sábado, 18 de outubro de 2014

O último Godot (RJ)

Foto: Conrado Krivochein
Phellipe Azevedo e Ricardo Rocha em cena


Problemas de concepção e sua importância

“O último Godot”, da Cia em Branco e Preto, participou da programação da segunda edição da [ mostra hífen de pesquisa cênica ], evento coordenado pelo grupo Teatro Inominável, que acontece em parceria com o quinto Tempo_festival, esse dirigido por Bia Junqueira, César Augusto e por Márcia Dias. O espetáculo, que foi apresentado no Galpão Gamboa, foi produzido a partir de texto do autor romeno Matéi Visnec e tem direção de Maíra Kestenberg com Phellipe Azevedo e Ricardo Rocha no elenco. A produção reflete problemas na ordem da concepção.

Muitas são as pesquisas que relacionam os personagens do irlandês Samuel Beckett (1906-1989) à construção do clown sobretudo em função da ausência do tempo e da relação de causa e de efeito que une em e outro. O problema maior dessa montagem de “O último Godot” é que os dois personagens em cena procuram driblar o tempo, buscam uma lógica para o que não tem lógica, decepcionam-se ao invés de ser apenas a representação da decepção.

A história de Visniec, autor censurado pelo governo socialista, não é uma biografia, embora estejam claras as referências a “Esperando Godot”, e a Beckett. Há um homem à porta do teatro quando o Autor da peça em cartaz é expulso. O primeiro se identifica como sendo o personagem Godot e reclama ao segundo acerca de sua ausência na história escrita por ele. No diálogo, ambos refletem sobre a falta de público no teatro, sobre o esvaziamento das ruas, sobre a alienação em uma clara crítica ao consumo capitalista. A crítica, no entanto, é mérito do público que reflete sobre o quadro e não do quadro, ratificando o ideário desses autores de que há que se ser sujeito da própria história e não o objeto dela. Não é isso que se vê no trabalho dirigido por Maíra Kestenberg infelizmente.

A cena inicial, em que Azevedo enfileira bitucas de cigarro, por exemplo, faz claríssima oposição com a macieira de “Esperando Godot” que floresce sem lógica, representando a ausência do tempo. Contrariamente ao mundo de Beckett e de Visniec, os personagens de Kestenberg lutam contra suas desgraças, estão insatisfeitos, têm opiniões e sofrem enquanto os dos autores originais nem mesmo sentem, sendo conformados às situações que não podem (e nem querem) compreender. Nesse sentido, esse “O último Godot” parte de um princípio equívoco e que acaba por não conseguir justificar todos os pontos de sua representação.

Prejudicados pela concepção, Phellipe Azevedo (Godot) e Ricardo Rocha (o Autor), preenchendo o tempo com um roll contínuo de ações, permitem ver referências a Buster Keaton e a Charlie Chaplin em termos da produção constante de gags cômicos. O feito ratifica o mal relacionamento entre o clown e o trágico contemporâneo, pois as interpretações, coerentes com a proposta, forçam ações narrativas onde elas, de fato, não existem. O cenário de Paula Cruz, o figurino de Aline Besouro e a caracterização de Lucimar Ferreira e de Manoella Moura sugerem um expressionismo, também coerente com Kestenberg, pois os cortes diagonais e a desproporção dos elementos expressam um mundo que é lido através dos sentimentos. O desenho de iluminação de Pedro Struchiner atua no mesmo sentido, criando ritmo, jogo e evolução de acordo com a tese da diretora em sua obra.

Incluir Godot no fim da peça, como sugere o personagem no diálogo, traria sentido para “Esperando Godot”, dando lógica à história e sentimentos para os personagens, apelo emocional à narrativa e público para o teatro falido do contexto ficcional de Matéi Visniec. “O último Godot” não é teatro realista, nem boa base para o expressionismo, justamente porque celebra a ausência do sentido e todo o teatro que faz dessa uma metáfora para o mundo contemporâneo. No entanto, essa montagem é um bom motivo para analisar o quão presente uma concepção é nos elementos que compõem a estrutura de um espetáculo teatral.

O Tempo_festival termina em 19 de outubro e a [ mostra hífen de pesquisa cênica ] segue até 2 de novembro. Confira a programação!

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Equipe de Criação:
Cia em Branco e Preto (Rio de Janeiro/RJ)
Texto: Matéi Visniec
Direção: Maíra Kestenberg
Elenco: Phellipe Azevedo e Ricardo Rocha
Cenografia: Paula Cruz
Figurino: Aline Besouro e Manoella Moura
Caracterização: Lucimar Ferreira
Desenho de luz: Pedro Struchiner
Treinamento de Comicidade: Lucas Castelo Branco

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