sábado, 11 de abril de 2015

Krum (RJ)

Foto: divulgação

Edson Rocha, Grace Passô, Rodrigo Ferrarini, Renata Sorrah, Danielo Grangheia,
Rainieri Gonzalez, Cris Larin, Inez Viana e Rodrigo Bolzan em cena


Um dos pontos mais altos na produção teatral carioca em 2015

            “Krum”, novo espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro, estreou em março no Oi Futuro do Flamengo, na zona sul do Rio de Janeiro. Escrito há quarenta anos pelo dramaturgo israelense Hanoch Levin (1943-1999), esse excelente espetáculo tem aqui sua primeira versão brasileira. Sob belíssima direção de Marcio Abreu, a peça é um dos grandes destaques na programação de teatro carioca pelos meritosos trabalhos de interpretação de um elenco cujos currículos são de primeira grandeza. Nesse grupo, incluem-se Edson Rocha, Grace Passô, Ranieri Gonzalez, Rodrigo Ferrarini, Inez Viana, Cris Larin, Rodrigo Bolzan, Renata Sorrah e Danilo Grangheia. A obra tem ainda iluminação assinada por Nadja Naira, cenário de Fernando Marés, trilha sonora de Felipe Storino, direção de movimento de Marcia Rubin e figurinos de Ticiana Passos, sendo que todas essas contribuições são visíveis como protagonistas dos níveis de percepção diferentes que o espetáculo oferece. Eis aqui um dos pontos mais altos do primeiro semestre de 2015.
            Na história, os personagens se dividem entre aqueles que vivem no grupo e aqueles que saíram (se libertaram?) dele. A peça começa com a chegada do jovem quarentão Krum, que partiu para o estrangeiro, mas que agora volta de lá sem ter trazido nenhuma modificação. Ao longo da narrativa, outros personagens ou tentarão sair ou, vindos de fora, farão uma visita. Em questão, parece estar a ideia (o tom tchekhoviano que, de forma diferente, também está presente nos filmes de Fellini) de apresentar a pequena comunidade como lugar onde se desculpam todas as falhas e se apagam todos os méritos. Lá, os defeitos são revelados e os valores são postos em dúvida, pois o importante é os integrantes permanecerem juntos. É assim que essas figuras se exibem: como intervalos entre suas individualidades e as regras sociais. Aí justamente estão suas belezas.
            A direção de Marcio Abreu, assistido por Nadja Naira e por Giovana Soar com direção de movimento de Marcia Rubin, tem o mérito de viabilizar a narrativa através da consolidação de códigos de linguagem criados pelo próprio espetáculo. A peça começa com a voz de Krum (Danilo Grangheia) invadindo o silêncio e termina com todos lhe assistindo. Os dois casamentos se relacionam com os dois funerais. O marido que Dupa (Inez Viana) espera tanto acabará por fazê-la ainda esperar mais. Além disso, de forma muito sutil, símbolos judaicos estão espalhados pela narrativa e dispostos aos olhares mais atentos. O ritmo – com 120 minutos, a versão brasileira é uma hora menor que as internacionais – não reflete cortes, mas uma hierarquização de sentido alternativa tão potente quanto o texto original pode ter previsto. Por esses e pelos pontos que ainda serão tratados, “Krum” ratifica o lugar de Abreu entre os mais significativos diretores do teatro brasileiro contemporâneo.
            O elenco estrelar apresenta um conjunto de trabalhos brilhante no todo e em cada parte. Inez Viana (Dupa), Cris Larin (Felícia), Rodrigo Ferrarini (Tachtich) e Rodrigo Bolzan (Shakita e Bertoldo) constituem as bases de uma estrutura que se mostra sólida nos detalhes mais sutis que essa narrativa traz. Apenas porque seus personagens se envolvem menos com o protagonista, suas participações são menores. Porém, no contexto de cada uma, o resultado é belíssimo. Renata Sorrah (Truda), Ranieri Gonzalez (Tugati) e Grace Passô (Mãe de Krum e Twitsa) interpretam as vigas em cima das quais a história acontece. No âmbito da encenação, a excelência de suas construções define o altíssimo nível estético do espetáculo. Dentre os vários quadros de grande beleza, se destacam um momento em que Truda (Sorrah) transborda de uma poltrona várias vezes, o monólogo inicial de Tugati (Gonzalez) e o trecho exato em que Grace Passô muda de personagem em cena aberta. Danilo Grangheia (Krum) é um dos maiores atores brasileiros e esse é um dos seus melhores trabalhos. A dicção claríssima; as intenções, as pausas, as forças bastante bem articuladas; o corpo, os gestos e os movimentos limpos evidenciam a quebra sutil do personagem que conduz a narrativa. Quanto mais Krum aceita a sua condição (e o seu destino) e vivencia os hábitos de seu grupo, mais ele se encontra consigo próprio. A cena em que amaldiçoa a partida de Shakita (Bolzan) pontua o ápice de seu personagem e dessa história de Hanoch Levin e de Marcio Abreu. Edson Rocha (Dulce) faz boa contribuição também ao piano.
            Com a mesma força, a potência semântica do espetáculo “Krum” se revela no modo como o cenário (Fernando Marés), o figurino (Ticiana Passos), a trilha sonora (Felipe Storino) e a luz (Nadja Naira) se permitem ver e ouvir ao público. No palco, fileiras de poltronas circundam o espetáculo cênico, reproduzindo uma metáfora àquelas em que o público está sentado. Em todas as cenas, há sempre algum ator assistindo a outro. O resultado é que o conceito de pequena comunidade - onde todos cuidam de todos – fica ainda mais visível. A iluminação amplifica a imagem do desacerto como metáfora para compreender a história. Os focos de luz acendem depois das falas terem começado e, por vezes, apagam antes delas terminarem de forma que o mundo dessas figuras parece ainda mais particular a partir desse jogo. A trilha sonora de Felipe Storino, dando vida para os diversos ambientes onde tudo acontece, faz ótimas pontes tanto com o universo pop como com a cultura judaica. O figurino, cujos tons são vistos a partir de suas matizes mais escuras, expressa certos prazeres de seus usuários, revelando parte de seu universo particular, como o pijama de Tugati, a roupa sensual (?) das velhas amigas Truda, Dupa e Twitsa, a de festa de Felícia ou a camisa de Tachtich. Cada peça permite identificar o personagem a partir da complexa distância entre o que ele é e o que ele gostaria de ser. Excelente!
            Esse blog não costuma publicar análises comparativas entre os espetáculos em cartaz, mas uma exceção pode acontecer aqui. Igualmente excelentes, “Salina”, do Amok Teatro, e “Krum”, da Companhia Brasileira de Teatro, justificam seus muitos méritos de formas diferentes. Se lá a beleza está na convergência dos signos, dando a ver uma harmonia estética de grande refinamento, aqui é justamente a divergência dos elementos articulados que garante a complexidade da estrutura espetacular. Não há dúvidas de que 2015 começou bem para o teatro carioca. “Krum” é para ser visto várias vezes e aplaudido sempre.

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Ficha Técnica
Texto: Hanoch Levin
Direção: Marcio Abreu

Personagens/Elenco:
Krum - Danilo Grangheia
Mãe de Krum/Twitsa - Grace Passô
Shakita/Bertoldo - Rodrigo Bolzan
Tugati - Ranieri Gonzales
Dulce - Edson Rocha
Felícia - Cris Larin
Tachtich - Rodrigo Ferrarini
Truda - Renata Sorrah
Dupa - Inez Viana

Tradução: Giovana Soar

Adaptação: Marcio Abreu e Nadja Naira
Tradução do hebraico: Suely Pfeferman Kagan
Iluminação: Nadja Naira
Cenário: Fernando Marés
Trilha e efeitos sonoros : Felipe Storino
Figurino: Ticiana Passos
Direção de Movimento: Marcia Rubin
Direção de Produção: Faliny Barros
Programação Visual: Fábio Arruda e Rodrigo Bleque – Cubículo
Fotos: Nana Moraes
Interlocução artística: Patrick Pessoa
Produção Executiva: Isadora Flores
Produção companhia brasileira de teatro: Cassia Damasceno
Assistência de direção: Nadja Naira e Giovana Soar
Assistência de Cenografia e Direção de Cena: Eloy Machado
Assistência de produção e contra regragem: Liza Machado
Assistência de Produção: Vivi Oliveira
Assistência de iluminação e operação de luz: Lara Cunha
Assessoria de Imprensa: Vanessa Cardoso / Factoria Comunicação
Assistência Assessoria de Imprensa: Pedro Neves
Costura: Ticiana Passos e Luciana Falcon
Assistente de Figurino: Luciana Falcon
Estagiário de Cenário: Yuri Wagner
Administração do Projeto: Heloisa Lima
Contabilidade: Gelson Almeida
Registro em vídeo: Johnny Luz
Assistência de Produção companhia brasileira de teatro: Henrique Linhares
Operação de som: Felipe Storino
Montagem de Luz: Lara Cunha , Daniel Rodrigues , Daniel Galvan
Montagem de som: João Paulo Pereira e Fabio Lobo
Cenotécnico : André Salles
Estofador: Ivan Cabeleira
Montagem cenário : Beto Paraná, Bruno Salles,Ivan Cabeleira, Ivan dos Santos,Robson de Almeida e Walmir Jr.
Produção e Realização: Renata Sorrah Produções e companhia brasileira de teatro
Patrocínio: Oi e Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro


Um comentário:

  1. KLUM é impressionante ! Graças a sua fabulosa resenha, vi situações que tinham passado despercebidas!Parabéns a você e a KRUM😀

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