terça-feira, 7 de outubro de 2014

Uma relação pornográfica (RJ)

Foto: divulgação
Ana Beatriz Nogueira e Guilherme Leme Garcia em cena


Refinadíssimo!



            “Uma relação pornográfica”, do iraniano Philippe Blasband, é uma peça sobre sexo sem um único palavrão, sobre nudez com os atores Guilherme Leme Garcia e Ana Beatriz Nogueira em roupas fechadas dos pés ao pescoço, sobre prazer sem luzes vermelhas, vídeos sensoriais nem quadros impactantes. Com refinadíssima direção de Victor Garcia Peralta, a produção está ao lado da comédia “Sexo, drogas e rock’n’roll” e da tragédia “Quem tem medo de Virgínia Woolf?” por expressar com elegância, inteligência e com bom gosto um universo de foro íntimo. A peça está em cartaz no teatro do Centro Cultural do Banco do Brasil, no centro do Rio, até 19 de outubro.

            Lançada em 2003 como peça de teatro, “Uma relação pornográfica” (“Une liaison pornographique”, direção de Frédéric Fonteyne) surgiu como filme quatro anos antes com roteiro de Blasband. No enredo, dois personagens, Ele e Ela, se conheceram em uma sala de bate-papo online e, depois de um tempo, marcaram um encontro que se repetiu durante um certo tempo. Dispostos a realizar unicamente suas fantasias sexuais, a relação entre eles sofreu sutis modificações. No palco, eles narram seus pontos de vista sobre o que ocorreu, o que tematiza a delicadeza de cada ser humano em vivenciar de forma única uma mesma história, em esconder e em evidenciar seus desejos e suas impressões e em disfarçar as reações a partir dos interesses. Sem efeitos cênicos de grande ordem, o diálogo com o público por vezes se torna entre os personagens, mas sempre pontua por primeiro o quanto o ser humano é complexo e admirável.

            A direção de Victor Garcia Peralta, novamente, tem o maior mérito de pedir aplausos por aplaudir antes de tudo. Em outras palavras, nesse espetáculo, o trabalho de direção está visivelmente ao lado do texto de Blasband, não adiante, não atrás. Ao traduzir o diálogo do autor iraniano para o palco do teatro brasileiro, o valor está em apresentar um  homem e uma mulher que bem poderiam ser de qualquer lugar do mundo. Sem nome, de meia-idade, aparentemente saudáveis, de classe social comum, os personagens moram em um limbo fictício esforçadamente sem limites. O sexo, afinal de contas, é um ato tão natural quanto respirar e se alimentar. A direção rigorosa apresenta o espetáculo em ritmo tão sensível como a história, tão limitado como é o conhecimento que um tem do outro, tão puro quanto sem vínculos é essa relação.

            Os intérpretes Guilherme Leme Garcia e Ana Beatriz Nogueira não são símbolos sexuais, mas positivamente emprestam esse “não-ser” a Ele e a Ela, tornando os personagens ainda mais próximos do público. Cada um ocupa apenas o mínimo de espaço, expressando-se o mínimo possível de maneira que a catarse acontece facilmente. Toda a interpretação está nas sutilezas das variações de voz, de organização das pausas, dos movimentos de olhar, o que exibe um preciosismo na interpretação que é raro e, por isso, ainda mais valoroso. O resultado é vibrante.

            Roupas sociais, duas cadeiras, um desenho de luz (Maneco Quinderé) pontual e uma trilha sonora (Marcello H.) composta por variações de canções conhecidas, os elementos narrativos de “Uma relação pornográfica” ratificam o convite para a catarse, a importância do oxigênio para essa fruição, a essencialidade dos pontos que realmente marcam o vínculo. O que liga esse homem e essa mulher também liga diversos homens e mulheres, homens e homens, mulheres e mulheres. Eis aqui uma bela homenagem a esse elo que nos faz, em sua plenitude, tão e sempre humanos.

*

FICHA TÉCNICA:
Autor: Philippe Blasband
Elenco: Guilherme Leme e Ana Beatriz Nogueira
Direção: Victor Garcia Peralta
Iluminação: Maneco Quinderé
Trilha sonora: Marcello H.
Produtora Executiva: Silvia Rezende
Diretor de Produção: Sérgio Saboya

2 comentários:

  1. Rodrigo, seria bom você mencionar o nome dos tradutores da peça. Afinal o original foi escrito em francês e alguém deve ter passado para o português muito bem, como você dá a entender.

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  2. Rodrigo, conheço os tradutores e apoio o comentário acima. Acho que eles merecem menção, por justiça. São dois: Liane Lazoski e Renato Beninatto. Sem os tradutores, nenhum texto teria igual alcance. Por trás de todo texto original, há um autor, mas por trás de todo texto traduzido, há um tradutor (ou dois).

    Abraço,
    Iara Regina

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