segunda-feira, 27 de abril de 2015

Madame Bovary (RJ)


Foto: divulgação
Vilma Melo, Alcemar Vieira, Raquel Iantas, Lourival Prudêncio e Joelson Medeiros

Ótimo espetáculo a partir de romance realista

Quanto mais a peça “Madame Bovary” aponta para o romance de Gustave Flauber (1821-1880), melhor ela é enquanto espetáculo teatral. Em cartaz na Sala Mezanino do Espaço Sesc Copacabana, a montagem tem ótimos trabalhos no elenco composto por Raquel Iantas, Joelson Medeiros, Alcemar Vieira, Lourival Prudêncio e por Vilma Melo. O maior mérito da produção, no entanto, está na adaptação de Bruno Lara Resende que dirige ao lado de Rafaela Amado. Eis aqui um espetáculo que teve justificado sucesso na temporada que infelizmente encerrou neste último domingo de abril. Que venham outras!

Lançado em 1857, o romance “Madame Bovary” marca o início do realismo na literatura francesa. Os protagonistas Charles e Emma Bovary são, em sua narrativa, devastados pelo leitor que perscruta os recônditos de suas almas. Esse universo subjetivo é o ponto de partida para a crítica social, para os valores, para os costumes, para uma sociedade burguesa que atravessava o século XIX enquanto se reinventava com o fim dos governos absolutistas do passado. A história começa com a infância do pobre Charles, preterido entre os seus colegas de escola. Depois, o primeiro casamento e sua viuvez, chegando ao momento em que conhece Emma, com quem virá a se casar. A partir daí, Charles funcionará como estrutura através da qual Madame Bovary será avaliada. O leitor conhecerá o tédio social da pequena localidade em que o casal mora e a permanência desse marasmo na mudança que vem em seguida. No romance, um dos pontos mais bonitos é contemplar como Flaubert narra a descoberta da vida, isto é, do amor por Emma Bovary e como isso a levará à morte. Sentenciada pelo trato com temas tidos como “imorais”, a obra levou seu autor a diversos processos jurídicos e a censura, mas também ao sucesso e à consagração. No último século, diversas foram as adaptações de “Madame Bovary” para o cinema, para a pintura, para música e para o teatro.

A adaptação de Bruno Lara Resende tem o valoroso mérito de não ousar aparecer mais que a obra original e justamente por isso é tão especial. Aqui o espectador se encontra com um espetáculo cujos cento e vinte minutos oferecem tempo suficiente para a audiência conviver com os personagens. O jogo do narrador rapsodo (aquele que descreve a ação) e do narrador-ator (aquele que age ou aquele através de quem a ação acontece) sugere a intimidade que o leitor tem com o livro. A encenação limpa, ágil e despojada promove a verticalização da história, essa tão cara principalmente ao realismo psicológico, estilo que melhor lê “Madame Bovary”. Ou seja, no caso desse espetáculo, os méritos da produção começam na adaptação e avançam pela direção garbosamente.

Lourival Prudêncio, Vilma Melo e Alcemar Vieira têm mais oportunidades que Raquel Iantas e Joelson Medeiros de mostrar bons trabalhos porque, durante toda a encenação, aqueles interpretam vários personagens enquanto esses dão a ver unicamente o casal Bovary. Dados os desafios de cada um, o mérito deve ser reconhecido na atuação de todos. De um lado, há quem movimente a narrativa pela viabilização de tipos e, de outro, quem lhe dê consistência pelo oferecimento de bases mais profundas. Na estrutura geral, positivamente sem destaques, o jogo cênico, em novos méritos à direção de Resende e de Amado, e à direção de movimento de Marcia Rubin, o espetáculo se apresenta coeso e coerente com ótimo resultado em termos de ritmo, de clareza e de beleza estética.

O figurino de Patrícia Lambert, o cenário de Marcelo Lipiani, a música de Antônio Saraiva e a iluminação de Renato Machado caminham bem articulados com a concepção no sentido de viabilizar uma estética econômica, mas não menos essencial. Cada aspecto do quadro visivelmente guarda em si potência suficiente para dar a ver o todo.

Dentre as várias contribuições do realismo para a arte, a sugestão do homem a partir de sua complexidade interior, de suas contradições, de suas aspirações, frustrações e delicadezas pontua o desacerto com o romantismo e uma nova atitude diante do mundo. Ao desarmar a cena, privilegiando o jogo com o que há de mais puro no fazer teatral, “Madame Bovary” coloca não apenas o homem diante do homem, mas dentro dele. Um espetáculo brilhante!

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Ficha técnica:
Do livro de Gustave Flaubert
Idealização, tradução e adaptação: Bruno Lara Resende
Direção: Bruno Lara Resende e Rafaela Amado
Colaboração artística: Marcio Abreu e André Lepecki
Elenco: Raquel Iantas, Joelson Medeiros, Alcemar Vieira, Lourival Prudêncio e Vilma Mello
Cenário: Marcelo Lipiani / Figurinos: Patricia Lambert
Iluminação: Renato Machado / Direção de movimentos: Marcia Rubin
Música: Antonio Saraiva
Direção de produção: Isabel Themudo e Cristiana Lara Resende
Produção executiva: Roberta Brisson

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