sábado, 18 de maio de 2013

A importância de ser perfeito (RJ)

Foto: Dalton Valério
Idealizado pelo ColetivoAchadoNumaMala,
o espetáculo tem texto de Oscar Wilde
e direção de Daniel Herz

O prazer de ver bom teatro!

Ver teatro bem feito é um prazer e assistir a “A importância de ser perfeito” tem o mérito de propiciar um desses momentos. Dirigido por Daniel Herz, do premiado “O filho eterno”, o espetáculo atualiza o gênero farsa que, no Brasil, geralmente só é visto do ponto de vista ou nordestino (Ariano Suassuna) ou interiorano (Martins Pena). A leveza da narrativa farsesca, além de propiciar excelentes níveis de profundidade, consegue, sem dúvida, atrair quem quer entretenimento, sim, mas feito de forma inteligente. Ali estão a crítica social, as situações cômicas, o deboche e a trama bem amarrada. Escrito em 1895 pelo irlandês Oscar Wilde (1854-1900), o texto é uma perigosa armadilha para o realismo psicológico, o expressionismo ou mesmo o melodrama. Por heroicamente ter resistido a todas essas tentações, Herz e seu grupo estão de parabéns. Elenco e ficha técnica oferecem uma ótima comédia à grade de programação teatral carioca no teatro da Caixa Cultural, no centro do Rio. 

Uma farsa de Oscar Wilde
A farsa, filha legítima da Commedia dell`Arte e mãe do vaudeville francês, parte de personagens bem rasos mas tem uma trama muito bem amarrada. É possível pensar que a concepção de Herz para “A importância de ser perfeito” fez com que a superficialidade inicial das figuras tenha deixado de ser apenas hermetismo estético e passou a ser também conteúdo. Ou seja, a força das aparências, que encontrava eco na sociedade vitoriana de Wilde, mas que hoje em dia é o seu próprio “grito”, não é aqui a apenas a situação dramática, mas o drama em si. Na tradução e adaptação de Leandro Soares, a utilização da palavra “Perfeito” é excelente, porque remete diretamente à importância fundamental de parecer em relação a não necessidade fiel de apenas ser. (No original, o adjetivo “earnest” – sério, correto, honesto, reto, justo – , por ser uma palavra homófona do substantivo próprio Ernest, dá nome para um dos personagens.) Não interessa, assim, o que você é ou com quem você está, mas o que você tem para mostrar. Em termos teóricos, a sociedade contemporânea, na era das redes sociais, concretiza afinal o que dizia os pensadores da linguagem, boa parte deles contemporâneos de Wilde, sobre a fenomenologia. O significado das coisas não advém do objeto, mas do objeto aparente que se apresenta à percepção do homem de forma singular e sempre apenas parcial. 

A trama é simples. Dois amigos se apaixonam por duas meninas ricas. Um deles (Agenor) tem nome, mas já não tem dinheiro. O outro (José) não tem nome, mas é o responsável/tutor por uma menina milionária (Cecília) até que ela complete a maioridade. É por essa menina que o primeiro se apaixona, enquanto o segundo quer a prima (Patrícia) do primeiro. O problema é que tanto uma quanto a outra almejam para si um pretendente que seja “perfeito”, a fim de que possam mostrar-se social e virtualmente com eles. Cobertos de frases de efeito, cujo conteúdo é reflexivo e cômico ao mesmo tempo, os diálogos explicam a fama que o texto obteve ao longo dos últimos cem anos em todo o mundo. 

Excelentes figurinos de Thanara Schönardie
A opção de fazer atores interpretar personagens femininos não faz felizmente menção específica à homossexualidade uma vez que, em determinada medida, todos os atores deixam ver construções um tanto quanto efeminadas. A intenção parece apenas ratificar a decisão de valorizar o superficial, a aparência e não o que está por baixo dela. A fleuma farsesca, que toma o lugar da máscara da Commedia dell`Arte, é positivamente destacada em todos os trabalhos. Em apresentação de estreia, é difícil apontar algum destaque no elenco, mas positivamente se nota uma unidade em excelentes desempenhos por parte de todos os intérpretes: Anderson Mello (Tia Augusta), George Sauma (Patrícia), João Pedro Zappa (Cecília), Leandro Castilho (José), Leandro Soares (Agenor), Márcio Fonseca (Dona Glorinha), Pedro Tomé (Pastor Saulo Malaquias) e Samuel Toledo (Felício e Ruas). Há bons usos da movimentação e do gestual, o texto é dito de forma clara e os tempos, que hão de se afinar ao longo das temporadas, já são bem usados desde agora. 

Apesar do trabalho de cada ator receber elogios merecidos, o ritmo geral da peça deixa a desejar em alguns momentos, fazendo com que o todo perca excelência. Para citar um caso, talvez o mais problemático deles, a cena final é arrastada infelizmente. Logo quando iniciam as negociações de casamento entre Agenor e Cecília, o público já sabe o que precisa ser feito para que José consinta com a união. O alargamento da trama é positiva quando causa tensão. Nesse momento, no entanto, causa tédio, o que é negativo. 

Thanara Schönardie mostra um excelente trabalho na concepção dos figurinos, como também Nello Marrese, esse assistido por Lorena Lima, na viabilização do cenário. Deixando de ser apenas função (vestir) ou caracterizar (narrar), as roupas expressam uma opinião, concordando com Wilde e com Herz na crítica debochada da sociedade atual. Marrese, por sua vez, participa pouco, mas de forma definitiva, criando um espaço ideal para a narrativa correr com beleza e com harmonia sem pesar mais do que deve. A direção musical (com música original) de Leandro Castilho age no mesmo sentido de Schönardie e de Marrese: colore, ilustra e critica, debocha, narra e diverte. É positivo também o desenho de luz de Aurélio de Simone que, coerente com a proposta, joga com luzes e com sombras, permitindo pensar nas ideias de superficial e de profundo. 

Aplausos!
Como o mundo, o sentido da arte surge como um fenômeno único e parcial diante da percepção humana, o que garante o direito de cada um sentir as coisas de forma diferente. “A importância de ser perfeito” é entretenimento que faz gargalhar e refletir além de aplaudir.


*

Ficha Técnica:
Texto: Oscar Wilde
Tradução e Adaptação: Leandro Soares
Direção: Daniel Herz
Assistência de Direção: Maria Eduarda Machado
Realização: Auch Produções, Nevaxca Produções e Pantaleão Produções Artísticas
Direção de Produção: Tárik Puggina
Produção Executiva: Luísa Barros
Idealização: ColetivoAchadoNumaMala

Elenco: Leandro Castilho (José Dourado); Leandro Soares (Agenor); George Sauma (Patrícia); João Pedro Zappa (Cecília); Anderson Mello (Tia Augusta); Márcio Fonseca (Dona Glorinha), Pedro Tomé (Pastor Saulo) e Samuel Toledo (Felício e Ruas)
Figurinos: Thanara Schonardie
Cenário: Nello Marrese
Iluminação: Aurélio de Simoni
Música original e direção musical: Leandro Castilho
Fotografia: Dalton Valério
Programação Visual: André Vants
Patrocínio: Caixa Econômica Federal e Governo Federal

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bem-vindo!