segunda-feira, 20 de maio de 2013

Do tamanho do mundo (RJ)

Dirigido por Jefferson Miranda, Mateus Solano
interpreta o protagonista Arnaldo
Foto: divulgação

A excelente estreia de Paula Braun: o banho de Anita Ekberg

Paula Braun estreia como dramaturga em grande estilo. “Do tamanho do mundo”, espetáculo em cartaz no Teatro Tom Jobim, é o seu primeiro texto e, com muita elegância, traz para a grade teatral carioca diálogos que remetem diretamente à segunda fase de Federico Fellini (1920 – 1993), o cineasta italiano autor de pérolas como “La Dolce Vita” e “8 ½”. A comparação vem da dialética que as forças narrativas estabelecem. De um lado, os diálogos são de um blá-blá-blá banal regado à álcool, tortas de aniversário e à serpentinas de carnaval. De outro, uma situação inusitada: um homem acorda numa manhã sem conseguir mexer as pernas, sem lembrar como se amarram os sapatos, se gosta ou não do trabalho, quem é ele próprio. Na base disso tudo, está uma crítica ferrenha à rotina aprisionante que faz com que as coisas, sejam elas de alto ou de baixo nível, percam o sentido e pareçam deixar de existir. A produção marca a volta aos palcos do ator Mateus Solano, depois de três anos se dedicando integralmente ao cinema e à televisão. Com belíssimo cenário de Cristina Novaes, a peça dirigida com sensibilidade por Jefferson Miranda é não menos que excelente. 

O trabalho de interpretação do conjunto de atores e de cada um é maravilhoso. Solano interpreta Arnaldo, o protagonista, que joga para o mundo a sua volta um outro olhar, um olhar novo, um ponto de vista já esquecido. Seu entorno continua do mesmo jeito que no dia anterior, mas Arnaldo já não é o mais o mesmo e as expectativas alheias sobre ele parecem ter um peso ainda maior. O carismático Solano confere positiva e inteligentemente a Arnaldo uma leveza e uma graça que lhes são próprias enquanto intérprete desde os tempos de “Dois para viagem” (de Jô Bilac). Sem elas, a construção seria trágica e pesaria tal qual uma âncora na frivolidade consciente dos diálogos de Braun. Nesse sentido, o mérito é triplo: do ator, do casting e da direção. A mesma regra se aplica aos demais narradores. Karine Teles dá vida à Marta, esposa de Arnaldo, o olhar do outro sobre o protagonista. Actancialmente, Marta é quem concretiza a ordem, a moral, os costumes, o peso, as mordaças da vida social e afetiva. Com muita sensibilidade, em um dos melhores momentos da encenação, ela acaricia vagarosamente o marido, em uma pausa de silêncio absoluto da audiência, como que se tirasse dele as algemas que até então ele vestia. Tal qual Winnie de Beckett, Marta está enterrada, mas não sabe porque e isso nunca foi um problema pra ela. Eis a chave que permite reconhecer em Teles tamanho brilhantismo em seu trabalho como atriz nesse espetáculo. Em seguida, vem Isabel Cavalcanti na figura da Tia Lila, estabelecendo o contraponto com Marta. O interessante da inserção dessa personagem está no fato de que, embora Marta e Lila conversem pouco, a boa fruição percebe que há um diálogo continuo entre elas, uma cumplicidade que alivia Marta de seu hermetismo e dá chão para Lila em sua volatilidade. Por fim, Alcemar Vieira interpreta o personagem mais difícil, mais desafiador da narrativa: o Apresentador. Sua função é inglória: ele é câmera de Fellini que faz com que os encontros da Via Veneto ou um banho na Fontana di Trevi se perpetuem para sempre. É o Apresentador quem chama a atenção do público para o que está acontecendo ali, dando ares de espetacularidade, para um sábado de carnaval que poderia passar como todos os outros. Na medida (lembrando que, para Platão, medida não é quantidade, mas o limite dela), Vieira caminha com habilidade entre a banalidade e o peso com ardilosa malícia, o que, paulatinamente, há de apresentar a verdadeira identidade do seu personagem depois de ter apresentado os personagens dos outros. Jefferson Miranda deixa ver uma direção delicada, sensível, que permite o jogo sonoro de muita conversa que, depois, há de fazer valorizar o silêncio. As regras do real além da narrativa são mantidas na encenação, preservando a verossimilhança do drama quase realista fantástico. O ritmo é vibrante quando há movimento e mais vibrante ainda quando há estagnação, de forma que é, na passagem de um momento para o outro, que a peça se aproxima do público e a catarse ganha chance de surgir positivamente. 

Todos os elementos outros tornados teatrais são de extrema beleza e têm usos bastante inteligentes. A casa e o jardim projetados por Cristina Novaes informam a respeito dos personagens, mas também servem à encenação na medida em que oferecem diferentes níveis para a narrativa, além de corroborar com a ratificação das regras do real. No mesmo sentido e com igual resultado positivo, agem os figurinos de Antônio Medeiros, cujo ponto alto é a segunda roupa do Apresentador. Com mesma elegância, percebem-se as concepções de iluminação de Felipe Lourenço e a direção musical de Felipe Storino. Em se tratando do trabalho deles, é possível lembrar da cena inicial de “La Dolce Vita”, em que um estátua de um Cristo passa por um terraço içada por um helicóptero enquanto duas moças tomam banho de sol. Uma delas diz: “Olhem, é Jesus!” Ou seja, as marcas de espetacularidade são todas deixadas para um personagem enquanto todos os demais elementos se unem no esforço de deixar ver o banal. 

Em “Do tamanho do mundo”, Paula Braun, solenemente, envia uma mensagem: apesar dos grilhões que a rotina pode sustentar sobre nós, há um mundo inteiro a ser conhecido lá fora. Basta jogar os dardos e ver onde eles cairão no mapa mundi. Tal qual o banho de Anita Ekberg, o vôo de Arnaldo pode ser inesquecível. 

*

FICHA TÉCNICA
Texto: Paula Braun
Direção: Jefferson Miranda 

Elenco / Personagens:
Mateus Solano / Arnaldo
Alcemar Vieira / Presenter
Karine Teles / Marta
Isabel Cavalcanti / Lila

Direção Musical: Felipe Storino
Luz: Felipe Lourenço
Cenário: Cristina Novaes
Figurino: Antônio Medeiros
Preparação Corporal: Toni Rodrigues
Design: Dan Strougo
Direção de Produção: Carlos Grun
Realização: Mateus Solano e Bem Legal Produções
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany

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