Foto: Paula Kossatz
Uma comédia que faz rir e faz
pensar
“Alguém
acaba de morrer” é o novo texto de Jô Bilac, encenado sob a direção de Pedro
Neschling que, pela primeira vez, dirige a própria mãe, a atriz Lucélia Santos
(mesmo quem não viu sabe que ela interpretou a personagem título na novela “A Escrava
Isaura”, o maior fenômeno da teledramaturgia brasileira em contexto mundial). O
texto e o espetáculo ganham o espectador por dois motivos: a forma como o texto
se estrutura a partir do encadeamento das cenas e a valorização da
superficialidade das relações que, por fim, acaba por indicar a presença de uma
profundidade latente e perigosa. Em cartaz no Teatro do Sesi, no Rio de
Janeiro, uma comédia que faz rir no momento em que é apresentada, oferecendo
uma reflexão a quem sai dela. No caso, apenas méritos.
Dizer
que um texto vale porque é encadeado é quase uma redundância visto que está no
significado tradicional da palavra texto a autorreferenciação. Aqui o termo tem
função comparativa. Em “Os Mamutes”, a relação entre o texto e o fora dele é
essencial. Em “O matador de santas”, a evolução narrativa, que leva para a
descoberta do assassino, é fundamental. Em “Rebu”, a relação entre os
personagens importa. Em “Dois para viagem”, a relação entre as histórias é o
aspecto mais marcante. Em “Alguém acaba de morrer lá fora”, a forma como as
cenas estão encadeadas é um dos dois aspectos principais a ser observado. Na
rua, no lado de fora de um Café, um acidente acontece, matando alguém. Dentro
do estabelecimento, três clientes e um funcionário sofrem as conseqüências do
ato. No total, são, assim, quatro possibilidades mínimas: o crime une os quatro
desconhecidos nas diferentes reações ao fato a partir das quatro alternativas
de quem morreu. Claudio espera uma mulher com quem combinou um encontro às
escuras. Laura espera alguém que venha usando muletas. Marcela espera a irmã gêmea.
O garçom pode, ele mesmo, morrer quando sai para conseguir troco. Longe da
divisão em quadros estanques, o texto de Jô Bilac se autorreferencia e se
viabiliza como único ao leitor a partir da repetição de diálogos, da renovação
de situações, do novo olhar para cenas que já aconteceram. A direção de Pedro
Neschling ganha valores positivos quanto ratifica essas indicações do autor,
fornece marcas visíveis e garante um ritmo que providencia uma fruição cênica
que tem, ao seu dispor, instrumentos de reconhecer essas bases. O ritmo é
crescente na medida em que as cenas iniciais são mais longas que as finais, os
personagens são menos tímidos no encerramento, as reações são mais visíveis nos
últimos momentos. Os movimentos são bem marcados, as gestos são claros, as
intenções são desenhadas, o que, no contexto das figuras, deixa ver uma
superficialidade bastante rica ao todo. Quanto mais se assume a
superficialidade, mais se exibe a profundidade.
Ricardo
Santos (Claudio) é a melhor participação da peça. Seus gestos são absolutamente
detalhados, seus movimentos são bem cuidados, planejados, limpos. Sua voz é
pausada, medida, equilibrada. Em cena, o resultado é vibrante, nobre, rico,
positivo. Vitória Frate (Marcela) e Pedro Nercessian (Garçon) exibem figuras
ricas, entonações engraçadas, intenções visíveis, enriquecendo a obra no que
diz respeito às interpretações. Sobre Lucélia Santos, o grande nome do elenco,
recaem as maiores responsabilidades e é por isso que, nela, há que se
reconhecer o maior valor. Sob os olhos atentos de plateias sedentas pelo grande
sucesso no teatro como o que houve na TV, a atriz sofre as conseqüências de
grandes expectativas. Não perde, pois, quem vá vê-la. A eterna “Isaura” está
inteira, viva, presente nas cenas dirigidas por seu filho. Embora sua voz sofra
nos momentos em que se requer tons mais agudos ou expressões mais fortes, seu
corpo inteligente equilibra o resultado propiciando momentos em que as marcas são
específicas.
Nello
Marrese constrói, mais uma vez de forma positiva, um cenário bastante interessante.
O Café se dá a ver a partir de paredes vazadas em cercas de arame. Nas exceções
fechadas, a iluminação de Adriana Ortiz identifica um lugar qualquer, sem perfeições,
bastante próximo do real além da narrativa, o que é excelente. Jukebox, balcão
com máquina de café e mesas aproximam o cenário do além da peça de forma que a
história seja contada com menos entraves. Os figurinos de Antônio Medeiros, no
mesmo sentido, apresentam personagens ricos em suas idiossincrasias, mas sem
marcas que teorizem a narrativa a ponto de cansar o ritmo, o que é ótimo.
Uma
pessoa perde a vida do lado de fora de um Café. Qual é o valor de uma vida
perdida? Aqui parece interessar a vida de cada um e é a forma como cada um lida
com os próprios caminhos em encruzilhada com os demais que vemos em cena. Em “Alguém acaba de
morrer lá fora”, vale a vida que acaba de acontecer lá dentro. Engraçado,
inteligente, perspicaz, eis aí uma comédia que faz rir, pensar e aplaudir.
*
Ficha técnica:
Texto: Jô Bilac
Direção: Pedro Neschling
Elenco: Lucélia Santos, Ricardo
Santos, Vitória Frate e Pedro Nercessian
Cenário: Nello Marrese
Figurino: Antônio Medeiros
Luz: Adriana Ortiz
Direção de Movimento: Toni
Rodrigues
Trilha Sonora: Pedro Neschling e
Rodrigo Marçal
Programação Visual: Roberta de
Freitas
Fotografia: Paula Kossatz
Assessoria de Imprensa: JSPontes
Comunicação, João Pontes e Stella Stephany
Assistente de direção: Karla Dalvi
Cenógrafa Assistente: Lorena Lima
Designer Assistente: Thiago Paiva
Assistente de Produção: Ana Terra
e Jenny Mezencio
Produção Executiva: Letícia Nápole
Coordenação de Produção: Beto Bk
Direção de Produção: Giba Ka
Idealização: Breno Sanches e Lucélia
Santos
Realização Nhock Produções
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