiva: Mariana Borgerth
Direção de Produção: Andréia Fernandes e Lya Baptista
Produtor Associado: José Mayer
Realização: Sesc Casa da Gávea
Patrocínio:
Petrobras e Secretaria Estadual de Cultura
Lei Estadual de Incentivo à Cultura
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