Projeto de "Emily" foi elaborado durante 25 anos pelo diretor Eduardo Wotzik |
Um bom cálice de lirismo no teatro carioca
“Emily” (The Belle of Amherst), de William Luce, é um monólogo interpretado por Analu Prestes e dirigido por Eduardo Wotzik sobre a poetisa norte-americana Emily Dickinson (1830-1886). Influenciada pela literatura neoclássica e romântica, que dividiam os leitores do sul dos Estados Unidos no miolo do século XIX, a escritora, que escreveu mais de 1800 textos, só foi realmente conhecida dos anos de 1950. (Houve uma publicação de seus poemas em 1890, mas sabe-se que nela os textos foram alterados.) O motivo é simples: de verve ora bucólica, ora romântica, Dickinson encontrou eco no período de expansão do “American Way of Life”, em meio à Guerra Fria, quando era interessante ao grande capital fazer com que o povo destinasse sua atenção para os melodramas de Douglas Sirk, a beleza de Marilyn Monroe e para as radionovelas latinas. Durante sua vida, o comportamento recluso da escritora, tido como excêntrico, não permitiu que ela gozasse no devido tempo do sucesso merecido. É, por isso, bem vindo o projeto que traz para o palco o Teatro Poeirinha, em Botafogo, o universo rural e simples das palavras dessa grande artista.
Dickinson está, para os leitores de língua portuguesa, ao lado de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), Manuel de Barros, Cecília Meireles, Mario Quintana e de Cora Coralina. Com versos simples, os temas bucólicos são desafiados pela ironia, vencendo o combate com rica sonoridade e rimas pobres, manifestando uma ausência de formalismo. No palco, Analu Prestes, celebrando 40 anos de carreira, estabelece uma ponte entre a artista e a sua arte sem positivamente levantar a bandeira da justificativa. Através do texto de Luce, Emily de Prestes conta a sua vida, fala de si e de seu universo, indicando os caminhos e os temas que podem ter sugerido os poemas escritos. Em termos cenicamente estéticos, o espetáculo convida para a atenção às coisas simples, à natureza, aos sentimentos mais puros, aos temas mais cotidianos. Fazendo referências aos símbolos sensoriais, há a valorização do cheiro (flores), do paladar (torta de melado), do tato (o pelo do cachorro), da audição (o canto dos passarinhos) e da visão (os funerais que passam diante de sua casa em direção ao cemitério que fica atrás de sua casa), o que expressa uma continuação dos ideais neoclássicos (no Brasil e em Portugal, árcades) que valorizavam o belo, o humano, a harmonia.
Analu Prestes é carismática e se utiliza da retórica de forma clara, afetiva, convidativa. Com movimentos simples, vestindo um belíssimo vestido branco (o figurino é de Rita Murtinho), ela circula em um cenário bucólico composto por uma árvore florida, um banco de madeira e um solo branco coberto de folhas (o cenário é da própria atriz e a iluminação é de Fernanda Mantovani). Nesse sentido, a direção de Eduardo Wotzik, assistido por Clarisse Derzie Luz e por Tatiana Muniz, corrobora com o universo sígnico do texto e faz da obra um lugar positivamente coeso e coerente.
“Emily” é capaz de emocionar, porque toca o ser humano no seu poder de sentir o mundo, também chamado de sentimentos. Com excelente interpretação e afinada direção, o quadro é uma bela e justa homenagem à poesia e à Srta. Dickinson, ambas fontes inesgotáveis de conteúdo e de sensações.
FICHA TÉCNICA
Autor: William Luce
Adaptação e texto final: Eduardo Wotzik
Direção e concepção: Eduardo Wotzik
Elenco: Analu Prestes
Trilha sonora: Paulo Francisco Paes
Direção de arte: Analu Prestes
Iluminação: Fernanda Mantovani
Programação visual: Fernanda Pinto
Assistente de direção: Clarisse Derziè e Tatiana Muniz
Produção executiva: Elaine Moreira
Produção e Assessoria de imprensa: Barata Comunicação
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