quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Parece loucura, mas há método (RJ)

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Foto: divulgação

Elenco ao fim do espetáculo

Vibrante participação da Armazém Cia de Teatro no 13º Festival Niterói em Cena 

“Parece loucura, mas há método” é a grande excelente produção da carioca Armazém Cia de Teatro que chega ao 13º Festival Nacional de Teatro Niterói em Cena para trazer-lhe mais brilhantismo. O espetáculo é um jogo com dramaturgia composta por Jopa Moraes e seu pai Paulo de Moraes, esse último que assina também a direção. No elenco: Charles Fricks, Isabel Pacheco, Jopa Moares, Kelzy Ecard, Liliana de Castro, Luis Lobianco, Marcos Martins, Patrícia Selonk, Ricardo Martins e Vilma Mello dão vida – no melhor sentido do termo – a nove personagens shakespearianos que, separados – na medida do possível de suas tramas originais –, duelam entre si. Recepcionados por Jopa Moraes (o Mestre de Cerimônias) é ele quem conduz o jogo, estabelecendo as votações e anunciando os resultados a partir dos quais os vencedores vão ficando ou não história ao seu final. Desde “12 pessoas com raiva”, assistido bem no início da quarentena e que também participa da programação do Niterói em Cena, não se assistia a algo tão potente, tão vibrante, tão vivo no teatro online, ou live teatral, ou como queiram chamar essa nova modalidade que fica entre a interação com o público e a mediação de ferramentas audiovisuais como som, luz, câmera, edição e enquadramento além da presença do público. Eis aqui uma vibrante oportunidade que merece ser assistida por seus numerosos méritos estéticos, em que se incluem a beleza das interpretações, a flexibilidade dos atores em manipular seus personagens de acordo com seu inimigo interlocutor na busca pelo voto e sobretudo na partilha com o público da construção de toda a trajetória da peça: graças a isso, única em cada apresentação. 

O jogo é simples. Aparentemente por um sorteio, dois personagens são escolhidos e vêm à público defender suas questões particulares. De início, o público não sabe seus nomes e nem dos contextos narrativos de onde eles vêm, de modo que tem, diante de si, apenas a defesa teórica dos temas que lhes são caros aos personagens incialmente sem nomes. Ao fim do round, o público é convidado para, por meio de uma votação eletrônica, eliminar aquele que deve sair do jogo, elegendo, em consequência, aquele que deve permanecer. Aos poucos, sobretudo aqueles mais interessados no estudo de Shakespeare, vão reconhecendo as figuras: Charles Fricks defende Iago (“Otelo”), Isabel Pacheco é Coriolano (“Coriolano”), Kelzy Ecard é Felipe (“Rei João”), Liliana de Castro é Pórcia (em “O Mercador de Veneza), Luis Lobiano é Fasltaff (em “Henrique IV”), Marcos Martins é o Bobo (em “Rei Lear”), Patrícia Selonk é Ricardo II (em “”Ricardo II”), Ricardo Martins é Macbeth e depois em Hamlet (em “Macbeth” e em “Hamlet”) e Vilma Mello é Henrique V (em “Henrique V”). 

A dramaturgia de “Parece loucura, mas há método” tem seu brilhantismo analisável em duas partes. Primeiro há que se considerar o modo os textos foram selecionados, a intenção da seleção. Como o espetáculo se baseia em um jogo, uma espécie de reality show, é claro que os trechos foram escolhidos com base no seu potencial apelo ao público, na sua capacidade de engajamento. Cada personagem quer, afinal, conquistar as pessoas com suas questões particulares, com a sua causa dentro de uma narrativa que não chega a nós naquele momento de recorte. Mas há ainda um segundo ponto e talvez esse mais forte e gostoso: como nem mesmo os atores sabem quem serão os personagens eliminados ao longo de cada apresentação, cada intérprete tem, dentro de seus recursos expressivos e atendendo à coerência lógica dos personagens que interpretam, meios de reorganizar suas estratégias e tentar vencer o oponente. Nesse sentido, para além de exibir um profundo e eficaz estudo da obra de Shakespeare, a Armazém Cia de Teatro brinca com a enorme potencialidade expressiva de seus intérpretes e dá-lhes chances para que possam “vender o seu peixe” e suar na busca pela vitória, enquanto exibe seu profícuo estudo do autor bardo. 

A crítica é sempre um recorte muito subjetivo de um olhar de alguém – o crítico – por sobre um espetáculo que, ao mesmo tempo, é visto por várias pessoas em várias temporadas. Essa aqui, porém, é ainda mais específica. E por quê? Porque “Parece loucura, mas há método” se modifica a cada apresentação a partir da interação com o público. Em depoimento, pós-espetáculo, os atores revelaram ao público do 13º Niterói em Cena que, ao longo das apresentações, todos os personagens já ganharam alguma vez assim como todos já foram os primeiros a serem eliminados. Isso quer dizer que, para além das contribuições estéticas que a produção revela em termos artísticos, há aqui objeto interessantíssimo de estudo para o campo da recepção de teatral. 


13o Festival Niterói Em Cena

Sobre essa apresentação em específico, vale destacar a variedade expressiva e o carisma de Kelzy Ecard na defesa do seu Felipe, um personagem praticamente desconhecido de uma obra quase nunca lembrada de Shakespeare - “Rei João”. Também se destaca a acidez de Isabel Pacheco em seu Coriolano e o carisma natural de Luis Lobianco no já delicioso Falstaff. Nada porém,- e, se tudo aqui é uma posição particular, essa é mais ainda! – é igual à ironia crescentemente insana de Ricardo II, defendido por Patrícia Selonk, a vencedora da noite. 
Patrícia Selonk

Por fim, destacam-se os modos como os atores todos, incluindo Jopa Moraes como o MC, soube usar bem os quadros fechados com fundo negro, a corda bamba do falso ringue, a sutileza de solilóquios muitas vezes transformados em diálogos, sempre considerando o aspecto triádico do signo teatral – em que o público está inevitável (e graças a deus) incluso. 

Em todos os sentidos, “Parece loucura, mas há método” foi uma das melhores e mais vibrantes participações dessa edição do festival. Parabéns! Evoé! 

*

Ficha técnica:

A partir de personagens da obra de William Shakespeare

Roteiro: Paulo de Moraes e Jopa Moraes
Direção: Paulo de Moraes
Elenco: Charles Fricks, Isabel Pacheco, Jopa Moraes, Kelzy Ecard, Liliana de Castro, Luis Lobianco, Marcos Martins, Patrícia Selonk, Ricardo Martins e Vilma Melo.
Música: Ricco Viana
Design Gráfico: Jopa Moraes e Paulo de Moraes
Colaborações artísticas: Carol Lobato e Lúcio Zandonadi
Produção: Armazém Companhia de Teatro
Assessoria de Imprensa: Ney Motta

Classificação Indicativa: 12 anos​
Duração: 70 min.
Link: @armazemciadeteatro

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