domingo, 28 de setembro de 2014

BlackBird (RJ)

Foto: divulgação
Viviani Rayes e Yashar Zambuzzi em cena


Ótima peça sobre o amor, os instintos sexuais e os padrões éticos e morais


O melhor da encenação de “BlackBird” é o caráter humano com que o diretor Bruce Gomlevsky narra a história escrita pelo escocês David Harrower. Lançado em 2005, o texto premiado parte de um romance real vivido, em 2003, por um ex-fuzileiro naval de trinta e um anos e uma menina quase vinte anos mais jovem. Primeira montagem do texto no Brasil, esse espetáculo está em cartaz no Teatro Glaucio Gill com Yashar Zambuzzi e Viviani Rayes no s papeis principais.

Atualmente Toby Studebaker cumpre pena em prisão americana, mas, no início dos anos 2000, ele lutou pelo seu país, os Estados Unidos, contra os talibãs que derrubaram as Torres Gêmeas e foram seus inimigos na guerra do Afeganistão. Depois de um ano conversando pela internet, o oficial licenciado se encontrou, no norte da Inglaterra, com Shevaun Pennigton que, embora dissesse ter 19 anos, tinha, na verdade, apenas 12 naquela ocasião. Com a desculpa de que sairia para compras, a garota fugiu com Studebaker para Londres e para Paris em julho de 2003. Preso em Frankfurt, Studebaker foi considerado culpado e sentenciado a um total de 15 anos de prisão, os quais deverão encerrar por volta de 2018. Baseado nessa história, David Harrower escreveu “BlackBird”, título que se deve à canção jazz “Bye, Bye Blackbird”, de Ray Henderson, em cuja letra (Mort Dixon) consta que “Ninguém aqui pode me amar, nem me entender”.

Na peça, aos 27 anos, a jovem Una (Viviani Rayes) reencontra Ray (Yashar Zambuzzi), de 55 anos, depois de ter visto uma foto dele no jornal. Quinze anos antes, Una era uma criança de 12 anos quando encontrou o já quarentão Ray, amigo de seu pai. Os dois se apaixonaram e fugiram juntos, mas a “aventura” terminou em um quarto de hotel de estacionamento, quando ele foi preso e sentenciado a onze anos de prisão. Na primeira cena do espetáculo, Ray está em seu trabalho, já casado e tentando reconstruir sua vida.  Diante da visita inesperada de Una, ele precisará voltar e rever o passado. O que um terá a dizer para o outro?

O autor David Harrower e o diretor Bruce Gomlevsky têm o mérito de deixar para o público julgar a situação, embora a culpa de Ray (uma referência a Toby Studebaker) seja preservada. “... todos sabemos que esse tipo de relacionamento não deve acontecer,” declara o dramaturgo. À parte, no entanto, do que diz a legislação internacional e do bom senso, como descrever o tipo de sentimento que, no passado e talvez no presente, uniu e une esses dois personagens? No caso real, o fato deles terem se conhecido através da internet gerou discussões vitais sobre os perigos da exposição virtual. Em “BlackBird”, com dois personagens conversando pela primeira vez depois de tantos acontecimentos, em um só ato, com um só cenário e figurino, ficam as interrogações contínuas que surgem a partir de cada nova revelação.

Rayes e Zambuzzi apresentam bons trabalhos de interpretação, considerando a dificuldade do texto, o caráter ético e moral que paira sobre ele e o ritmo arrastado que a situação prevê. O realismo de que a montagem está adequadamente investido foca todas atenções nos diálogos. A peça se passa (cenário de Pati Faedo) em uma sala abandonada de trabalho, com muito lixo, pé direito baixo e atmosfera claustrofóbica. A luz (Elisa Tandeta) é quente, os figurinos (Ticiana Passos) corretamente não chamam a atenção e a trilha (Marcelo Alonso Neves) apenas pontua sensivelmente o ritmo e o clima. Tudo converge para a oposição entre o ponto de vista de Ray e o de Una por sobre a mesma história e o que poderá acontecer a partir dali. Do elenco, participa ainda Lorena Comparato, interpretando bem a filha da atual esposa de Ray.

Em “BlackBird”, de um lado, há o preciosismo da dramaturgia que cria vários pontos de mudança a partir dos quais a trama apresenta boas reviravoltas. De outro, a montagem como um todo pauta um tema celebrizado por “Lolita”, de Vladimir Nobokov, e por vários outros autores antes e depois, mas que é sempre atual: o amor entre pessoas de idades diferentes, os instintos sexuais versus os padrões éticos e morais que hora temos em nossa sociedade. Ótimo! Parabéns!

*

Ficha técnica:

Elenco:
Viviani Rayes
Yashar Zambuzzi
Lorena Comparato

Texto: David Harrower
Tradução: Alexandre J. Negreiros
Direção: Bruce Gomlevsky
Direção de produção: Viviani Rayes
Produção executiva: Yashar Zambuzzi
Coordenação de produção: Rafael Fleury
Cenário: Pati Faedo
Figurinos: Ticiana Passos
Iluminação: Elisa Tandeta
Trilha original: Marcelo Alonso Neves
Assistência de direção: Francisco Hashiguchi
Assistente de produção: Antônio Barboza

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