Gustavo Gasparani é Édipo em montagem dirigida por Eduardo Wotzik |
Peça milenar é encenada com grande valor
“Édipo Rei”, cuja realização é de Gustavo Gasparani, é uma excelente produção dentro da programação teatral do verão carioca. Com excelentes nomes no elenco e belíssimos trabalhos de produção e de articulação dos elementos estéticos, a obra, em linhas gerais, vale a pena ser vista não só pelo importância milenar do texto escrito em 427 a.C., por Sófocles (497 a 406 a.C.), mas pelo resultado cênico de primeiríssima qualidade. A direção de Eduardo Wotzik está de parabéns e, abaixo, há a lista de alguns motivos.
É simplesmente impossível saber (ou mesmo imaginar) como “Édipo Rei” foi produzido pela primeira ou pela centésima vez na história há mais de dois mil anos. Ou seja, todas as montagens realizadas nos últimos séculos são sempre e totalmente atualizações a partir dos contextos e das opções artísticas de cada encenador, grupo, companhia ou produção. O mais importante, assim, da obra, em outras palavras, o seu DNA é a crença de que, para aquelas pessoas, havia um destino previamente determinado, na maioria das vezes, em poder apenas dos deuses e, em casos específicos, revelado aos homens. Laio, o Rei de Tebas, uma das cidades mais importantes do mundo antigo, segundo a peça de Sófocles, foi uma dessas pessoas. Seu filho o mataria e se casaria com sua esposa, mãe do futuro assassino. Laio, para se livrar do destino, resolveu matar o próprio filho e é aí que está o problema. Na concepção daquelas pessoas, os mortais não devem tentar fugir dos seus destinos e, nesse sentido, uma tragédia grega é sempre uma espécie de catequese. Ao saber, através de um oráculo, que ele mataria o próprio pai e se casaria com a própria mãe, o jovem Édipo fugiu de Corinto, ou seja, também tentou driblar o destino e também não foi feliz em sua tentativa. O trágico é justamente essa incapacidade do homem de gerenciar o próprio arbítrio (daí, contemporaneamente, vemos Winnie plantada no chão em “Happy Days”, de Beckett). Outro elemento que é parte da matriz funcional da obra é o tom ritualístico da encenação, que remete a um certo tipo de celebração religiosa. Por mais efeminado, por exemplo, que possa ser o ator que interprete Pilatos, é com muita seriedade que a plateia assiste ao seu trabalho em qualquer montagem de “A Paixão de Cristo”, uma vez que elas sempre acontecem envoltas em uma energia de culto ao divino. É nisso que se baseiam as pausas do texto de Sófocles, o cuidado com a retórica, os lamentos das filhas de Édipo, a força do Corifeu. Por isso, disse-se acima (sempre acho que o papel da crítica não é apenas valorar, mas justificar a atribuição subjetiva de valor a obra) que a montagem dirigida por Eduardo Wotzik atualiza com enormes méritos esse clássico da dramaturgia mundial.
De um modo geral, o elenco apresenta excelentes interpretações: Gustavo Gasparani é um Édipo forte como se espera, com gestos nobres, olhares bem dirigidos, intenções bem claras. Eliane Giardini é uma Jocasta igualmente imponente, que sofre sem dramatizar, que espera sem exagero, que ama e respeita como da personagem se espera. César Augusto subverte, mostrando um Creonte incrivelmente humano, quase jovial, estabelecendo um positivo contraponto com os outros Creontes que vamos encontrar nas outras tragédias (Antígona e Medeia, por exemplo), mantendo a seriedade da tragédia a contento. Pietro Mario Bogianchini (Mensageiro) e Rogério Fróes (Pastor) têm felizes pequenas participações, cheias de delicadas entonações, expressões suaves, mas não menos intensas de emoção. Entre todos, no entanto, “Édipo Rei” tem um ponto alto e um ponto baixo no elenco. O primeiro se refere à Fabianna de Mello, substituindo o coro e o Corifeu e se tornando a “Venerável Senhora”, que representa o público e, ao mesmo tempo, a população de Tebas, cujo destino se vê aberto na praça em frente ao palácio do Rei. A atriz tem olhar forte, movimentos precisos, gestos que chamam a atenção tanto do público para o centro do palco como do palco para o público. O ponto baixo é a participação de Amir Haddad, cuja interpretação se avalia aqui a parte toda a importância que ele tem na história do teatro brasileiro. Sua entrada é promissora, mas, assim, seu Tirésias promete uma “pompa” que não cumpre. Os gestos são largos demais, as falas pausadas demais, os movimentos histriônicos demais, o que, em conjunto, resulta em uma concepção dramática complemente isolada em uma tragédia e, por isso, bastante negativa.
A cenografia de Bia Junqueira, assim como os figurinos de Marcelo Olinto, a iluminação de Maneco Quinderé e a trilha sonora de Marcelo Alonso Neves (que marca brilhantemente o ritmo do ritual em que consiste a encenação) são elementos criados através de uma concepção valorosa que resultam em elementos isoladamente interessantes e articulados de forma positivamente profunda. Quanto ao primeiro, a direção de Wotzik enfrenta um grave problema. O lugar circular, em formato de arena, do Teatro Maria Clara Machado (Planetário) , é quase ao nível do olhar do público, gerando um obstáculo, em alguns momentos grave, para a fruição. Na cena, por exemplo, em que Édipo entende ser ele o responsável por todo mal que recaiu sobre Tebas, há pessoas do público sentadas exatamente atrás dele, ou seja, impedidas de ver o rosto do ator nesse momento tão importante. O mesmo tipo de problema acontece com muita gente do público, dependendo da cena.
“Édipo Rei” é um clássico que, montado hoje, nos alerta sobre o valor e a importância de um bom texto. As palavras mais que milenares ainda soam perfeitas em volta de uma história escrita sobremaneira. Eduardo Wotzik, e todos os nomes por trás dele (ou adiante), encenam à altura. De Sófocles e de nossa.
Ficha Técnica
Autor: Sófocles
Tradução e adaptação: Eduardo Wotzik & Fernanda Schnoor
Elenco: Gustavo Gasparani, Eliane Giardini, César Augusto, Fabianna de Mello e Souza, Pietro Mario Bogianchini, Thiago Magalhães, Nina Malm e Louise Marrie
Participação especial: Amir Haddad e Rogério Fróes
Direção: Eduardo Wotzik
Cenografia: Bia Junqueira
Figurinos: Marcelo Olinto
Iluminação: Maneco Quinderé
Direção musical: Marcelo Alonso Neves
Músicos: Murilo O'Reilly e Felipe Antello
Produção: Sábios Projetos
Realização: Coisas Nossas
Fiquei curioso, ainda mais q tem a Eliane e cenários da Bia e iluminação do Maneco. Édipo já era muito complexo bem antes de virar um complexo freudiano e é sempre interessante a gente ir na origem das histórias e ententder como foi q toda aquela tragédia aconteceu. Electra tinha muita energia, só ão sei se positiva ou negativa, pq as 2 a física depois descobriu q não era possivel.
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