quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Caio F. em casa (BA)

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Foto: divulgação: 

Duda Woyda



A beleza de degustar um bom Caio Fernando Abreu em cena

“Caio F. em casa” foi um delicioso espetáculo da soteropolitana Ateliê voadOR Companhia de Teatro que encerrou a primeira noite de espetáculos do 13º Festival Niterói Em Cena. De um jeito bastante sensível e tocante, o monólogo foi capaz de emocionar aqueles lho assistiram pela beleza com que o texto foi composto, mas também pelo modo como as imagens e sons chegaram ao público através da câmera e sobretudo através da delicada interpretação de Duda Woyda. Nessa análise, vamos destacar também a colaboração pontual da dramaturgia de Djalma Thürler e da direção de Marcus Lobo. 

Quase vinte e cinco anos após seu falecimento (25 de fevereiro de 1996), o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu permanece vivo nos corações de pessoas de diferentes gerações, revelando a incrível potência de sua literatura. O teatro, mais que tudo, é o espaço que deu maior privilégio às imagens sensíveis e póeticas de Caio. E, no caso de “Caio F. em casa”, o maior mérito dessa produção é fazer também chegar a sensibilidade ao público. 

Em cena, vemos Duda Woyda em um espaço que parece ser uma casa real através de uma câmera em plano sequência operada pelo diretor Marcus Lobo. A peça faz, ao longo de quarenta minutos, uma viagem por essa casa, investigando cada espaço, vários objetos, explorando muitos climas. Tudo isso revela a cartografia das sensações poéticas da dramaturgia, mas também a intimidade do ser humano, que aqui se chama Duda, mas que bem poderia ser qualquer pessoa. O mais positivo do espetáculo é não tratar a solidão como uma consequência da pandemia de 2020, ou como um retrato do mundo pós-redes sociais, nem algo assim. Para o Ateliê Voador, talvez a solidão seja mais uma delícia entre as muitas condições humanas, um refúgio, um abrigo de que qualquer pessoa tem direito de usufruir quando desejar. 


13o Festival Niterói em Cena

A dramaturgia assinada por Djalma Thürler dá, de fato, destaque para cartas, contos e para romances de Caio Fernando Abreu, mas o texto também está composto por outros autores como Francisco Bosco, Giuliano Cedroni, Heather Roth e como o próprio Thürler. Em conjunto, o projeto investiga cantos íntimos da companhia consigo próprio, com suas lembranças, com suas reflexões, com seus sonhos. Caio Fernando Abreu faleceu antes o advento da internet, em uma época em que a intimidade só era quebrada pelo recebimento de uma chamada telefônica ou pela chegada de uma carta via correio. E o espetáculo celebra essa época ao longo de quase toda a sua extensão: privilegiando discos em LP, fotografias analógicas, livros físicos. Um celular só realmente aparece nos momentos finais da peça de maneira que o contexto vira um brinde à delícia que é conviver consigo próprio, essa que não desvaloriza a convivência com o outro. 

Outro aspecto positivo é a sensibilidade de Duda Woyda ao dizer o texto. Não há grandes movimentos, não há empolação, esforço, expressões marcadas, força, “teatralidade” (aspas propositais). Woyda simplesmente diz o texto, ou melhor, deixa com que ele transborde naturalmente de si, do seu personagem. Seus movimentos pela casa, na cartografia do espetáculo, são limpos, são simples, são elegantes, aparentemente verdadeiros. Esses valores colaboram para a atratividade do espetáculo, desarmado e desarmando os corações para a tela. “Caio F. em casa” é uma versão intimista do espetáculo teatral “O outro lado de todas as coisas”, que teve direção de Marcus Lobo e de Rafael Medrado e que foi realizado entre 2016 e 2019. 

A direção de Marcus Lobo explora, sim, a relação da tela com Woyda em sua atuação, mas está longe de desprivilegiar o entorno do personagem. O espectador da peça tem, diante de si, diversas facetas do ambiente geográfico – por meio de vários closes em objetos interessantes da casa –, mas também do ambiente sonoro, pois as músicas têm enorme importância nessa peça. Lobo tem uma mão segura na condução da câmera, mas mais segura ainda na manutenção do ritmo lento da produção: ele permite que a gente deguste o espetáculo, o que é melhor que simplesmente assistir-lho. 

Com todos esses méritos, “Caio F. em casa” é uma experiência que deixará saudades. Espera-se que nunca lhe faltem oportunidades de voltar à cena a mais e mais públicos diversos e/ou retornantes. Parabéns! 

*

Ficha técnica:
Dramaturgia: Djalma Thürler
Direção: Marcus Lobo
Atuação: Duda Woyda
Colaboração: Rafael Medrado e Mariana Moreno
Produção e Arte: Djalma Thürler
Filmagem/Câmera: Rafael Alves
Trilha Sonora: Roberta Dantas e Leo Fressato
Figurino: Luiz Santana
Fotos: Cleonice Woyda
Classificação Indicativa: Livre​
Duração: 35 a 40 min.
Link: @atelievoadorteatro

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