sábado, 26 de dezembro de 2020

Em contos em encontros das águas (RJ)

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Foto: divulgação


Agromelados Cia Teatral

Érika Ferreira e Kadú Monteiro fazem Agromelados Cia. Teatral se destacar como um todo em ótimo espetáculo

No ótimo “Em contos em encontros das águas”, encontram-se, como dois entre os seus muitos méritos, o formidável vocabulário teatral de Érika Ferreira (1980-2020) e o enorme talento do diretor musical Kadú Monteiro. A peça, uma produção da niteroiense Agromelados Cia Teatral, foi a última obra cuja direção cênica foi assinada por Ferreira, que faleceu, em março desse ano, vítima da Covid-19. Pela excelência de sua obra e também por sua enorme contribuição à cena teatral fluminense, ela é a homenageada do 13º Festival Niterói Em Cena. Na narrativa, defendida com elogiosa disponibilidade por Cris Ribeiro, Ian Oliveiras, Luciano Barbosa e por Sylvio Moura, justapõem-se um conjunto de quatro lendas que têm a ver com rios: o rio Amazonas, os rios Negro e Solimões, a Mãe d’água e o Senhor do Lago. É um ótimo espetáculo que vale a pena ser visto. 
13o Festival Niterói Em Cena

É difícil analisar separadamente elementos como a dramaturgia e a particularidade das interpretações quando se está diante de um espetáculo tão criativo quando “Em contos em encontros das águas”. O que talvez possa se dizer é que, em termos de roteirização, há uma certa negativa linearidade no todo do espetáculo, mas isso é porque ele se organiza em quatro quadros com estruturas próprias e igualmente fortes e que podem, inclusive, ter sua ordem alterada entre si. O que une os episódios são apenas momentos em que as quatro figuras narradoras falam todas ao mesmo tempo em uma pequena confusão que felizmente dura alguns segundos. No interior das cenas, porém, contemplam-se narrativas cheias de curvas e possibilidades líricas. 

Érika Ferreira

Em se tratando da teatralidade propriamente dita, o primeiro maior mérito da peça é o vocabulário cênico de Érika Ferreira, que só infelizmente parece ser finito agora, porque ela se foi. Ao longo de cinquenta minutos, o que se vê no palco através de quatro atores, um músico e de cinco malas é uma variedade fenomenal de potencialidades semânticas. Um quadro puxa o outro, uma paisagem gera outra, mágicas surpreendentes acontecem, tudo isso apoiado apenas na criatividade da encenação. A título de comparação, algo assim se vê com frequência nos espetáculos da Cia OMondé, dirigida por Inez Vianna, do Rio de Janeiro. 

É provável que não haja destaques no elenco propositalmente. Defendida por Cris Ribeiro, Ian Oliveiras, Luciano Barbosa e por Sylvio Moura, a peça se dá a ver através de um extenso repertório corporal – nos gestos, nas expressões, na voz, nos movimentos, nas pausas, nas intenções. Isso tudo acaba por apagar esse ou aquele destaque. Seria, no entanto, injusto enumerar ou descrever apenas o valor da direção sem considerar o mérito dos Agromelados como um todo coeso e coerente. Com certeza, a direção qualificada de Érika partiu da disponibilidade expressiva de corpos criadores e criativos que são, agora, aqueles que continuarão aqui. 

Além da qualidade da direção, outro ponto que foge à coerência
Kadú Monteiro

plena de todos os elementos constituintes deste texto cênico é a potência de Kadú Monteiro na direção musical. No que diz respeito à sua colaboração à obra, o que se vê é um espetáculo à parte. A sonoplastia embeleza as paisagens, a interpretação das melodias eleva as potencialidades das cenas. Monteiro cantando “Lua Branca”, canção de Chiquinha Gonzaga de 1912, é algo que arrepia de tamanha beleza. Eis outro artista da Agromelados que merece sonoros aplausos por seu magnífico talento e apurada técnica. 

O desenho de luz de Rafael Grampola e o conjunto de todos os outros elementos visuais (as malas, os tecidos, os objetos, os figurinos) também agrega bons valores estéticos ao quadro como um todo. Em conjunto, eles se mostram disponíveis na veiculação do conjunto como instrumentos qualificados por serem ricos em potencialidades bem usadas. 

“Em contos em encontros das águas” começa com o palco vazio e termina deixando-o assim também. Em um dos seus trechos finais, há a expressão: “Aqui já foi. Agora é em outro lugar.” Ela revela – de modo sensível e sensibilizável – a efemeridade do teatro e, como ele, a das vidas humanas. Se o palco fica vazio, vazia porém nunca fica o coração daquele que sabe que conviver é ainda melhor que viver. Viva Kadú Monteiro! Viva Érika Ferreira! Viva os Agromelados! Parabéns. 

*

Ficha Técnica
​Direção: Erika Ferreira
Direção Musical: Kadú Monteiro
Iluminação: Rafael Grampola
Texto: Contos populares de domínio público
Elenco: Cris Ribeiro, Ian Oliveiras, Luciano Barbosa e Sylvio Moura
Músico: Kadú Monteiro
Produção: Claudia Macedo
Assistente de Produção: Juliene Pontes
Duração: 45 minutos


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