Marcelo Aquino, Mario Borges, Isio Ghelman e Pedro Neschling em cena |
O novo Pinter dirigido por Ary Coslov
“A Estufa”, do britânico Harold Pinter (1930-2008), tem um tom absurdo que esconde um retrato mais fiel da realidade do que aparentemente se vê a princípio. O resultado é a construção de uma metáfora complexa para o mundo em que as relações se dão a partir de uma série de não-ditos a embasar conversações fluentes muito próximas do real. Dirigido por Ary Coslov, mesma assinatura da premiada montagem de “Traição”, de 2008, também de Pinter, o espetáculo está em cartaz no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim com Isio Ghelman, Paula Burlamaqui, Mario Borges, Pedro Neschling, Marcelo Aquino e com Thiago Justino no elenco.
Escrito em 1958, o texto situa uma história que acontece em uma espécie de casa de recuperação em uma noite de natal. Está nevando lá fora, mas, com o passar das horas, o calor dentro da sala do diretor, o Sr. Roote, parece aumentar. Chamados por números que se confundem facilmente, os “pacientes” (ou internos? Ou prisioneiros?) são os assuntos do dia. Um deles deu à luz a um filho e outro foi encontrado morto. As consequências burocráticas de ambos acontecimentos recentes parecem, no entanto, serem maiores do que os próprios fatos. Em “A Estufa” ("The Hothouse"), o enredamento das cenas não possibilita zonas de conforto para o público, mas, ao contrário, parte de um entendimento de que as palavras, essas muito perigosas, podem ser mais importantes que aquilo que elas expressam. Nesse sentido, a dramaturgia possibilita uma crítica forte à complexa estrutura burocrática principalmente dos regimes socialistas.
Na montagem dirigida por Coslov, os melhores momentos da encenação são os protagonizados por Mario Borges (Sr. Roote), Isio Ghelman (Gibbs) e por Marcelo Aquino (Lush). Talvez mais privilegiados pelo próprio texto, esses três personagens têm seus conflitos mais claros. De um lado, o diretor se sente responsável pela continuidade da rotina implantada há muitos anos, antes de sua admissão ao cargo agora ocupado por seus subalternos. Por outro, o Sr. Roote se vê ameaçado pelo poder tomado por seus funcionários, pela possível perda do controle da situação. Em outro nível, hierarquicamente em posições diferentes, Gibbs (Ghelman) e Lush (Aquino) estabelecem um tipo velado de duelo que os caracterizam como inimigos em disputa pelo poder. Considerando a chegada do natal, o aumento da temperatura e os acontecimentos recentes, a narrativa vai construindo uma estrutura um tanto claustrofóbica que, com méritos à direção, se mostra cômica em alguns momentos. Borges, Ghelman e Aquino, por criarem de forma bastante clara seus pontos de aproximação e de distância uns dos outros, são aqueles que têm maiores méritos na viabilização desse texto difícil.
Assinado pelo diretor, o cenário de “A Estufa” permite que vejamos as paredes do palco do teatro e suas engrenagens. Sobre isso, o desenho de luz de Aurélio de Simoni, de forma interessante, produz diversos níveis de maneira que é possível vislumbrar, a partir da sala do Sr. Roote, o que acontece nos outros ambientes do prédio em que a narração acontece. Localizada nos anos 50, a história se expressa a partir dos figurinos de Biza Vianna que auxiliam na construção de um ambiente elegante na mesma medida que ficcionalmente corrompido.
Nada é claro para o espectador de “A Estufa”, nem as regras por trás das relações entre os funcionários, nem os meandros de cada fato acontecido, tampouco exatamente os interesses de cada um. Em um meio do caminho entre o cômico, o tragicômico e o absurdo, a peça sugere uma crítica e um posicionamento político mais do que propriamente os propõe. Nem de longe, esse é um dos melhores textos de Pinter, mas seu autor vale a atenção sem dúvida.
*
Ficha Técnica:
Direção e Cenário: Ary Coslov
Figurinos: Biza Vianna
Iluminação: Aurélio de Simoni
Trilha Sonora: Ary Coslov
Tradução: Isio Ghelman
Direção de Produção: Celso Lemos
Elenco:
Isio Ghelman
Mario Borges
Paula Burlamaqui
Pedro Neschling
Marcelo Aquino
Thiago Justino
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Bem-vindo!