domingo, 27 de dezembro de 2020

Quem disse? – Teatro feminista para crianças (RJ)

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Foto: Laura França

Ana Luiza França e Filipe Codeço



Divertido, bonito e inteligente: excelente espetáculo para toda a família brilha na programação do 13º Niterói Em Cena

O excelente “Quem disse? – Teatro feminista para crianças” fez uma presença marcante na Mostra Niterói da programação do 13º Festival Niterói Em Cena. Com vibrante dramaturgia, ele é positivo em todos os aspectos, desde o texto de Ana Luiza França, até a encenação dirigida por Breno Sanches e interpretada por França e por Filipe Codeço. Dos quatro espetáculos que compuseram essa etapa, esse foi o melhor sobretudo pela maneira simples e inteligente com que toca os públicos de todas as idades e pelo jeito vivo com que se articula artisticamente na cena. Vale a pena assistir em família várias vezes! 


13o Niterói Em Cena

Escrito por Ana Luiza França, o texto gira em torno de dois amigos: Ritinha e Bernardo, duas crianças que se divertem em suas imaginações compartilhadas enquanto refletem sobre o mundo que as cerca. Ritinha está lendo um livro de Contos de Fadas cuja protagonista é uma Princesa que tem o mesmo nome que ela. Mas o livro é grosso e, quando a peça começa, ainda faltam muitas páginas para a história terminar de ser lida. Enquanto isso acontece, o amigo Bernardo, baseado no que amiga vai contando sobre a obra, vai tentando interpretar o Príncipe Encantado, aquele que deveria lutar contra o feroz monstro Biruta para salvá-la. Nos insucessos de Bernardo, várias questões vão sendo refletidas: o que é coisa de menino e de menina: profissões, roupas, nomes, vestuário, comportamento etc. Além disso, para além das questões de gênero e de sexualidade, estão também os valores: será que o monstro é mesmo monstro? Por que as princesas têm que ser libertadas pelos Príncipes? Elas mesmas não podem fazer isso por si próprias? Qual a função do Príncipe se não for a de salvar a Princesa? Meninos podem chorar? 

Para além das questões reflexivas que o texto promove, a dramaturgia é ótima por suas curvas em si na análise poética. É muito interessante perceber como os personagens vão se modificando ao longo da história. Pouco a pouco, a sensação que se tem é a de que o personagem Bernardo vai sendo esvaziado na curva ascendente que Ritinha faz no desenho da narrativa. No entanto, “Quem disse?” guarda para o final reviravoltas surpreendentes e deliciosas. Cheios de grande carisma, os personagens – que então passam a ser três – conquistam o coração do público com enorme mérito. 

Ana Luiza França e Filipe Codeço apresentam excelentes interpretações. Em nenhum momento, Ritinha e Bernardo são estereotipados, nem mesmo deixam de se dar a ver sucumbidos pelo discurso político que facilmente os devoraria em más mãos. Ao contrário, os dos atores mantêm acesas as chamas transformadoras das duas figuras, nunca deixando o público confortável diante de suas presenças. Cada novidade que surge, na interação de ambos ou na particular reflexão individual de cada um, revela um outro nível de suas possibilidades, abrindo caminhos instigantes. Tudo parece ótima oportunidade bem agarrada para os dois intérpretes exibirem seus vastos repertórios expressivos: os movimentos, as intenções, o aspecto gestual, os traços de emoção. 

A qualidade da direção de Breno Sanches se mostra no jeito sensível como o espetáculo vence o desafio da retórica. De fato, desde que a peça começa (partindo da palavra “feminismo” já no título), o espectador sente que está diante de um quadro dramático assumidamente político. Nesse sentido, o risco da longa e monótona argumentação, com muita abstração e pouca ação, se mostra como um obstáculo inicial que, na prática, nem chega a acontecer. Praticamente não há cenas paradas nessa peça, pois, ainda que os espaços cênicos não estejam suficientemente descritos na narrativa, os lugares discursivos são muito claros. Com fluência e criatividade, Sanches constrói paisagens que dão tempo para o público fruir a proposta, refletir sobre ela e ainda afeiçoar-se. 

Há ainda, em “Quem disse? – Teatro feminista para crianças”, números êxitos na cenografia e no figurino de Patrícia Muniz, na trilha sonora de Daniel Carneiro (com canções originais de Ana Luiza França) e no desenho de luz de Ricardo Lyra Jr. Todos esses elementos, com destaque para as bicicletas Anacleta e Jurema, dão a ver um espetáculo fluído, que precisa de pouco para se estabelecer, mas que, no detalhe, se mostra cuidadoso e qualificado. Vale porém um destaque positivo para as canções, pois elas surgem na narrativa ao natural e em ótima articulação com o todo. 

Por todos os elementos descritos acima, eis aqui um espetáculo digno dos aplausos que vem recebendo e que deverá – ainda mais – receber. Evoé! 

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Ficha Técnica
​Realização: Abelha Mestra Produção Artística
Direção: Breno Sanches
Texto: Ana Luiza França
Elenco: Filipe Codeço e Ana Luiza França
Cenografia e Figurinos: Patrícia Muniz
Trilha sonora: Daniel Carneiro
Canções originais: Ana Luiza França
Desenho de luz: Ricardo Lyra Jr.
Design gráfico: Fábio Fontoura
Fotografia: Laura França
Operação de som: Bernardo Carvalho
Operação de luz: Ricardo Lyra Jr.
Produção executiva: Bernardo Carvalho
Direção de Produção: Ana Luiza França
Duração: 55 min.

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