Foto: André Wanderley
O homem e os homens no debate
sobre a racionalidade
Dirigido
por Emílio de Mello, o espetáculo “Arte” vem do texto mais aclamado da
dramaturga francesa Yasmina Reza (1959). No Brasil, essa é a segunda vez que o
texto é produzido, sucedendo a que Mauro Rasi dirigiu em 1999, com José Mayer,
Luis Gustavo e Pedro Paulo Rangel no elenco. Dessa vez, os personagens Marcos,
Sérgio e Ivan são interpretados por Marcelo Flores, Claudio Gabriel e Vladimir
Brichta. Escrito em 1994, trata-se de uma comédia filosófica que investiga o
lugar da valorização do homem e das relações em meio ao debate racionalista. De
forma excepcional, Reza chama a peça de “Art”, um conceito tanto prático quanto
teórico, tanto racional como emocional, tão cultural como mercadológico. Amigos
há décadas, Marcos se espanta quando fica sabendo que Sérgio adquiriu um quadro
completamente branco, pagando por ele uma quantia exorbitante. Os pontos de
vista diferentes sobre a tela, sobre a arte, sobre a contemporaneidade são
portas abertas para os três homens falarem de si, confessarem as suas desilusões,
tratarem dos seus medos e, sobretudo, avaliar o sentimento que os une há tantos
anos. “Arte” é a terceira incursão de Emílio de Mello no universo de Yasmina
Reza, vindo depois de “O homem inesperado” (2006, com Nicette Bruno e Paulo
Goulart no elenco), e de “Deus da Carnificina” (2010, com Paulo Betti, Orã
Figueiredo, Júlia Lemmertz e Deborah Evelyn).
A
montagem atual traz três excelentes momentos: o texto esplêndido de Reza, a afinada
interpretação dos atores e o perfeito casamento entre a trilha sonora de
Marcelo Alonso Neves e a iluminação de Tomás Ribas. Inteligente e delicado, os
diálogos de “Arte” se auto-referenciam, havendo repetição de frases em outros
contextos e promovendo o riso a partir dessa experiência. Além disso, as situações
apresentam os personagens ao mesmo tempo em que seus conflitos estão à mostra:
a fúria de Marcos diante da compra de Sérgio, a preocupação de Ivan diante do
próprio casamento e a alienação de Sérgio mergulhado na própria aquisição. Os
silêncios são vivos, as cenas são ricas e a evolução é natural, sem a presença
de qualquer estrutura dramática clássica, o que deixa o todo bem mais próximo
do real além da narrativa. Acertadíssimo está o tom da interpretação dos
atores: simples, com marcas apagadas de interpretações, movimentações
discretas, sobretudo, em Flores e em Gabriel. Vladimir
Brichta apresenta uma interpretação por vezes muito carregada,
com expressões partiturizadas (feições planejadas, gestos desenhados) que
exageram, em alguns momentos, a visão clownesca já disposta no texto de Reza. Por
outro lado, o ator deixa ver uma sensibilidade tocante na sua atuação, o que
equilibra positivamente o modo como é visto. Sutil como o texto, a direção
musical acontece de forma totalmente integrada à obra cênica enquanto a
iluminação está presente de forma tão nobre como é o tema da história. Pontuais
e harmônicas, música e luz trazem ganhos estéticos valorosos à peça.
“Arte”
apresenta-se de forma negativa na relação íntima entre ritmo e cenário/figurino.
A concepção de Mello apresenta Marcos como o antagonista da história, isto é,
desde o início, seu discurso mostra-se como tolo, quase infantil. Faltam cores
no cenário de Aurora de Campos e nos figurinos de Marcelo Olinto para que o
quadro em questão possa ser desvalorizado e, assim, a posição de Marcos em
relação a ele ter maior importância. Brancos, os fundos quase infinitos e as roupas
essencialmente azuis, a tela fica harmônica, situando o espectador ao lado de Sérgio,
aquele que adquiriu a obra, o que exibe um desequilíbrio. A discussão que
cresce e decresce partindo dos diferentes olhares por sobre a tela branca perde
força e é na voz que os atores sustentam os clímaxes e os anti-climaxes
negativamente, o que causa inevitável cansaço em uma produção tão valorosa.
A
produção encerra a apresentação de “Arte” voltando-se para a proposta de Reza.
De forma tocante, o final, expressivamente contemporâneo, apresenta um homem
cruzando o espaço. O mais é assistir ao espetáculo para saber, se divertir,
comover-se e aplaudir.
*
Ficha técnica:
Texto: Yasmina Reza
Tradução e Direção: Emílio de
Mello
Elenco: Vladimir Brichta, Marcelo
Flores e Claudio Gabriel
Cenário: Aurora de Campos
Figurinos: Marcelo Olinto
Iluminação: Tomás Ribas
Criação Musical: Marcelo Alonso
Neves
Preparação dos atores: Valéria
Campos
Assistente de direção: Daniele do
Rosário
Assistente de cenografia: Ana
Machado
Diretor de palco: Marcos
Lesqueves
Técnico de luz: Marcos Bile
Identidade visual: Olívia
Ferreira e Pedro Garavaglia / Radiográfico
Assessoria de imprensa: Daniella
Cavalcanti
Assistente de assessoria de
imprensa: Bruna Amorim
Direção de produção: Dadá Maia e
José Luiz Coutinho
Produção executiva: Wagner
Pacheco
Assistente de produção: Michele
Raja
Realização: M Brichta Produções
Produtores: Emílio de Mello,
Marcelo Flores e Vladimir Brichta
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