quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Trabalhadores do Mar (RJ)

O grupo Alfandega88 em mais um
excelente espetáculo.
Foto: divulgação

Um belo romance em uma bela cena

Trabalhadores do Mar” é a versão teatral do romance homônimo do francês Victor Hugo (1802-1885) escrito em 1866. Adaptado e dirigido por Diego Molina, o espetáculo segue o estilo “romance em cena” em que os atores são, ao mesmo tempo que os personagens, os contadores da história/seus leitores. Nesse sentido, o espetador deve esperar por um ritmo mais lento do que a simples encenação da história, mas também uma visão mais profunda por sobre a obra original, sua trama, seu valor literário. Ao contrário do que possa se pensar, a técnica não diminui o teatro em relação a literatura, pelo menos não no trabalho de Molina. Produzido pelo grupo Alfândega88, eis aí uma obra que experimenta o teatro com delicadeza e força, intensidade, liberdade e paixão. 

O título é correto. “Trabalhadores” não nomeia uma só pessoa, mas um grupo. O grupo é o protagonista do livro e da peça, o conjunto de seus personagens e suas relações. A narração começa com a apresentação do bárbaro Gilliatt (Gil Hernandez), mas, assim que possível, foge dele para a introdução de outros personagens. Vem aí o próspero Mess Lethierry (Fernando Lopes de Lima) e sua sobrinha Déruchette (Pâmela Côto), o trapaceiro Rantaine e o Sr. Landoys (Leonardo Hinckel), o capitão Zuela e o timoneiro Tangrouille (Filipe Codeço) e o honesto Sr. Clubin (Edson Cardoso), entre outros personagens. O que une todos essas figuras é o mar e o transporte sobre ele, feito sobretudo pela Durande, o primeiro navio a vapor, propriedade de Mess Lethierry, cuja trajetória é contada na narrativa. Dentro do gênero romântico, Hugo constrói personagens idealizados, redundantes, extremamente coerentes: a bela mocinha, o herói rústico, o homem de sucesso, o ladrão, o trabalhador, o beberrão. É nesse sentido que uma má adaptação poderia superficializar o romance na hora de atualizar para o palco. Mantendo as descrições dos personagens, as lapidações que o escritor faz em cada uma de suas “perólas”, Molina permite que cada figura tenha não só forma, mas cheiro e sabor. A história é contada com a calma com que o livro é lido e o ritmo, apesar de lento, não é arrastado. Reconhece-se as partes clássicas: a apresentação, o desenvolvimento, o clímax e o desfecho, sendo esse último o ponto alto de Victor Hugo que se mantém, pela duração menor (pois a peça dura noventa minutos e o livro requer dias para a sua leitura), com ainda maior relevância. 

A cenografia proposta por Molina e pelo grupo é esplêndida. Além de trazer a possibilidade de vários níveis de narrativa, oferece índices facilmente remetentes ao navio e à Baía de Saint-Sampson, na Ilha de Guernesey, onde a história acontece. Articulados, os andaimes oferecem obstáculos, aberturas, fechamentos, lugares escondidos, transparências, além de, auxiliados pela luz de Aurélio de Simoni, manifestar um belo quadro ao espectador. Os figurinos de Inês Salgado e a direção musical de Felipe Habib conferem cor, movimento e clima para a narração acontecer elegantemente a contento. 

Como já aconteceu em “Labirinto”, "O trem, o vagão e moça de luvas” e em “A negra felicidade”, o trabalho de interpretação do elenco de Alfândega88 é excelente sem exceções. Vale destacar Fernando Lopes Lima (Mess Lethierry), Filipe Codeço (Tangrouille e Zuela), Leonardo Hinckel (Rantaine) e Mariana Guimarães, talvez, por, no determinado dia da análise, oferecerem um resultado um pouco mais visível que os dos demais. O conjunto é sólido, coeso, forte, estabelecendo com o público uma relação parcimoniosa, respeitosa e honesta que acaba por convencer e agradar perfeitamente. 

O amor ao teatro do grupo Alfandega88 não é visto apenas na riqueza de detalhes com que os últimos espetáculos têm sido construídos, mas sobretudo no carinho com que o Teatro Serrador/Sala Brigitte Blair tem sido mantido. Construído nos anos 40, sem reformas desde os anos 50, o palco e a plateia estão lá: ainda dignos, seguros e utilizáveis com boa vontade e admiração. É bonito ver o público da Cinelândia acorrer às sessões sempre a preços populares. Nada menos que um convite para o público das outras zonas da Cidade Maravilhosa. 

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Ficha técnica:
Texto: adaptação do romance homônimo de Victor Hugo. | Tradução: Machado de Assis. | Elenco: Danielle Martins de Farias, Denise Pimenta, Edson Cardoso, Fernando Lopes Lima, Filipe Codeço, Gil Hernandez, Leonardo Hinckel, Mariana Guimarães e Pâmela Côto. | Direção musical e Piano: Felipe Habib. | Iuminação: Aurélio de Simoni. | Supervisão de cenografia: Fernando Mello da Costa. | Cenografia: Diego Molina e Alfândega 88. | Figurinos: Inês Salgado. | Assistência de figurino : Pâmela Côto. | Direção de movimento: Juliana Medella. | Programação visual: Peter Boos. | Assessoria de imprensa: Sheila Gomes. | Direção de produção: Diego Molina, Mariana Guimarães e Pâmela Côto. | Realização: Alfândega 88 e Urbana Produções.

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