sábado, 26 de dezembro de 2020

Pequeno inventário de impropriedades (SC)

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Foto: divulgação 

Max Reinert



Bom monólogo reflete sobre os impactos do encontro com a violência

O bom monólogo “Pequeno inventário de impropriedades” se apresentou na noite de domingo como parte da Mostra Teatro Em Casa do 13º Festival Niterói Em Cena. Concebido, escrito e interpretado por Max Reinert, o espetáculo, dirigido por Denise da Luz e produzido pela Téspis Cia. de Teatro de Itajaí-SC, é uma versão virtualizada de uma ótima produção homônima estreada no fim da primeira década dos anos 2000, cuja crítica encontra-se publicada aqui nesse mesmo site. Permanecem e se renovam os méritos da produção anterior, mas agora por motivos diferentes, porque outros são os signos dessa nova montagem. E aqui elas serão elogiadas, bem como tratados aqueles aspectos que talvez sejam limitações dessa produção que continua positivamente potente. 

“Pequeno inventário de impropriedades”, escrito sob motivação de uma oficina de dramaturgia com Roberto Alvim – numa época anterior a transformação seja lá no que for –, trata do encontro de um homem com a violência. Embora não faça referência a isso, pode-se sem medo aludir a “O idiota”, de Doitoiévski, em que o puro e casto Príncipe Míchkin é lente através da qual o leitor observa toda a podridão de São Petersburgo. O espectador do monólogo não sabe exatamente qual é nem como foi o momento de encontro entre o narrador e a paisagem violenta, mas sabe que esse momento modificou sua vida, levando-o para um estágio de fluxo mental onde os velhos valores estão falindo em confusão. 

13o Festival Niterói Em Cena

A análise de “Pequeno inventário de impropriedades” é similar a de “Cálculo ilógico”, outro espetáculo participante do 13º Festival Niterói Em Cena. Na dramaturgia em si, não há movimento. Todo o movimento está no público, pois é audiência que vai se aproximando ou se distanciando do contexto da obra na medida em que vai entendendo ou não o quadro parado (mas não estático) que o personagem ora esconde, ora revela. Reconhece-se a beleza lírica do fluxo poético com que as palavras estão organizadas, com as imagens e os sons dispostos no quadro virtual da apresentação via Zoom (ou via You Tube), mas apontam-se os limites que a obra impõe à sua recepção. Tão logo o espectador percebe o mínimo que há para ser percebido (o tema), nada mais se desenvolve. 

A cena final é um ponto valoroso sobretudo da direção de Denise da Luz. Procurando não dar spoilers, vale dizer que toda a peça se refere a uma oposição entre a selvageria (e os cavalos são uma metáfora interessante a isso) e a disciplina dos modos e costumes da sociedade dita civilizada: o bem comer, o bem portar-se, o bem conviver. Essa oposição se descortina meritosamente – na boa escrita e na boa atuação de Max Reinert mas sobretudo na boa direção de Luz – para longe de outras oposições, como bem e mal ou como bom ou ruim. Tudo isso é interessante. Porém, o melhor da parte final é reparar uma levíssima curva ascendente na imagem poética. Toda a peça se passa dentro do que parece ser uma casa real, o que é, para muita gente, um símbolo de abrigo, de proteção, de resguardo. Essa mesma casa, na última cena, ganha um novo morador, uma esperança: um símbolo de carinho, de afeto, de companheirismo. Talvez isso seja sinal de que o personagem tão machucado pelo mundo exterior tenha encontrado um final feliz. 

A composição da imagem virtual pela multiplicação de sons e de quadros na cinematografia desse “teatro online” revela méritos na colaboração de Leonam Nagel na edição e de Hedra Rockenbach na ambientação sonora. Os trabalhos deles ofertam possibilidades semânticas de compreensão de que há múltiplas e controversas identidades girando dentro de um mesmo homem ao longo da narrativa. É um experimento interessante que merece elogios. 

Saúda-se a vitalidade de “Pequeno inventário de impropriedades” que segue se reinventando mesmo em contexto de pandemia, resistindo às intempéries e buscando seu espaço. Parabéns! 

*

Ficha Técnica
Concepção, Texto e Atuação: Max Reinert
Direção e Figurino: Denise da Luz
Ambientação sonora: Hedra Rockenbach
Transmissão e edição virtual: Leonam Nagel
Edição de vídeo dos cavalos: Vitor Zimmermann
Cenografia: Max Reinert
Participação especial: Chiclete
Elenco: Max Reinert
Direção: Denise da Luz
Autor: Max Reinert

Classificação Indicativa: 14 anos​
Duração: 40 min.
Link:@tespisteatro

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