segunda-feira, 13 de abril de 2015

Barbaridade (RJ)

Foto: divulgação 

Susana Vieira, Edwin Luisi, Osmar Prado e Marcos Olivieira em cena


Os dez milhões mais mal gastos da história do teatro brasileiro


“Barbaridade” é um dos piores espetáculos em cartaz na cidade e isso não é nem um pouco engraçado. Nova grande produção da Aventura Entretenimento, a peça reúne uma série de equívocos que ratifica o pouco compromisso de Luiz Calainho e de Aniela Jordan com a beleza desde o fim da parceria deles com Charles Möeller e com Cláudio Botelho em 2013. Com direção e coreografia de Alonso Barros e Susana Vieira como isca principal de divulgação, diz-se que “Barbaridade” queria ser um musical sobre a velhice. Está, no entanto, longe de ser sobre qualquer coisa que não seja desperdício de tempo, de talento e de dinheiro. Em temporada no Teatro Oi Casa Grande, no Leblon, a peça debocha da fama, tendo no elenco um arsenal de nomes globais; do teatro, usando uma casa nobre de apresentações na zona sul da cidade; da dramaturgia, com um texto assinado por Rodrigo Nogueira; e, por fim, dos projetos com patrocínio, enquanto essa produção divulga que gastou DEZ MILHÕES DE REAIS concedidos pelo Ministério da Cultura e pela Bradesco Seguros. Os bons nomes no elenco e na ficha técnica ou se equilibram em estrutura sensível demais ou a tornam ainda pior. É ridículo (no mal sentido).

Dizendo-se com dramaturgia criada a partir de textos de Luís Fernando Veríssimo, Zuenir Ventura e de Ziraldo, o texto de Rodrigo Nogueira, também autor do péssimo “Rock In Rio – O musical”, é mais uma vez cheio de problemas e sem valor estético algum. Na história, está em curso a produção de um espetáculo sobre a velhice com um patrocínio vindo de algum lugar misterioso. Para escrever o texto, a produtora Daniela Gordon (Susana Vieira) chama três escritores famosos (Osmar Prado, Edwin Luisi e Marcos Oliveira), mas há muito sem escrever, para integrar a equipe. Quando “Barbaridade” começa, o prazo para a entrega do trabalho expirará em três dias, mas, além de uma cena musical, ninguém do trio produziu qualquer página. Apesar da idade avançada, os três “dramaturgos”, assim como a Produtora, dizem desconhecer o tema e esse é para ser o conflito da dramaturgia de “Barbaridade”, título que surge da estranha união das palavras “bárbara” e “idade”. A resolução é patética: Matusalém, o mais longevo personagem bíblico, faz uma aparição mágica e, para ajudar os Escritores, primeiro os faz envelhecer trinta anos para, em seguida, rejuvenescê-los a fim de proporcionar-lhes pontos de reflexão que os auxilie em seu processo criativo. Ao final de “Barbaridade”, o espectador vai descobrir a) a origem real dessa aparição, mas não vai ter base suficiente para decidir se o envelhecimento e o rejuvenescimento dos personagens aconteceram de fato ou se eles foram só motivados pela magia; b) a verdadeira fonte do patrocínio e seus motivos; e c) se a ajuda de Matusalém deu resultado. E se decepcionará principalmente depois de ver um segundo ato composto por duas “barrigas” imensas na narrativa: as longuíssimas cenas do teste de elenco e do reencontro amoroso entre o personagem (sem nome) de Osmar Prado e de Gilda (Vera Fajardo), esse último o único bom momento de todo o espetáculo.

Apesar de Susana Vieira (Daniela Gordon), que canta muito mal, ser o nome mais conhecido (e mais divulgado) de “Barbaridade”, seu personagem é coadjuvante para qualquer um que entenda de narratologia. Às vésperas da produção de um espetáculo sem texto, sem elenco e com uma verba de fonte desconhecida, a personagem Produtora é interpretada de forma linear, sem a menor quebra nem mesmo nos últimos segundos da história. Não há nuance, não há contraste, tudo é muito superficial. Além disso, o tom usado pela atriz em cena é o mesmo usado por ela fora da peça de forma que é possível pensar que não há interpretação. Edwin Luisi, Marcos Oliveira e Osmar Prado são os protagonistas porque é neles, em conjunto, que a história acontece, embora deva-se dizer que somente Prado teve uma pontinha de privilégio por ser o único personagem com passado mais relevante. Em cena, os três falam bem e fazem bons usos dos tempos nas entonações e na movimentação, sendo responsáveis por parte do carisma que “Barbaridade”, em raros momentos, consegue despertar. Apesar de tentativas minimamente interessantes de Guilherme Leme e de Igor Pontes, estão em Thais Belchior e em Vera Farjado, além de Osmar Prado, os melhores trabalhos de interpretação no que se refere à contracena, ao canto, à desenvoltura no palco. Não há destaques no coro formado por doze atores (veja a lista abaixo). Insólita a direção de Alonso Barros patina em lago tão raso, sufocada junto a peixes grandes por tamanha falta de oxigênio.

Não há qualquer conceito claramente visível na iluminação de Daniela Sanchez. O cenário de Olivia Ferreira também não expressa coerentemente qualquer coisa. A princípio, “Barbaridade” acontece no interior de um teatro, o que justificaria a ausência de coxias e o maquinário exposto, mas, nesse caso, por que Gilda e Matusalém também estariam visíveis enquanto os contrarregras se esconderiam nessa perspectiva? Não há justificativas para o cenário estar torto (em diagonal) no primeiro ato e realista (vertical) no segundo. De todos, o figurino de Claudio Tovar é o elemento que tem pior uso. Nada na peça explica as roupas (e suas características) usadas pelos Escritores (Prado, Luisi e Oliveira) quando no início, ficando ainda piores quando eles estão jovens. Mais parecida com uma estrela da TV, Daniela Gordon (Susana Vieira) não veste uma só peça de trabalho como Produtora, nem o Diretor (Guilherme Leme), usando calça e camisa social, se parece com um em ação. Os momentos de ensemble apresentam um guarda-roupa que é um misto de muita coisa sem ser consistentemente algo. Constituída por canções do repertório popular nacional e americano, a trilha sonora, cuja direção musical e arranjos são de Marcelo Castro, é um dos raros bons aspectos desse espetáculo tão ruim.

Esse musical sobre a velhice tem uma cena simbólica que acontece duas vezes. Lá pelas tantas, um personagem Velho (Leo Wainer) aparece e os Escritores (Prado, Luisi e Oliveira) resolvem testá-lo, jogando um molho de chaves ao chão. Na primeira vez, ele não consegue recolhê-lo e sai do palco. Na segunda, ele alcança e todos comemoram. Feliz o mundo em que se valoriza não o velho que se curva, mas todo aquele que gentil e civilizadamente o idoso reverencia. Do mal teatro e do desperdício de dinheiro, deve-se ir embora triste.

*

Texto – Rodrigo Nogueira, baseado na criação de Luis Fernando Veríssimo, Ziraldo e Zuenir Ventura
Direção, Direção de movimento e coreografia – Alonso Barros
Coreógrafa convidada – Dalal Achcar
Direção Musical e arranjos – Marcelo Castro
Direção Musical e Preparação vocal – Felipe Habib
Cenário – Radiográfico
Figurino – Claudio Tovar
Design de som – Carlos Esteves
Visagismo – Martin Macias
Desenho de luz – Daniela Sanchez
Produção de elenco – Marcela Altberg
Elenco – Susana Vieira, Osmar Prado, Edwin Luisi, Marcos Oliveira, Guilherme Leme Garcia, Vera Fajardo, Igor Pontes, Thais Belchior, Diego Montez, Giselle Lima, Carol Costa, Ágata Matos, Eduardo Leão, Leonardo Senna, Leo Wainer, Germana Guilherme, Thiago Lemmos e Clara Verdier.
Músicos: Gabriel Guenter (bateria/percussão), Thiago Trajano (guitarra/violão), Pedro Aune (baixo elétrico/acústico); Matheus Moraes (trompete); Whatson Cardoso (clarinete, sax alto, clarone); Rafael Nocchi (clarinete/sax tenor/flauta); Marcelo Castro (maestro/pianista) e André Câmara (trombone).
Realização – Aventura Entretenimento

7 comentários:

  1. Nasce uma nova crítica a lá Barbara Heliodora, mas eficaz!!!

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  2. Copiou o texto do fuzarca? Conte-me mais sobre isso...

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  3. Achei muito pobre para 10 milhões mas como tudo ali no casa grande e superfaturado. Lastimável

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  4. Assisti e também achei horrível!
    Péssimo! A peça em si, iluminação e cenário... tudo muito ruim.
    Só ajuda a reforçar um esteriótipo ridículo.

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  5. Chequei no site do Minc e o valor que aparece lá de captação não é de R$ 10 milhões, mas de R$ 1,75 milhão.

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  6. João, 10 milhões foi o valor oficialmente divulgado pela assessoria de imprensa da produção. Obrigado pela participação. Abraços, Rodrigo

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