Ana Beatriz Nogueira e Guilherme Leme Garcia em cena |
Refinadíssimo!
“Uma relação pornográfica”, do
iraniano Philippe Blasband, é uma peça sobre sexo sem um único palavrão, sobre
nudez com os atores Guilherme Leme Garcia e Ana Beatriz Nogueira em roupas
fechadas dos pés ao pescoço, sobre prazer sem luzes vermelhas, vídeos
sensoriais nem quadros impactantes. Com refinadíssima direção de Victor Garcia
Peralta, a produção está ao lado da comédia “Sexo, drogas e rock’n’roll” e da
tragédia “Quem tem medo de Virgínia Woolf?” por expressar com elegância,
inteligência e com bom gosto um universo de foro íntimo. A peça está em cartaz
no teatro do Centro Cultural do Banco do Brasil, no centro do Rio, até 19 de
outubro.
Lançada em 2003 como peça de teatro,
“Uma relação pornográfica” (“Une liaison pornographique”, direção de Frédéric
Fonteyne) surgiu como filme quatro anos antes com roteiro de Blasband. No enredo,
dois personagens, Ele e Ela, se conheceram em uma sala de bate-papo online e,
depois de um tempo, marcaram um encontro que se repetiu durante um certo tempo.
Dispostos a realizar unicamente suas fantasias sexuais, a relação entre eles
sofreu sutis modificações. No palco, eles narram seus pontos de vista sobre o
que ocorreu, o que tematiza a delicadeza de cada ser humano em vivenciar de
forma única uma mesma história, em esconder e em evidenciar seus desejos e suas
impressões e em disfarçar as reações a partir dos interesses. Sem efeitos
cênicos de grande ordem, o diálogo com o público por vezes se torna entre os
personagens, mas sempre pontua por primeiro o quanto o ser humano é complexo e
admirável.
A direção de Victor Garcia Peralta,
novamente, tem o maior mérito de pedir aplausos por aplaudir antes de tudo. Em
outras palavras, nesse espetáculo, o trabalho de direção está visivelmente ao
lado do texto de Blasband, não adiante, não atrás. Ao traduzir o diálogo do autor
iraniano para o palco do teatro brasileiro, o valor está em apresentar um homem e uma mulher que bem poderiam ser de
qualquer lugar do mundo. Sem nome, de meia-idade, aparentemente saudáveis, de
classe social comum, os personagens moram em um limbo fictício esforçadamente
sem limites. O sexo, afinal de contas, é um ato tão natural quanto respirar e
se alimentar. A direção rigorosa apresenta o espetáculo em ritmo tão sensível
como a história, tão limitado como é o conhecimento que um tem do outro, tão
puro quanto sem vínculos é essa relação.
Os intérpretes Guilherme Leme Garcia
e Ana Beatriz Nogueira não são símbolos sexuais, mas positivamente emprestam
esse “não-ser” a Ele e a Ela, tornando os personagens ainda mais próximos do
público. Cada um ocupa apenas o mínimo de espaço, expressando-se o mínimo
possível de maneira que a catarse acontece facilmente. Toda a interpretação está
nas sutilezas das variações de voz, de organização das pausas, dos movimentos
de olhar, o que exibe um preciosismo na interpretação que é raro e, por isso,
ainda mais valoroso. O resultado é vibrante.
Roupas sociais, duas cadeiras, um
desenho de luz (Maneco Quinderé) pontual e uma trilha sonora (Marcello H.) composta
por variações de canções conhecidas, os elementos narrativos de “Uma relação pornográfica”
ratificam o convite para a catarse, a importância do oxigênio para essa
fruição, a essencialidade dos pontos que realmente marcam o vínculo. O que liga
esse homem e essa mulher também liga diversos homens e mulheres, homens e
homens, mulheres e mulheres. Eis aqui uma bela homenagem a esse elo que nos
faz, em sua plenitude, tão e sempre humanos.
*
FICHA TÉCNICA:
Autor: Philippe Blasband
Elenco: Guilherme Leme e Ana Beatriz Nogueira
Direção: Victor Garcia Peralta
Iluminação: Maneco Quinderé
Trilha sonora: Marcello H.
Produtora Executiva: Silvia Rezende
Diretor de Produção: Sérgio Saboya
Rodrigo, seria bom você mencionar o nome dos tradutores da peça. Afinal o original foi escrito em francês e alguém deve ter passado para o português muito bem, como você dá a entender.
ResponderExcluirRodrigo, conheço os tradutores e apoio o comentário acima. Acho que eles merecem menção, por justiça. São dois: Liane Lazoski e Renato Beninatto. Sem os tradutores, nenhum texto teria igual alcance. Por trás de todo texto original, há um autor, mas por trás de todo texto traduzido, há um tradutor (ou dois).
ResponderExcluirAbraço,
Iara Regina