sábado, 4 de maio de 2013

A Chorus Line (RJ)

Produção de formatura do curso "Mergulho no Musical"
da CAL tem excelente resultado
Foto: divulgação

Simples e forte: quando o talento e a técnica vencem os altos orçamentos

Só quem assiste à montagem teatral de “A Chorus Line” consegue entender porque ele foi um dos maiores sucessos da Broadway, ficando quinze anos em cartaz, arrebatando todos os prêmios e deixando para trás seu maior concorrente, o não menos grandioso “Chicago”. Estar diante de personagens-atores que narram a sua vida e se utilizam de seus momentos mais sofridos como argumentos para ganhar um lugar no coro (repito: no coro, e não um papel de verdade) de um espetáculo é estar diante de seres humanos que lutam por seus sonhos. Pode não ser tão admirável vencer, mas sempre é incrivelmente emocionante assistir à luta ou, principalmente, participar dela e encontrar irmãos mais que rivais. É na troca de olhares em que se reconhecem cúmplices na dureza da busca pelo pote de ouro que brota a humanidade: os espermatozoides que buscam entrar no óvulo, o óvulo que busca ser fecundado, as almas que almejam o céu, a rosa que Iemanjá não devolve, a prece atendida, a rifa ganhada, o telefonema marcando o exame de admissão na empresa. O brilhantismo do texto, quase quarenta anos depois mas ainda atual, vem da descrição do homem em sua mais sublime sensibilidade: o medo de perder. E a montagem estudantil dirigida por Menelick de Carvalho tem o sucesso manter sua estrutura simples com a força de que ela precisa. Produção de formatura do curso “Mergulho no Musical”, criado na Casa de Artes Laranjeiras (CAL – Rio de Janeiro), a obra apresenta novos talentos, como as excelentes Laura Braga, Carolina Botelho e Ana Varella, mas seu maior mérito é, de fato, trazer o texto de Michael Bennett de volta ao palco carioca trinta anos depois da última e única produção brasileira

Simples e forte. Uma única linha branca, em fita crepe, posta no palco. Sem cenário, sem cadeiras, sem nada. Um grupo de atores fazem testes durante um dia de audições. Aqueles que passam devem se posicionar diante da linha branca. O grupo vai diminuindo. Testes de dança, de canto, entrega de currículos, improvisações, conversas com o diretor e sua assistente. Histórias de vida vêm à tona. A sensibilidade do corpo humano, que é falho, surge e lembra que todos estão passíveis a ficar, para o resto de suas vidas, imobilizados. Comparações gritantes: mais velho, mais novo, mais peitos, mais bundas, coxas mais torneadas, mais másculo, mais carismático, mais expressivo, mais necessitado de conseguir trabalho. Sob o refletor, cada personagem faz ver o seu mundo. Nunca em uma comédia musical americana, gênero que surge a partir de outros cinco gêneros (opereta, stravaganza, comédia burlesca, vaudeville americano e melodrama) no início do século XX, foi tão teatro: um ator diante de um público interpretando um personagem. Sem nada a não ser o próprio corpo e a própria voz, os jovens atores dirigidos por Carvalho, com assistência de Último de Carvalho e supervisão de Mirna Rubin, têm a tarefa (e, em parte, a vencem) de dar a ver uma situação dramática – um conflito que é interno, mas, exteriorizado, torna-se parte articulada de um conflito maior e comum a quase todos os personagens. De um ponto de partida único, múltiplas hipóteses surgem para a resolução de um único problema. Dois pontos de virada (o passado de uma das concorrentes e o acidente de outro) localizam-se tão próximos um do outro que não chegam a virar a história, mas apressam a subida para o ápice. E ele vem seguido rapidamente pelo belo desfecho.

Num palco vazio, o trabalho de iluminação de Wilson Reiz e o de figurino merecem especial elogio pela forma vibrante como passam as duas horas e meia de narrativa. Numa cidade já tomada e acostumada com grandes musicais em caras produções, encontrar tão grande resultado em tão modesto trabalho deixa claro que o talento e a técnica são capazes de superar os altos orçamentos. A CAL está de parabéns pela coragem de enfrentar o desafio e vencê-lo, dentro de suas possibilidades, sim, mas com a galhardia que não se encontra por aí mesmo no teatro profissional. 
 
Destacam-se no trabalho de intepretação (atenção, produtores de elenco!) Theresa da Costa (Meg), Leonardo Gattuso (Beto), Arthur Ienzura (Ric), Alain Catein (Marco) e Caio Loki (Paul), além do próprio diretor Menelick de Carvalho no papel do Diretor Zeca. Pelas excelentes interpretações, os melhores momentos do espetáculo, já vistos desde a primeira cena e até o fim, estão nos trabalhos de Ana Varella (Ana), Laura Braga (Val) e de Carolina Botelho (Diana). Considerando o fato de que o palco é estudantil, isto é, lugar de treino, de exercício, de processo mais de que de resultado, o elenco de um modo geral está de parabéns pelos obstáculos vencidos e na sua particular contribuição para belo trabalho visto como um todo. 

Passado o período do processo, chega-se ao produto. Finda a etapa estudantil, chega o período profissional. “A Chorus Line”, em todos os seus aspectos e ao longo de sua ficha técnica não deve ser apenas um histórico escolar, mas o primeiro registro na carteira profissional. Quem ganha e ganhará será o mercado, mas sobretudo, aqueles que sobrevivem dele: o público. Parabéns por terem cruzado a linha. Aplausos!

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FICHA TÉCNICA
Música: Marvin Hamlisch
Letras Originais: Edward Kleban
Libreto Original: James Kirkwood e Nicholas Dante
Coreografias Originais: Michael Bennett e Bob Avian
Supervisão: Mirna Rubim
Direção Geral: Menelick de Carvalho
Remontagem e Adaptação Coreográfica: Soraya Bastos e Márcia Albuquerque
Direção Musical: Jardel Maia
Assistente de Direção: Último de Carvalho
Assistente de Dança: Thadeu Torres
Monitor de Teatro: Alain Catein
Monitor de Música: Gabriela Porto
Iluminação: Wilson Reiz
Sonorização: Luciano Siqueira
Edição de Som: Kalel de Oliveira
Tradução e Adaptação: Último de Carvalho e Menelick de Carvalho
Versões: Menelick de Carvalho
Adaptação das Versões Originais de Millôr Fernandes (At the Ballet; Nothing; Dance 10, Looks Three; One)
Adaptação da Versões Originais de Hugo Kerth e Marcela Dias (Nothing)
Adaptação da Versão Original de Lucas Vinhas (Sing!)
Colaboração de Versão de Marcelo Albuquerque (I Hope I Get It; I Can Do That; At the Ballet; The Music and the Mirror)
Programação Visual: Ana Varella

ELENCO:
Mateus Penna Firme (Dom)
Theresa da Costa (Meg)
Clara Schmitt (substituindo Thadeu Torres no papel de Mike)
Thais Silva (substituindo Clara Schimitt no papel de Kelly)
Renato Machado ( Greg)
Ana Varella (Ana)
Maria Penna Firme (Scheila)
Leonardo Gattuso (Beto)
Erica Oldemburg (Bibi)
Rebeca Abdo (Judi)
Arthur Ienzura (Ric)
Kalel de Oliveira (Al)
Clarissa Marinho (Kristine)
Laura Braga (Val)
Alain Catein (Marco)
Caio Loki (Paul)
Carolina Botelho (Diana)
Laura Bandeira (Luísa)
Alessandra Viganó (Vicki)
Andressa Petry (Bárbara)
Rafael Ballesté (Frank) 

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