sábado, 26 de janeiro de 2013

Os Coisos (RJ)

Adassa Martins é a protagonista de "Os Coisos"
Foto: divulgação

Ou bobo ou pretensioso


           “Os Coisos” surge na programação de teatro carioca no Consulado da Argentina como resultado de uma ponte entre artistas brasileiros e argentinos. Infelizmente, o que se vê é uma produção com boa interpretação de Adassa Martins (uma das melhores atrizes da nova geração), mas sem consistência, repetindo fáceis marcas de teatro contemporâneo, oferecendo uma falsa sensação de profundidade que, por fim, é inexistente. Dirigido pelos argentinos Cristián Cutró e Paula Baró, com texto da segunda, o espetáculo se apresenta na galeria do Consulado ao anoitecer. Não há iluminação artificial. 

Sofia (Adassa Martins) é uma jovem sozinha no apartamento da irmã. Como companhia, ela tem uma samambaia chamada de Roberto (a voz da samambaia é de Pedro Pedruzzi). Os dois conversam, ele pede que ela lhe conte sua história e ela inventa uma, pois não sabe realmente como a planta foi parar na casa da irmã. Aos poucos, o espectador vai sentindo que o clima entre os dois é de despedida, como o dia que o público vê terminar pela janela. (A vista do anoitecer através da galeria dá para o cruzamento de duas avenidas movimentadas no bairro de Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro.) O diálogo é superficial e, enquanto os minutos passam, o espectador fica se esforçando para dar sentido para o que ouve e vê, em busca de talvez uma conclusão que lhe alerte, pelo menos, para o fato de que não há sentido. (O não-sentido é sempre um sentido.) Nesse contexto, o espetáculo de Cutró e de Baró é um meio do caminho entre o realismo fantástico (a samambaia fala e isso é plenamente aceitável pela personagem envolvida) e o pós-dramático (o diálogo é picotado, sem autorreferenciação e o drama não é clássico) com referências à tragédia contemporânea (Sofia está imersa em aparente depressão). Eis, então, que surge Juan (Gunnar Borges), o ex-namorado de Sofia. Ele conta a ela a sua noite anterior com outra menina, exibindo um personagem cujo ego é altíssimo. Há ainda sentimento entre os dois, mas o texto de Baró parece fugir de encarar a fundo o que ainda há entre os dois personagens, ambos construídos com boas marcas estruturais. Os nós que prendem os três personagens mostram-se frágeis, sem investimento, carentes de profundidade, ainda que cada figura, em particular, seja bem construída. Num determinado momento, Juan passa a ouvir também a voz de Roberto e é, então, que a dramaturgia cambaleante, já nos seus momentos finais, perde a oportunidade de finalmente se definir entre o fantástico, o pós-dramático ou o trágico. O fim chega sem novidades, com uma música subindo na já totalmente escura sala de espetáculo. Em resumo, mais uma peça sobre relacionamentos sem nada a acrescentar. 

A opção da direção por não utilizar a iluminação artificial é formalmente positiva, isto é, é interessante do ponto de vista da forma, mas que não acrescenta muito enquanto conteúdo. Uma vez que apenas um dos personagens (Juan) tem dificuldade de falar de seus sentimentos, a escuridão cada vez maior se torna uma metáfora para o quê? Fosse Roberto, a samambaia, o protagonista, seria possível pensar que as trevas seriam um aponte para o fim de sua vida. Cogitar a possibilidade de que o anoitecer pressupõe o fim do relacionamento entre Sofia e Juan é menosprezar o talento (e a inteligência) de Cutró e de Baró, por isso, convém afastar-se dessa opção. Nesse sentido, evidenciar as pontes visuais com os acontecimentos dramáticos de “Os Coisos” se torna um desafio que anuncia a fragilidade do espetáculo enquanto obra teatral (e narrativa). 

Adassa Martins, atriz também de “Sinfonia Sonho”, apresenta mais uma vez uma interpretação cheia de força, sentimento e ironia. Suas pausas são adequadas, seus movimentos exibem integridade, suas intenções são claras. Mais uma vez, aplaudí-la é um prazer. 

*

Ficha técnica:

Dramaturgia: Paula Baró
Direção: Cristián Cutró e Paula Baró
Arte: Eloy Teixeira Machado
Tradução: Pedro Pedruzzi
Colaboração na tradução: Ulises Gasparini
Redação e Colaboração artística: Nina La Croix
Assistência de Direção: Isabella Almeida
Elenco: Adassa Martins, Pedro Pedruzzi e Gunnar Borges
Produção: Colectivo Samambaia
Coprodução: Club Cultural Matienzo e Colectivo Kerenkaferem

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