quinta-feira, 17 de maio de 2012

Arte (RJ)


Foto: André Wanderley

O homem e os homens no debate sobre a racionalidade

            Dirigido por Emílio de Mello, o espetáculo “Arte” vem do texto mais aclamado da dramaturga francesa Yasmina Reza (1959). No Brasil, essa é a segunda vez que o texto é produzido, sucedendo a que Mauro Rasi dirigiu em 1999, com José Mayer, Luis Gustavo e Pedro Paulo Rangel no elenco. Dessa vez, os personagens Marcos, Sérgio e Ivan são interpretados por Marcelo Flores, Claudio Gabriel e Vladimir Brichta. Escrito em 1994, trata-se de uma comédia filosófica que investiga o lugar da valorização do homem e das relações em meio ao debate racionalista. De forma excepcional, Reza chama a peça de “Art”, um conceito tanto prático quanto teórico, tanto racional como emocional, tão cultural como mercadológico. Amigos há décadas, Marcos se espanta quando fica sabendo que Sérgio adquiriu um quadro completamente branco, pagando por ele uma quantia exorbitante. Os pontos de vista diferentes sobre a tela, sobre a arte, sobre a contemporaneidade são portas abertas para os três homens falarem de si, confessarem as suas desilusões, tratarem dos seus medos e, sobretudo, avaliar o sentimento que os une há tantos anos. “Arte” é a terceira incursão de Emílio de Mello no universo de Yasmina Reza, vindo depois de “O homem inesperado” (2006, com Nicette Bruno e Paulo Goulart no elenco), e de “Deus da Carnificina” (2010, com Paulo Betti, Orã Figueiredo, Júlia Lemmertz e Deborah Evelyn).
            A montagem atual traz três excelentes momentos: o texto esplêndido de Reza, a afinada interpretação dos atores e o perfeito casamento entre a trilha sonora de Marcelo Alonso Neves e a iluminação de Tomás Ribas. Inteligente e delicado, os diálogos de “Arte” se auto-referenciam, havendo repetição de frases em outros contextos e promovendo o riso a partir dessa experiência. Além disso, as situações apresentam os personagens ao mesmo tempo em que seus conflitos estão à mostra: a fúria de Marcos diante da compra de Sérgio, a preocupação de Ivan diante do próprio casamento e a alienação de Sérgio mergulhado na própria aquisição. Os silêncios são vivos, as cenas são ricas e a evolução é natural, sem a presença de qualquer estrutura dramática clássica, o que deixa o todo bem mais próximo do real além da narrativa. Acertadíssimo está o tom da interpretação dos atores: simples, com marcas apagadas de interpretações, movimentações discretas, sobretudo, em Flores e em Gabriel. Vladimir Brichta apresenta uma interpretação por vezes muito carregada, com expressões partiturizadas (feições planejadas, gestos desenhados) que exageram, em alguns momentos, a visão clownesca já disposta no texto de Reza. Por outro lado, o ator deixa ver uma sensibilidade tocante na sua atuação, o que equilibra positivamente o modo como é visto. Sutil como o texto, a direção musical acontece de forma totalmente integrada à obra cênica enquanto a iluminação está presente de forma tão nobre como é o tema da história. Pontuais e harmônicas, música e luz trazem ganhos estéticos valorosos à peça.
            “Arte” apresenta-se de forma negativa na relação íntima entre ritmo e cenário/figurino. A concepção de Mello apresenta Marcos como o antagonista da história, isto é, desde o início, seu discurso mostra-se como tolo, quase infantil. Faltam cores no cenário de Aurora de Campos e nos figurinos de Marcelo Olinto para que o quadro em questão possa ser desvalorizado e, assim, a posição de Marcos em relação a ele ter maior importância. Brancos, os fundos quase infinitos e as roupas essencialmente azuis, a tela fica harmônica, situando o espectador ao lado de Sérgio, aquele que adquiriu a obra, o que exibe um desequilíbrio. A discussão que cresce e decresce partindo dos diferentes olhares por sobre a tela branca perde força e é na voz que os atores sustentam os clímaxes e os anti-climaxes negativamente, o que causa inevitável cansaço em uma produção tão valorosa.
            A produção encerra a apresentação de “Arte” voltando-se para a proposta de Reza. De forma tocante, o final, expressivamente contemporâneo, apresenta um homem cruzando o espaço. O mais é assistir ao espetáculo para saber, se divertir, comover-se e aplaudir.

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Ficha técnica:

Texto: Yasmina Reza
Tradução e Direção: Emílio de Mello
Elenco: Vladimir Brichta, Marcelo Flores e Claudio Gabriel
Cenário: Aurora de Campos
Figurinos: Marcelo Olinto
Iluminação: Tomás Ribas
Criação Musical: Marcelo Alonso Neves
Preparação dos atores: Valéria Campos
Assistente de direção: Daniele do Rosário
Assistente de cenografia: Ana Machado
Diretor de palco: Marcos Lesqueves
Técnico de luz: Marcos Bile
Identidade visual: Olívia Ferreira e Pedro Garavaglia / Radiográfico
Assessoria de imprensa: Daniella Cavalcanti
Assistente de assessoria de imprensa: Bruna Amorim
Direção de produção: Dadá Maia e José Luiz Coutinho
Produção executiva: Wagner Pacheco
Assistente de produção: Michele Raja
Realização: M Brichta Produções
Produtores: Emílio de Mello, Marcelo Flores e Vladimir Brichta

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