quinta-feira, 31 de maio de 2012

Alguém acaba de morrer lá fora (RJ)


Foto: Paula Kossatz

Uma comédia que faz rir e faz pensar

            “Alguém acaba de morrer” é o novo texto de Jô Bilac, encenado sob a direção de Pedro Neschling que, pela primeira vez, dirige a própria mãe, a atriz Lucélia Santos (mesmo quem não viu sabe que ela interpretou a personagem título na novela “A Escrava Isaura”, o maior fenômeno da teledramaturgia brasileira em contexto mundial). O texto e o espetáculo ganham o espectador por dois motivos: a forma como o texto se estrutura a partir do encadeamento das cenas e a valorização da superficialidade das relações que, por fim, acaba por indicar a presença de uma profundidade latente e perigosa. Em cartaz no Teatro do Sesi, no Rio de Janeiro, uma comédia que faz rir no momento em que é apresentada, oferecendo uma reflexão a quem sai dela. No caso, apenas méritos.
            Dizer que um texto vale porque é encadeado é quase uma redundância visto que está no significado tradicional da palavra texto a autorreferenciação. Aqui o termo tem função comparativa. Em “Os Mamutes”, a relação entre o texto e o fora dele é essencial. Em “O matador de santas”, a evolução narrativa, que leva para a descoberta do assassino, é fundamental. Em “Rebu”, a relação entre os personagens importa. Em “Dois para viagem”, a relação entre as histórias é o aspecto mais marcante. Em “Alguém acaba de morrer lá fora”, a forma como as cenas estão encadeadas é um dos dois aspectos principais a ser observado. Na rua, no lado de fora de um Café, um acidente acontece, matando alguém. Dentro do estabelecimento, três clientes e um funcionário sofrem as conseqüências do ato. No total, são, assim, quatro possibilidades mínimas: o crime une os quatro desconhecidos nas diferentes reações ao fato a partir das quatro alternativas de quem morreu. Claudio espera uma mulher com quem combinou um encontro às escuras. Laura espera alguém que venha usando muletas. Marcela espera a irmã gêmea. O garçom pode, ele mesmo, morrer quando sai para conseguir troco. Longe da divisão em quadros estanques, o texto de Jô Bilac se autorreferencia e se viabiliza como único ao leitor a partir da repetição de diálogos, da renovação de situações, do novo olhar para cenas que já aconteceram. A direção de Pedro Neschling ganha valores positivos quanto ratifica essas indicações do autor, fornece marcas visíveis e garante um ritmo que providencia uma fruição cênica que tem, ao seu dispor, instrumentos de reconhecer essas bases. O ritmo é crescente na medida em que as cenas iniciais são mais longas que as finais, os personagens são menos tímidos no encerramento, as reações são mais visíveis nos últimos momentos. Os movimentos são bem marcados, as gestos são claros, as intenções são desenhadas, o que, no contexto das figuras, deixa ver uma superficialidade bastante rica ao todo. Quanto mais se assume a superficialidade, mais se exibe a profundidade.
            Ricardo Santos (Claudio) é a melhor participação da peça. Seus gestos são absolutamente detalhados, seus movimentos são bem cuidados, planejados, limpos. Sua voz é pausada, medida, equilibrada. Em cena, o resultado é vibrante, nobre, rico, positivo. Vitória Frate (Marcela) e Pedro Nercessian (Garçon) exibem figuras ricas, entonações engraçadas, intenções visíveis, enriquecendo a obra no que diz respeito às interpretações. Sobre Lucélia Santos, o grande nome do elenco, recaem as maiores responsabilidades e é por isso que, nela, há que se reconhecer o maior valor. Sob os olhos atentos de plateias sedentas pelo grande sucesso no teatro como o que houve na TV, a atriz sofre as conseqüências de grandes expectativas. Não perde, pois, quem vá vê-la. A eterna “Isaura” está inteira, viva, presente nas cenas dirigidas por seu filho. Embora sua voz sofra nos momentos em que se requer tons mais agudos ou expressões mais fortes, seu corpo inteligente equilibra o resultado propiciando momentos em que as marcas são específicas.
            Nello Marrese constrói, mais uma vez de forma positiva, um cenário bastante interessante. O Café se dá a ver a partir de paredes vazadas em cercas de arame. Nas exceções fechadas, a iluminação de Adriana Ortiz identifica um lugar qualquer, sem perfeições, bastante próximo do real além da narrativa, o que é excelente. Jukebox, balcão com máquina de café e mesas aproximam o cenário do além da peça de forma que a história seja contada com menos entraves. Os figurinos de Antônio Medeiros, no mesmo sentido, apresentam personagens ricos em suas idiossincrasias, mas sem marcas que teorizem a narrativa a ponto de cansar o ritmo, o que é ótimo.
            Uma pessoa perde a vida do lado de fora de um Café. Qual é o valor de uma vida perdida? Aqui parece interessar a vida de cada um e é a forma como cada um lida com os próprios caminhos em encruzilhada com os demais que vemos em cena. Em “Alguém acaba de morrer lá fora”, vale a vida que acaba de acontecer lá dentro. Engraçado, inteligente, perspicaz, eis aí uma comédia que faz rir, pensar e aplaudir.

*

Ficha técnica:

Texto: Jô Bilac
Direção: Pedro Neschling
Elenco: Lucélia Santos, Ricardo Santos, Vitória Frate e Pedro Nercessian
Cenário: Nello Marrese
Figurino: Antônio Medeiros
Luz: Adriana Ortiz
Direção de Movimento: Toni Rodrigues
Trilha Sonora: Pedro Neschling e Rodrigo Marçal
Programação Visual: Roberta de Freitas
Fotografia: Paula Kossatz
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação, João Pontes e Stella Stephany
Assistente de direção: Karla Dalvi
Cenógrafa Assistente: Lorena Lima
Designer Assistente: Thiago Paiva
Assistente de Produção: Ana Terra e Jenny Mezencio
Produção Executiva: Letícia Nápole
Coordenação de Produção: Beto Bk
Direção de Produção: Giba Ka
Idealização: Breno Sanches e Lucélia Santos
Realização Nhock Produções

Um comentário:

  1. I'm amazed, I have to admit. Rarely do I encounter a blog that's both equally educative and
    amusing, and withοut a doubt, you've hit the nail on the head. The problem is something that not enough people are speaking intelligently about. I am very happy I stumbled across this during my search for something regarding this.
    Feel free to surf my page ; documentary transfer tax

    ResponderExcluir

Bem-vindo!