quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Onde estão as mãos, esta noite (RJ)

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Foto: divulgação


Karen Coelho


Karen Coelho em ótima interpretação dirigida por Moacir Chaves 

Os maiores méritos do monólogo “Onde estão as mãos, esta noite” estão na exuberante interpretação de Karen Coelho e na inteligente direção de Moacir Chaves. Juntos conseguiram criar um objeto artístico potente e interessante que vencesse os longos 33 minutos prejudicados por uma dramaturgia bastante ruim de Juliana Leite. Ela foi soberba e felizmente melhorada pela atriz e pelo diretor na vitória sobre seus desafios, os que lhes aumentam os aplausos aqui. O espetáculo se apresentou na abertura das peças virtuais do 13º Festival Niterói em Cena, na última sexta, dia 18 de dezembro, mas, por problemas técnicos, só agora está ganhando sua análise crítica. Em oportunidades vindouras, vale a pena ver pelo modo como Coelho domina magistralmente o quadro e como, através dela, Chaves domina o ritmo da apresentação como um todo, contribuindo numa versão Bob Wilson à Brasileira na interconecção entre as cores no quadro, os movimentos na tela, os pequenos, mas super potentes nos mínimos gestos. 


13o Festival Niterói Em Cena

Infelizmente vale começar, na análise, pelo que é mais polêmico: os desméritos da dramaturgia de Juliana Leite. A grande questão é que o texto poderia ser um excelente exercício de sala de aula de roteiro, onde alunos estariam experimentando a monotonia de Tchekhov, a tragédia pós-guerra de Beckett ou teatro do absurdo de Ionesco. Fora desses contextos didáticos, porém, a simples justaposição de frases desconexas, como (meramente ilustrativas) “Não ouço o ar condicionado há 3 dias e os chocolates das Americanas devem estar derretendo. O mormaço faz minhas roupas mofarem no varal. Meu tio me ligou três vezes hoje, mas deve ter sido engano, pois ele nunca liga para mim.” exala o fedor de uma dramaturgia que a pandemia de 2020 não conseguiu requentar. Aliás, vale dizer que comparar a Europa com seus prédios literalmente no chão pós ataques de bombas áreas com a classe média presa em casa pedindo Ifood agora em 2020 beira ao mal gosto. Não. Por mais grave que esteja tudo o que estamos passando nesse ano, nada se compara ao ideário estético do teatro do pós-guerra europeu. E também não somos da aristocracia russa para vermos se aproximar o exército comunista que dará fim aos nossos dias longos. 

Assim, com tudo isso, Karen Coelho e Moacir Chaves tiveram em mãos o enorme desafio de transformar uma dramaturgia cuja 32ª página era exatamente igual à 5ª em algo relevante. E meritosamente conseguiram o feito. Talvez muito inspirado pelo primeiro ato de “Happy Days”, dirigido há alguns anos pelo encenador Robert Wilson (com Adriana Asti), Moacir Chaves soube conduzir Coelho a quase não se mexer em cena, dando potência à cada mínimo movimento, à cada gesto da atriz em quadro, criando exuberante tensão. O modo como atriz revira os olhos, ajeita sua coluna, varia suas tensões e, assim, dá vida a uma mulher trancafiada em seu minúsculo apartamento, como Winnie em seu buraco, dá luz à prisão que nós todos – conscientes do perigo que nos circunda do lado de fora – estamos confinados, isso sem perder a esperança de que dias melhores virão. Karen Coelho prende a atenção do público enquanto dosa, em evolução, o próprio revelar de suas expressões emotivas como um vulcão beckettiano prestes a explodir, mas que o faz seja por quais forem os motivos: a demora da vacina talvez. Eis aqui um belíssimo trabalho de interpretação que renova a potencialidade da nossa condição humana e pode emocionar pelas esperanças que não vêm, pela simplicidade que não mais se escuta, pela solidão que lhe assombra. 

A Chaves cabe ainda o elogio pelo cruzamento entre a atriz e o enquadramento. O fundo amarelo preponderante, o quadro sempre parado, a espera frustrada para que algo aconteça. O ritmo linear do espetáculo é cortado pela acrescência de alguns elementos decorativos, como se fossem alusões a uma possível mudança que não chegará, tudo isso reforçando a tragicidade particular do momento em que vivemos agora, especial e não comparável com nenhum outro. O espetáculo termina com uma bela reflexão sobre o que faremos com nossas mãos quando isso passar. E as mãos de Coelho aparecem ao mesmo tempo potentes, mas inúteis, em uma complexidade difícil de ser encarada, mas aqui enfrentada por uma atriz e por um diretor capazes de reconhecer o peso dos símbolos. 


“Onde estão as mãos, esta noite” vale a pena ser visto, se não pelo texto, com certeza pela beleza da interpretação de Karen Coelho, pela magistral direção afiada de Moacir Chaves, mas também pela direção de arte de Luiz Walchelke, em que a taça em vinho pela metade se une às paredes amarelas e à estante de livros vermelha. Tudo isso sabendo se comunicar com o figurino da atriz que se transforma ao longo dos 33 minutos em algo que poderá não vir a ser, mas que nos deixa com a amarga esperança de liberdade. 

Um bom espetáculo, sem dúvida. 

*

Ficha Técnica

Direção: Moacir Chaves
Atuação: Karen Coelho
Dramaturgia: Juliana Leite
Direção de arte: Luiz Wachelke
Técnico de som e luz: Marcello H.
E equipe de suporte técnico e de divulgação.
Classificação Indicativa: Livre​
Duração: 35 min.
Link: @ondeestaoasmaos



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